Um jovem quando entra na faculdade não faz ideia da quantidade de portas que irão se abrir pra ele e nem das inúmeras possibilidades de viagens que podem surgir durante sua vida acadêmica.
Um trabalho, algumas viagens e muito aprendizado. O trabalho nasceu dentro de sala de aula, na disciplina Estudo de Usuários, no curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), ministrada pelo professor Alex Guizalbert. Na disciplina um dos trabalhos para obtenção da nota e aprovação na matéria era necessário escolher algum tipo de biblioteca e fazer um estudo de usuário para se por em pratica o aprendizado de sala de aula.
A escolha pela biblioteca comunitária, um tipo de biblioteca que não fosse tão vista e falada durante o curso de Biblioteconomia, foi também por não ser um tipo de biblioteca que muitos alunos fazem estagio supervisionado. Queríamos conhecer melhor o dia-dia de uma biblioteca não tão conhecida pelos integrantes do grupo.
O primeiro contato foi feito pessoalmente para saber se poderíamos fazer um estudo de usuário na biblioteca. Precisaríamos da autorização do bibliotecário responsável que muito educadamente nos permitiu fazer o trabalho. Oito visitas foram feitas na biblioteca para a realização do trabalho, e em todas as vezes fomos muito bem recebidos. É muito interessante fazer um trabalho de campo, deste do inicio ate o produto final.
Estudo de usuários, um estudo de caso e efeito
Em síntese os “estudos de usuários são investigações que se fazem para saber o que os indivíduos precisam, em matéria de informação, ou então, para saber as necessidades de informação, por parte dos usuários de um centro de informação, estão sendo satisfeitas de maneira adequada”, garante Nice Figueiredo.
Os estudos de usuários em comunidade são atividades que podem ocorrer em duas circunstâncias em uma unidade informacional, em um primeiro momento quando a biblioteca precisa de diretrizes para a sua atuação em determinada localidade, como analisar qual será o publico alvo, de que tipo e segmento literário será constituído o acervo, quais serão as bases da politica de aquisição deste acervo, que tipo de ações de inserção sociocultural serão tomadas, entre outros fatores. Para esta situação é preciso que a biblioteca forme uma comissão, formada por bibliotecários e por membros de uma associação de moradores local a fim de chegar a conclusões, aliando a técnica profissional e o conhecimento de causa de quem vive em comunidade.
O estudo de usuários também pode ser utilizado em um segundo momento em uma unidade de informação, com o propósito de analisar a situação corrente da biblioteca, sua instalação, a satisfação do seu público alvo, e o impacto desta unidade informacional na vida cotidiana da comunidade em questão. A finalidade desta opção para os estudos de usuário é basicamente munir-se de feedback, buscar o retorno de opinião de quem frequenta o espaço e os serviços prestados.
Complexo do alemão? Por quê?
A origem do nome “Alemão” se dá porque o primeiro proprietário da então fazenda no território da então chamada serra da Misericórdia, nos idos de 1920, tratava-se do imigrante polonês Leonard Kaczmarkiewicz, e por conta de sua aparência europeia, alto, de pele alva e fala enrolada, os moradores logo passaram a se referir ao proprietário das terras e, por conseguinte, a região como “Alemão”.
Proveniente de uma área de fazenda até o final dos anos de 1940, o complexo do alemão é, desde 1993, oficialmente um bairro que se compreende entre as áreas dos bairros seguintes: Ramos, Penha, Olaria, Inhaúma e Bonsucesso, todos na zona norte do Rio de Janeiro.
A região que hoje é composta por 15 favelas (Morro da Baiana, Morro do Alemão, Alvorada, Matinha, Morro dos Mineiros, Nova Brasília, Pedra do Sapo, Palmeiras, Fazendinha, Grota, Morro da Chatuba, Caracol, Favelinha, Caixa D’Água e
Morro do Adeus), passou por um processo de povoamento intenso durante os anos de 1960, quando o êxodo da população de outros estados, principalmente dos estados nordestinos, buscava oportunidade de emprego e moradia barata no Sudeste do país, mais correntemente no subúrbio do Rio de Janeiro. No entanto a explosão demográfica de fato apenas ocorreu na década de 1980 quando o então governador Leonel Brizola autorizou as invasões ao território do complexo e o contingente populacional se multiplicou.
Do inicio dos anos de 1990 ao dia 25 de novembro de 2010, a região do Complexo do Alemão vive um período de vinte anos de domínio do tráfico de drogas pela facção criminosa Comando Vermelho, onde se predominavam os tiroteios, consumo de drogas, funks de apologia a drogas e sexo. O processo inicial de pacificação se dá entre os dias 25 a 27 de novembro de 2010 em uma operação especial que uniu Forças Armadas, Policia Militar e Policia Civil, com a finalidade de retomar o domínio do território que estava em posse do poder paralelo.
A priori os resultados visíveis da pacificação se dão pela segurança que permeou o local, e em um segundo momento pelos investimentos e empresas que adentraram a comunidade e que não faziam parte do cotidiano dos moradores, exemplos como bancos e empresas de coleta de lixo urbano, a instalação do teleférico para melhorar a locomoção interno e externo da população, projetos de inclusão social e intervenção cultural.
