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Entre a ilusão e a omissão

Paulo Guedes, ministro da Economia. Foto: divulgação

A carta aberta ao Ministro Paulo Guedes

No dia 10 de agosto, através de seu presidente, Dr. Marcos Luiz Cavalcanti de Miranda, o Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB) tornou pública em suas redes uma carta endereçada ao ministro da Economia Paulo Guedes. Neste documento, o CFB afirma que “em sua missão de defender os direitos de acesso à informação, à educação e à cultura” foi surpreendido com a proposta de taxação de livros em até 12% como parte das medidas da reforma tributária apresentada por Guedes no dia 5 de agosto em audiência na Comissão Mista da Reforma Tributária”.

Ora, não precisaremos aqui nos deter sobre o duro golpe que essa medida dará no mercado editorial brasileiro, problema este já muito bem abordado em artigo de Walter Porto na Folha de São Paulo e também por Luis Schwarcz em artigo publicado no mesmo jornal. Nos deteremos muito mais em analisar o que efetivamente diz a carta aberta do CFB e em como as reivindicações apresentadas pela entidade brilham aos olhos em um primeiro momento, mas mostram-se completamente descoladas da realidade numa segunda análise.

Um dos primeiros comentários da carta é feito em relação à proposta de Paulo Guedes de, em razão da taxação dos livros, passar a distribuir livros aos mais pobres, proposta esta tida como “fascinante” pelo CFB. Mas que tipo de livro será distribuído e sob quais critérios? Ao longo de nossa graduação em biblioteconomia, percebemos como um estudo sobre as práticas informacionais de determinado grupo devem ser levados em consideração para que um acervo seja formado, atendendo de forma mais qualificada seus usuários.

Não é isso que sinaliza o CFB, que complementa a proposta de doação de livros com a reivindicação de um “amplo conjunto de medidas em prol das bibliotecas”, mais tarde qualificadas como públicas e escolares. Sabemos que no Brasil há um grande vácuo de políticas públicas voltadas especialmente a estas bibliotecas. As bibliotecas escolares em especial poderiam ser atendidas pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), projeto que o próprio governo Bolsonaro travou batalha para desidratar.

A carta segue afirmando como o governo Bolsonaro tem ignorado quaisquer ações voltadas para bibliotecas, inclusive deixando o Departamento do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) abandonado e sem gestão desde 2019. Após falar um pouco sobre a importância dos bibliotecários e bibliotecárias no processo de acesso à informação, a carta chega no seu ponto central: a transformação da proposta de distribuição gratuita de livros em “políticas públicas tributárias que fortaleçam as bibliotecas públicas e escolares”, possibilitando o “barateamento de seus acervos, equipamentos tecnológicos e instalações”.

O que é e o que representa o governo de Bolsonaro e Mourão

Para analisar a carta apresentada pelo CFB, precisamos antes de tudo recordar alguns pontos relativos ao governo Bolsonaro. Poucos dias antes do lançamento da carta, o Brasil atingia a terrível marca de 100 mil mortos pela pandemia de Covid-19, enquanto o presidente afirmava que deveríamos simplesmente “tocar a vida”. O mesmo que nos diz para “tocar a vida” é quem, através de seu ministro da Economia, o sr. Paulo Guedes (hoje tão preocupado em doar livros aos pobres), propunha apenas R$ 200 reais como auxílio emergencial às famílias brasileiras que sofriam e sofrem com o desemprego nesta pandemia, sendo obrigado pelo Congresso a pagar R$ 600 reais. O mesmo governo hoje propõe diminuir pela metade o auxílio, enquanto perdoa dívidas bilionárias de grandes empresas e do agronegócio.

Para focar apenas na Cultura, não é preciso ir muito longe para lembrar que Bolsonaro destruiu o Ministério da Cultura, transformando-o numa secretaria dentro do Ministério do Turismo. Secretaria esta que teve à frente figuras como Roberto Alvim, com apologias ao nazismo, e Regina Duarte, que entre as poucas ou inexistentes coisas que fez, destacou-se por minimizar a ditadura militar, afirmando que “sempre houve tortura”.

Quem não lembra quando, na ocasião do incêndio que destruiu o Museu Nacional, em 2018, questionado sobre suas medidas para a preservação do patrimônio histórico nacional, Bolsonaro diz “Já está feito, já pegou fogo, quer que eu faça o quê?” ou mesmo quando mandou desmontar a biblioteca do Palácio do Planalto para construir um escritório para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Por fim, podemos ressaltar o que afirma o próprio CFB: Bolsonaro não dá a menor atenção ao DLLLB e às políticas públicas culturais voltadas ao livro e à biblioteca.

CFB mira em políticas públicas, mas acerta em omissão

Feito esse pequeno resgate sobre a atuação do governo federal em relação à Cultura, como podemos sequer imaginar que este mesmo governo será o responsável por incentivar a leitura e o uso das bibliotecas? Como podemos acreditar que o ultraliberal Paulo Guedes e suas políticas anti-trabalhadores serão responsáveis por oferecer livros “de graça” para quem não tem condição de comprá-los? Como pode o CFB acreditar que é possível construir uma política cultural voltada para o fortalecimento das bibliotecas sem, no entanto, se mobilizar pela rejeição de toda a reforma tributária, que deixa livres de taxação grandes fortunas, mas não livros.

No início de sua carta, o próprio CFB afirma que sua missão é defender o acesso livre à informação, mas por não se posicionar diametralmente contra a reforma tributária e a taxação de livros contribui justamente com o projeto que busca limitar esse este direito e aprofundar ainda mais as desigualdades no acesso à cultura escrita em nosso país. Por mais que se ofereçam incentivos financeiros às bibliotecas (o que por si só já é extremamente improvável neste governo), estas vão na realidade perder seu poder de renovação de acervo, uma vez que os livros terão aumento considerável de preço. E veja que não estou nem citando aquelas que já não possuem a menor condição de renovar seu acervo através de compras de livros novos.

A categoria e suas entidades representativas e associativas precisam sim lutar em busca de melhores condições de trabalho e em favor das bibliotecas públicas e escolares de todo o Brasil, mas é preciso compreender que essa luta passa pela resistência a políticas de cunho neoliberal, que na prática desmantelam as entidades públicas (bibliotecas inclusas) em favor de grandes empresas através de privatizações e leis que favorecem o capital privado.

É preciso ler a carta aberta do CFB, mas para percebemos qual posição não podemos adotar. Não podemos ser cúmplices deste projeto de destruição não só da cultura, como também dos mais diversos direitos conquistados por trabalhadores e trabalhadoras em nosso país. Sejamos contra a taxação dos livros, contra a reforma tributária! Defenda o livro e seu livre acesso!

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