A eleição para a escolha do novo ocupante da Cadeira de número 5 da Academia Brasileira de Letras (ABL), vaga desde o falecimento do historiador José Murilo de Carvalho em agosto passado, está marcada para o dia 05 de outubro. O pleito conta até o momento com um total de 15 inscritos, conforme divulgado no Boletim nº 30 da ABL. Pela primeira vez, há dois indígenas entre os concorrentes, são eles: o poeta, escritor mineiro Ailton Krenak, 69 anos e o também escritor, ativista e ator paraense Daniel Munduruku, 59 anos.
Atuando na novela “Terra e Paixão”, interpretando o pajé Jurecê Guató, Munduruku está concorrendo a uma Cadeira na ABL pela segunda vez. Em 2021, ele se candidatou para ocupar à Cadeira 12 da Academia e conseguiu um total de 09 votos, mas acabou perdendo a disputa para o neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho que angariou 25 votos. Na época, a candidatura de Munduruku contou com uma mobilização de mais de 100 autores brasileiros, sendo defendida por meio de uma carta de apoio assinada por nomes como Chico Buarque, Ligia Bojunga e o concorrente atual, Ailton Krenak.
No último dia 25 de setembro, uma polêmica veio à tona quando Daniel Munduruku disse à Folha de São Paulo que Krenak “puxou seu tapete”. Segundo Munduruku havia um combinado de que ele e seu colega não se enfrentariam na disputa pela vaga no time dos imortais da ABL: “Tinha um combinado nosso de que se fosse para ter um de nós na ABL, esse alguém seria eu”. Ao mesmo jornal, Ailton Krenak respondeu afirmando que nunca fez nenhum tipo de trato: “Nunca falei com ele sobre Academia Brasileira de Letras. Nunca reivindiquei nada, nunca fiz acordo para nada. Não faço campanha nenhuma”.
Escritores indígenas manifestam apoio à candidatura de Daniel Munduruku
Kaká Werá, escritor, ambientalista, tradutor, descendente do povo tapuia e fundador do Instituto Arapoty. É um dos pioneiros da literatura indígena no país que hoje conta com um total de 105 escritores. Como um dos curadores da exposição “Araetá: a Literatura dos Povos Originários”, em cartaz até 17 de março de 2024 no SESC Ipiranga, Kaká procura divulgar e homenagear as contribuições dos autores indígenas, além disso, a exposição apresenta a Biblioteca Araetá, um trabalho de pesquisa e catalogação que permite ao público explorar o acervo.
Kaká Werá defende a candidatura de Daniel Munduruku e destaca que ter um representante indígena na ABL amplia a sociedade, com o reconhecimento de toda uma ancestralidade que sustenta culturas milenares, que lutam por reconhecimento.
“Eu apoio à candidatura de Daniel porque além de pioneiro, ele é um produtor incansável do objeto livro e de conteúdos premiados com os mais preciosos prêmios da área. Além disso, sem a ação fomentadora do Daniel hoje não seriamos tantos escrevendo e nem tão pouco reconhecidos. Ele reúne engajamento e qualidade no que faz”. (Kaká Werá).
Outro importante expoente da literatura indígena é Ademário Souza Ribeiro, poeta e pedagogo do povo Payayá. Ademário teve seu primeiro contato com a literatura indígena em 1974, sob a orientação da diretora de teatro, dramaturga e atriz, Jurema Penna. Escreveu coletivamente uma peça teatral, depois disso não parou mais de escrever peças e também poemas. “Oré-Îandé (nós sem vocês – nós com vocês) ” é um livro escrito por Ademário nas línguas Indígenas: Guarani, Kiriri, Patxohã e Tupi, traduzidas para a língua Portuguesa. O título, convida o leitor a refletir sobre os pronomes pessoais oré e îandé da 1ª pessoa do plural das línguas Guarani e Tupi/Tupinambá.
Para Ademário Ribeiro, a importância de ter uma indígena ocupando uma cadeira na ABL, é uma forma de romper a invibilização, apagamento e silenciamento dos povos originários. Além de manter o rico patrimônio cultural, com suas cosmogonias, pedagogias, medicinas, arquiteturas, filosofias que sustentam as práticas do bem viver:
“Eu apoio à candidatura de Daniel Munduruku porque é um notável autor de 62 títulos literários e sem vaidade e egoísmo. É um incansável compartilhador de conhecimentos que indica, retroalimenta à cada um de nós a trilhar um caminho com menos pedras assimétricas. Ele não se fecha no seu sucesso literário, acadêmico e televisivo. É um incansável militante que quer caminhar com todos, além de ser um defensor da sustentabilidade do meio social e ambiental”. (Ademário Ribeiro).
