O clima transcendental da obra de Hilda Hilst, sua inventividade e seu clamor por leitores ganharam forma na abertura da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), com a atriz Fernanda Montenegro lendo trechos de seus textos e a compositora Jocy de Oliveira apresentando óperas em homenagem à escritora.
O público lotou o auditório da Flip e também a tenda montada na Praça da Matriz para quem quiser acompanhar as mesas de graças no Centro Histórico de Paraty. Sem lugar em ambos os espaços, outra parte do público se espremeu embaixo das árvores e telhados dos sobrados do Centro Histórico de Paraty, quando a chuva fina se tornou mais forte, ainda nos primeiros momentos da apresentação da atriz.
Fernanda Montenegro fez uma leitura vigorosa e intensa de textos da escritora. “Leiam-me. Não me deixem morrer”, clamava em um dos trechos. Em outro, Hilda confessava que escrevia por debilidade, em uma tentativa de se aproximar do outro – tentativas essas que renderam suas obras de ficção e dramaturgia. “A distância ainda era muito grande”, desabafou. Na voz de Fernanda Montenegro, Hilda Hilst narrou que sempre se sentiu diferente, pois havia nela uma grande compaixão pela vida e pelo mundo, por ter sempre diante de si a perspectiva da finitude e da morte.
Trechos pornográficos e bem humorados também permearam a leitura da atriz, que arrancou risadas do público com um texto que narra a criação de um exército de extermínio formado por “velhinhas”, que cutucariam as nádegas dos poderosos e corruptos.
Fernanda terminou a leitura de pé, exaltando a escritora, que é de sua geração. “Maravilhosa Hilda Hilst! Inesgotável Hilda Hilst!”, exclamou emocionada.
O segundo ato da homenagem de abertura teve duas óperas da compositora multimídia Jocy de Oliveira, pioneira do gênero no Brasil. Duas sopranos apresentaram primeiro a peça Ouço vozes que se perdem nas veredas que encontrei, composta por Jocy em 1981.
A compositora leu um texto de homenagem a Hilda Hilst e destacou primeiro o caráter místico de sua obra e suas tentativas de contato com o mundo dos mortos quando se isolou em uma chácara em São Paulo, chamada de A Casa do Sol. Hilda Hilst espalhava gravadores pela casa na tentativa de captar vozes do além, e a morte era tema frequente em sua obra. Em um segundo momento, Jocy destacou a inventividade da literatura de Hilda e a ousadia de ser uma mulher disposta a escrever sem pudores no Brasil de sua época.
“Hilda fez valer seu direito de ser diferente, viveu intensamente enfrentando os paradigmas de sua época”, disse ela. “São muitas as Hildas. Ela encarna um universo poético único e nos representa como mulheres. A força perturbadora e inebriante de sua escrita nos cativa pela fluidez e pela riqueza de imagens e profundidade de seu pensamento. Nós, mulheres, somos todas Hilda”.
Para terminar, Jocy elencou a uma ópera de sua autoria que retrata a história de Medeia, clássico da tragédia grega. Com um ponto de vista político, a composição enfocou uma Medeia imigrante, discriminada e considerada terrorista pelos homens de seu tempo. “Questões extremamente pertinentes no mundo atual”, pontou a compositora.
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