A biblioteca
A Biblioteca Comunitária da Fazendinha foi inaugurada em outubro de 2012, a partir do Projeto Indústria do Conhecimento, uma iniciativa da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro – FIRJAN – em parceria com a Academia Brasileira de Letras e integra as ações de educação e cultura do Programa SESI Cidadania – Serviço Social da Indústria.
O acesso à biblioteca se dá através do transporte teleférico que perpassa regiões do Complexo do Alemão. A unidade informacional se situa na última das seis estações – Estação das Palmeiras. A biblioteca atende semanalmente a cerca de 400 pessoas, em que 80% do público usuário é infanto-juvenil, de idades entre 3 e 16 anos, e 20% do público é de adultos, seu horário de funcionamento da biblioteca é das 10h às 19h, de segunda a sábado, e a entrada é gratuita.
Resultados obtidos
A pesquisa foi realizada utilizando o método de questionários. Foram distribuídos para 30 usuários, estipuladamente 15 meninos e 15 meninas, na faixa etária dos 3 à 16 anos.
A respeito da frequência, os meninos levam uma pequena vantagem, pois a sua assiduidade se dá em uma maior quantidade de 1 a 3 vezes por semana, totalizando opções, em 60% contra 59% de meninas neste mesmo período. Sobre as formas de desenvolvimento e incentivo a leitura, é notório a predileção dos usuários pelas narrações, as oficinas de contação de histórias, seguidas das demais opções, o que demonstra um êxito pela escolha em diversificar a forma de se disseminar a leitura.
Em linhas gerais, as demais análises que envolvem as dependências da biblioteca, o público alvo de nossa pesquisa foi bem taxativo, tanto meninos quanto meninas consideram que os itens, “limpeza”, “Sala de Leitura”, “mobiliário” “equipamentos de informática” estão entre os fatores “bom” e “ótimo”.
No que tange os itens, “Acervo”, “Condições Gerais do Prédio”, “Atendimento da biblioteca”, “Horário de funcionamento”, que são propriedades geradas pela biblioteca, os usuários demonstraram uma grande satisfação.
Pelo fato da biblioteca agir como elemento de quebra de rotina e entretenimento maciço e diário para eles, o único “problema” constatado através das pequenas porcentagens das respostas seria que a biblioteca poderia ter um horário de atendimento maior, que abrisse aos domingos, mas isso já lhes foi explicado, e contornado, pois eles precisam de um tempo hábil pra retornar para casa, pois se não houver este controle, as crianças acabam permanecendo na biblioteca até muito tarde.
Contexto social
A biblioteca possui uma missão dentro da sociedade, difundir o conhecimento ao público leitor, formando discernimento e a ideia de cidadania e exercendo a democracia. Ainda que enfrente muitos percalços, se mostra passível de conseguir avançar dentro da cabeça das pessoas. Aquela imagem de ser um local de castigo ou simplesmente um “depósito de livros” está cada vez mais esmaecida. As bibliotecas estão se tornando locais dinâmicos e atrativos de aprendizagem cultural e artística. O trabalho segue em progresso, mas os avanços dessa instituição são perceptíveis.
Especificamente, na Biblioteca da Fazendinha, o profissional da informação usa da literacia – capacidade de cada um usar os conhecimentos obtidos em uma leitura ou outra fonte de conhecimento para desenvolver um bem para a sociedade em geral – para além das fronteiras do auxílio informacional se faz necessário transpor suas atribuições em prol do ato de inclusão social de uma população carente que convive desde sempre com o rótulo de ter moradia em um dos lugares mais violentos da cidade e sem opções de lazer e entretenimento, estigmas que estão sendo minimizados graças ao trabalho de inserção cultural, fomento para a comunidade do Complexo do Alemão.
Após sessões de observação da biblioteca, assim como analise dos resultados do questionário e uma entrevista informal com bibliotecário e auxiliar da biblioteca, particularmente podemos explicitar com propriedade nossas impressões sobre a Biblioteca Comunitária da Fazendinha.
É perceptível que a biblioteca supre necessidades básicas das crianças que na maioria são muito carentes, provavelmente sua atenção seja chamada pelo conforto encontrado na biblioteca inexistente em suas casas, a oportunidade de ter acesso a um computador, assistir um filme, ou desenhos animados, ler um livro sobre contos.
Esse impacto corriqueiro que faz total diferença para as crianças, trata-se de uma biblioteca em progresso, processo de formação, essencial para sanar os problemas da comunidade, mais apenas um elemento para resolução dessas mazelas que perduram durante tantos anos a fio.
É preciso uma integração escola-biblioteca, um diálogo constante para que esse aluno, que é em outro horário usuário, seja acompanhado de perto e traduza esse apoio em resultados para sua jornada de vida, ou algo do porte de um centro cultural, para significar uma quebra de rotina, assim como uma quebra de paradigmas.
Colaborou: José Roberto Cotrim.
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