A Associação de Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (AdUFRJ) publicou (28) ontem uma nota de repúdio à nomeação de Letícia Dornelles para a presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), instituição vinculada ao Ministério da Cidadania, localizada no Rio de Janeiro.
“A AdUFRJ repudia de forma veemente a instrumentalização político-ideológica que estão sofrendo as instituições brasileiras, em particular as instituições de ensino e pesquisa, cuja comunidade vem sendo emudecida nos processos de escolha de seus dirigentes.
Para a AdUFRJ, a nomeação de Dornelles, que não tem nenhuma experiência de pesquisa acadêmica, representa grave ruptura institucional, que viola princípios básicos de respeitabilidade e convivência democrática entre as instituições.
De acordo com a nota, a Fundação sempre contou entre seus presidentes com nomes que se destacaram por uma vida dedicada aos livros, aos estudos e de sólida formação acadêmica. “Além do cuidado com seus acervos, a FCRB é reconhecida por produzir e incentivar os estudos filológicos, literários, de história cultural e de ciência política”, diz.
Tal indicação, segundo a imprensa, teria partido do deputado e pastor Marcos Feliciano, contrariando a decisão do corpo social da instituição, que escolheu Raquel Valença, uma servidora de carreira, com 30 anos de dedicação à Casa.
Dornelles é jornalista tendo passado pelo Fantástico e Globo Esporte da Rede Globo, além de Esporte Total da Band. Mais recentemente passou a se dedicar à escrita de roteiros de novelas, acumulando passagens pela TV Record e SBT.
Em entrevista ao jornal O Globo no último sábado (26), ao ser questionada sobre o que planejava fazer em felação à programação da Casa, disse que quer que a instituição “não seja vista só com um jardim em Botafogo onde se leva as crianças para passear”, acrescentando quer “levar gente interessante para falar de moda, de como a moda influencia a literatura”.
A Biblioo procurou o Ministério da Cidadania para comentar a posição dos docentes, mas até o fechamento dessa reportagem não tínhamos tido resposta.
Veja abaixo a íntegra da nota da AdUFRJ:
“A comunidade acadêmica foi surpreendida pela nomeação de Letícia Dornelles para ocupar o cargo de presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa. A entrevista com a nomeada, publicada neste domingo (27 de outubro) num jornal de grande circulação nacional, dá a exata dimensão do risco que a instituição corre. Guardiã de um importante acervo, de enorme relevância para a memória do país, a Fundação sempre contou entre seus diversos presidentes, com nomes que, em primeiro lugar, se destacavam por uma vida dedicada aos livros, aos estudos e de sólida formação acadêmica. Além do cuidado com seus acervos, a FCRB é reconhecida por produzir e incentivar os estudos filológicos, literários, de história cultural e de ciência política. A equipe de pesquisadores da instituição se dedica também à produção de conhecimento nas áreas de patrimônio documental e arquitetônico, abrangendo museologia, preservação arquitetônica, preservação e conservação de documentos e ciência da informação, incluindo arquivologia e biblioteconomia.
O descaso com a produção acadêmica e científica brasileira vem alcançando patamares inaceitáveis. Fruto de uma política de desrespeito sistemático à competência técnica para gerir órgãos de controle ambiental, em poucos meses, temos visto desastres naturais de grandes proporções, provocados pela ambição desmedida e pela ausência de qualquer monitoramento eficiente dos órgãos competentes, impondo perdas irrecuperáveis ao nosso vasto patrimônio ecológico. Não podemos permitir que a mesma irresponsabilidade continue a prosperar, devastando nosso patrimônio artístico-cultural. Se a proposta é popularizar o espaço, dar mais visibilidade e aproximá-lo da população, a pessoa indicada, ao invés da presidência poderia, quem sabe, dar sua contribuição numa assessoria de comunicação, mas jamais assumir a responsabilidade de conduzir uma instituição com o grau de complexidade que esta exige.
A ADUFRJ repudia de forma veemente a instrumentalização político-ideológica que estão sofrendo as instituições brasileiras, em particular as instituições de ensino e pesquisa, cuja comunidade vem sendo emudecida nos processos de escolha de seus dirigentes. Trata-se de grave ruptura institucional, que viola princípios básicos de respeitabilidade e convivência democrática entre as instituições, e que se aprofunda a cada nomeação intempestiva e despropositada.
Por isso, nos dirigimos à sociedade, conclamando a todos para que possamos dar forma clara e justa ao nosso descontentamento. Queremos que este seja não apenas um grito de alerta, mas sim um gesto forte o suficiente para que possamos dar um basta ao desmonte e à destruição das instituições e da pesquisa no Brasil.
Associação de Docentes da UFRJ, 27 de outubro de 2019″
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