Com a decisão favorável do Senado Federal em afastar por cento e oitenta dias a presidenta Dilma Rousseff, dentre os reajustes que o presidente interino Michel Temer pretende realizar está a de enxugar a máquina pública com a redução de ministérios. Nesse processo o Ministério da Cultura (MinC) fio incorporado pelo Ministério da Educação (MEC), tendo como ministro Mendonça Filho, que é do Partido Democratas (DEM), agremiação partidária historicamente aversa às questões culturais.
Mendonça Filho. Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil – fotospublicas.com.
Mendonça Filho, que foi governador do estado de Pernambuco, exercia atualmente o mandato de deputado federal e foi um dos responsáveis pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reeleição, que possibilitou, à época, a recondução do então presidente Fernando Henrique Cardoso ao poder. O nome de Mendonça aparece na lista dos citados pela Polícia Federal nas investigações da Operação Lava Jato.
Além da redução dos ministérios planejada por Temer, de 32 pastas para algo em torno de 22, outras reformas podem acontecer no país, sobretudo no que diz respeito a economia. Dentre as medidas da “Ponte para o Futuro” de Temer estão cortes de programas sociais, flexibilização das leis trabalhistas e idade mínima para aposentadoria.
Michel Temer. Foto: ASCOM-VPR – fotospublicas.com.
Em notícia publicada no site Uol, os assessores de Michel Temer justificam a redução de ministérios alegando que buscam abrigar todas as pastas nos prédios da Esplanada, a avenida de Brasília projetada para esse propósito. Atualmente, mais de 10 ministérios estão localizados em outros endereços, devido a falta de espaço na Esplanada. A nova presidência, por sua vez, se utiliza do discurso da redução dos gastos públicos para justificar estas medidas.
Em entrevista recente à Folha de S. Paulo, Juca Ferreira, então ministro da Cultura, qualificou a mudança como “um retrocesso ao século passado”. O Ministério da Cultura foi criado em 1985, pelo Decreto 91.144 de 15 de março daquele ano, e é considerada uma iniciativa que reconheceu a autonomia e a importância da Cultura, por muito tempo tratada em conjunto com a Educação. Ainda segundo Juca, durante sua posse em 12 de janeiro de 2015, a cultura é um dos pilares da própria democracia. Segundo o ex-ministro, ela, a democracia, “é quem qualifica e dá sentido à experiência humana, ao estabelecer os laços da vida social. Somente a cultura pode agregar valor ao desenvolvimento e abrir caminho para a inovação no seio da sociedade. Entendida deste modo, a cultura se coloca na centralidade da agenda pública contemporânea, permeando todos os campos da vida social, todas as áreas do conhecimento, como algo inerente ao próprio ser humano”.
Juca Ferreira. Foto: Tadeu Vilani / Agencia RBS.
No que diz respeito as áreas do livro, leitura, literatura e bibliotecas houve conquistas, como o Plano Nacional do Livro e Leitura, instituído por meio da Portaria Interministerial nº 1.442, de 10 de agosto de 2006, e que tem por objetivo possibilitar o acesso de todo cidadão ao livro e à leitura, além de editais e políticas para o fortalecimento das áreas, tais como a instalação e modernização de bibliotecas, criação do Setorial de Literatura, Livro e Leitura no Sistema Nacional de Cultura, Prêmio Viva Leitura, Programa Nacional de Incentivo à Leitura, entre outros.
Outro ponto que merece destaque são as ações e iniciativas que estavam sendo desenvolvidas pela Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) do MinC que, em parceria com o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), vinham fomentando, discutindo e propondo diretrizes para o fortalecimento das áreas do livro, leitura, literatura e bibliotecas no país. Conquistas estas que, embora importantes, ainda não atendem por completo um país com seus mais de 5.500 municípios e com sérios problemas de acesso à informação e à cultura em geral.
Volnei Canônica, Diretor da DLLLB. Foto: Janine Moraes / MinC.
Vale lembrar que, durante o governo Dilma, aconteceram cortes sistemáticos na área cultural. Segundo a associação Auditoria Cidadã da Dívida, enquanto os gastos com juros e amortização da dívida pública ultrapassaram os 45% de todo o orçamento efetivamente executado no ano de 2014 (em torno de R$ 978 bilhões), 0,04% foram destinados à cultura e 3,73% para a educação. Isso sem contar os cortes que posteriormente viriam a ser anunciados pelo governo Dilma em 2015 e 2016.
Apesar destas constatações, muitos outros segmentos, representações, campos e áreas tiveram um olhar um pouco mais atento por parte do MinC, sendo criadas políticas e publicados editais para fortalecimento de áreas periféricas, movimentos sociais, quilombolas, indígenas, entre outros. Ainda com uma verba cada vez menor, a existência do Ministério da Cultura se torna imprescindível quando se encara a cultura como estratégica para o desenvolvimento do país.
Fato é que a cultura tem suas particularidades e se alinhar a um outro setor parece não ser só um retrocesso, mas a falta de reconhecimento de uma enorme diversidade cultural no país e de suas peculiaridades. A fusão do MinC com o MEC pode se apresentar como um retrocesso e um ataque as ações e iniciativas que, embora modestas, estavam sendo desenvolvidas em prol das áreas do livro, leitura, literatura e bibliotecas. Inclusive esta incorporação pode representar cortes de recursos e o fim de setores importantes como o DLLLB e o SNBP, sem contar todas as outras perdas imensuráveis, como os pontos de leitura, arte de rua, bibliotecas comunitárias, arte circense, saraus literários etc, que correm o risco de serem descontinuados.
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