Jaime Diakara, pedagogo, escritor, ilustrador e doutor em Antropologia é representante três povos do Igarapé Cucura e conhecedor da cultura indígena Dêsana. Junto com Daniel Munduruku publicou em 2016 o livro “Wahtirã: a lagoa dos mortos”. A obra ganhou Menção Honrosa no 10º Concurso Tamoios de Textos de Escritores Indígenas criado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) em parceria com o Instituto UKA, Casa dos Saberes Ancestrais.
Diakara afirma que as duas candidaturas para ABL são importantes porque se tratam de duas personalidades renomadas e lideranças conhecidas internacionalmente. Para ele, Daniel Munduruku é o que tem mais possibilidades de destacar a literatura indígena na ABL através de sua produção e repertório.
“Daniel Munduruku é um dos grandes heróis culturais da literatura indígena. Considero ele um vovô de literatura indígena do Estado brasileiro porque tem mais publicações, linguagens literárias, viaja neste corpo de literatura que representa os povos indígenas com obras trabalhadas em escolas. Nessa perspectiva diria que o Daniel seria uma das personalidades cósmicas de um grupo que envolve sociólogos, advogados e demais acadêmicos. Ele seria um dos pilares ancestrais para ocupar uma cadeira da ABL”. (Jaime Diakara).
Tiago Hakiy é poeta, escritor e contador de histórias tradicionais indígenas. Bibliotecário formado pela Universidade Federal do Amazonas, é autor de vários livros voltados para o público infantil como: CurumimZice (Leya) e Guaynê derrota a cobra grande (Autêntica). Em 2012, foi vencedor do Concurso Tamoios de Textos de Escritores Indígenas. Hakiy acredita que se faz necessária a presença de um indígena dentro da ABL. Segundo ele, nas disputas às polêmicas são vigentes e muitas das vezes acabam sendo necessárias. Reconhece a importância de Krenak na luta e direitos dos povos indígenas, mas afirma seu apoio à candidatura de Munduruku pelo engajamento e pelo que tem feito em prol da literatura indígena.
“Nada mais justo que Daniel Munduruku seja o representante indígena na ABL, uma vez que além de iniciar o movimento de literatura indígena no Brasil, ele é um formador de opinião, pesquisador e com obras premiadas. A presença dele dentro da ABL cumpre um resgate de toda cultura e tradição do povo brasileiro no ambiente acadêmico das letras”. (Tiago Hakiy).
Yaguarê Yamã, escritor, professor, geógrafo, artista plástico, líder indígena e autor de mais de 30 livros infantis, entre eles: “Os olhos do jaguar”, publicado pela editora Jujuba e com ilustrações de Rosinha. A respeito da polêmica envolvendo as candidaturas de Krenak e Munduruku, Yaguarê destaca que brigar neste momento não interessa ao movimento e a luta pela primeira cadeira indígena na ABL. Para ele, isso tudo beneficia quem não quer um indígena no time dos imortais da Academia.
“Hoje a literatura indígena tem vez na sociedade e é muito requisitada. Somos escritores de muita procura e isso mostra o quanto as pessoas e os leitores veem nós, algo ligado a uma chance para que o brasileiro conheça o Brasil verdadeiramente. Apoio à candidatura de Daniel Munduruku por ele representar tudo o que temos agora em questão de conquistas no movimento da literatura indígena, eu apoio e incentivo. Daniel foi o grande organizador do movimento da literatura indígena e isso é uma questão de reconhecimento e de justiça”. (Yaguarê Yamã).
A eleição para cadeira número 5 da ABL acontece na próxima quinta-feira, 05 de outubro. Marcada pela polarização entre dois candidatos indígenas promete ser uma das mais disputadas da história. Torcemos para que a desavença pública não mude o rumo ou influencie no resultado da eleição. É imprescindível que um representante indígena seja eleito para integrar o grupo seleto da ABL. Como muito bem escreveu Caetano Veloso nos versos da canção, “Um índio”:
“Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul
Na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”Virá
Impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi
Tranquilo e infalível como Bruce Lee
Virá que eu vi
O axé do afoxé Filhos de Gandhi
Virá…”
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