Eu estou com o pé nessa estrada há uns 23 anos, mas trago neste texto o período correspondente a 15 anos. Já conto o porquê.
Em 2015 fui convidada a participar de um painel na Feira do Livro no Chile denominada Jornadas Professionales – “Bibliotecas públicas, colegios y familias: Un trio abierto a la comunidad”. Lá apresentei a jornada de advocacy que implementei por 15 anos enquanto estive como diretora de educação no Instituto Ecofuturo[1].
Outro dia o texto que baseou minha apresentação me encontrou. Já deve ter acontecido com você que, como eu, mantém no HD do note alguns arquivos que são de estimação. Caso deste. Li e ele me convenceu. De novo. Não modifiquei o texto, deixei como foi apresentado e incluí hiperlinks e referências que atualizam os fatos que mencionei à época. Imagino que, como foi para mim, será uma viagem no túnel do tempo com direito a rever o que já esteve no ar como política pública e não está mais, o atraso no cumprimento de lei promulgada e projeto de lei que modifica e posterga sua execução que ainda está em tramitação há mais de 2 anos, dados de pesquisa, publicações de referência, entre outras.
Eu espero que também concorde que esta é uma história que faz sentido ser compartilhada e faz sentido pra você, porque contribui com as suas reflexões. Porque pode apoiar, de alguma forma, o pensar e o fazer de quem, como eu, não desistirá até que neste país existam todos os recursos necessários para que deixemos de ser estatística ruim de letramento em todas as suas tantas camadas para sermos uma nação que assegura o letramento pleno, base para uma cidadania plena e planetária.
Acredite, não é uma narrativa egotrip (mas se achar que estou errada, me diz). E também não é uma narrativa que dê conta de tudo. Há muito mais a dizer sobre tantos acontecimentos, sobre os bastidores, sobre tanta gente que esteve envolvida e às quais sou imensamente grata, até àquelas que colocaram em teste a nossas convicções e tenacidade. Seguimos, porque retornar nunca foi uma opção. Como não é hoje.
Vamos à Jornada!!
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Onde tudo começa
Nasci e moro no Brasil. Digo assim por que entendo que minha cidadania, nossa cidadania, é planetária. Somos inquilinas(os) de um mesmo condomínio, o planeta Terra, e devemos aprender e educar sobre como habitar este lugar com o cuidado necessário para assegurar a integridade, a qualidade e o cuidado de todas as vidas.
Acredito que este é o nosso compromisso, que é para esta finalidade que tanto estudamos, debatemos, compartilhamos experiências e estamos aqui hoje: desempenhar adequadamente nosso papel como educadoras(es), como articuladoras(es) pela plena inclusão na cultura escrita. Tudo para que possamos, um dia, finalmente, atuar de forma consciente e cuidadosamente competente em prol de nossa humanidade comum. Eu gostaria que esta virada ocorresse antes que Marte tenha se tornado um novo condomínio para a raça humana, que tem devorado este planeta com implacável ferocidade e voracidade.
Quero ler algo para vocês: “A cada trinta anos, desponta no mundo uma nova geração, pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios, de modo sumário e apressado, depois querem ser mais espertas do que todo o passado. É com esse objetivo que tal geração frequenta a universidade e se aferra aos livros, sempre os mais recentes, os de sua época e próprios para sua idade. Só o que é breve e novo! Assim como é nova a geração, que logo passa a emitir seus juízos”[2]. É de Schopenhauer, escrito na primeira metade do século 19!! Então parece que formar boas(bons) leitoras(es) é, de fato, um desafio civilizatório, que neste século, hoje, ganha novas proporções em função de contextos que envolvem o valor superficial conferido à leitura e escrita, limitadas à uma função estrita e restrita a dar conta do imediatismo e do cotidiano, sem espaço para uma educação para o aprofundamento de pesquisas e reflexões que são tão urgentes quanto complexas e envolvem as múltiplas camadas da vida e do viver humano[3]. Vivemos tempos em que nos contentamos com as superficialidades que trafegam pelas redes digitais, informações prêt-à-porter consumidas vorazmente e sem reflexão, sem aprofundamento. Há muita pressa, muita coisa a qual dedicar atenção, menos tempo e disponibilidade para aprender a aprender. Para aprender a ler e gostar de ler. Falo aqui de um gostar que emerge de uma longa jornada de leituras, que se torna um comportamento de indagação sobre a vida, um compromisso estabelecido com a busca incessante pelo conhecimento e pela fruição.
Semana passada estava numa fila para pagar um livro e ouvi o seguinte diálogo entre duas mulheres: uma disse, “e agora, o que eu faço? Peço desculpas?”. A outra disse: “claro!”. Então a primeira perguntou: “mas como?””, ao que a amiga respondeu: “Ah! Faz pelo WhatsApp mesmo, todo mundo só fala pelo WhatsApp. Coloca lá uns emojis de coraçãozinho e tudo bem!”. Então, como promover leitura, a leitura formativa, numa sociedade que acha suficiente se comunicar por emojis? Coraçãozinho, joaninha, carinha feliz e triste?
Vivemos tempos desafiadores e educar para a leitura, em especial para a leitura formativa e literária, é um deles. Um grande! Como diz Antônio Candido no clássico “Direito à Literatura”, “todos sabemos que a nossa época é profundamente bárbara, embora se trate de uma barbárie ligada ao máximo de civilização”[4]. Alguns exemplos: como educar nossas crianças e jovens sobre preservação e conservação ambiental num mundo pautado pelo consumo desmedido e excessivo comprometimento cotidiano de recursos naturais? Quando olham em volta e são bombardeados pela mídia e pelos atuais costumes de que ter é mais importante do que ser? Como praticar alimentação saudável e solucionar o drama da obesidade e diabete infantil quando o dia a dia das famílias está pautado na oferta de junk food[5]? Como educar para a generosidade, empatia e apreciação da diversidade da vida num mundo onde as guerras ocorrem em cada esquina, de cada rua, de cada país e atende pelos nomes de racismo, preconceito, transfobia, homofobia, misoginia?
Como diz o professor e filósofo espanhol Fernando Savater, nós nos tornamos humanos por convívio e contato cotidiano com seres humanos: “A criança passa por duas gestações: a primeira no útero materno segundo determinantes biológicos, a segunda na matriz social em que se cria, submetida a determinações simbólicas variadíssimas – a primeira de todas sendo a linguagem – e a usos rituais e técnicos próprios de sua cultura. A possibilidade de ser humano só se realiza efetivamente por meio dos outros, dos semelhantes, ou seja, daqueles com os quais a criança, em seguida, fará todo o possível para se parecer”[6]. O mesmo ocorre com a inclusão na cultura escrita, com a leitura. Não nascemos sabendo e nem gostando de ler. Portanto, entendo que para pensar estratégias eficazes de promoção de leitura, envolvendo família, estado, escolas, bibliotecas, iniciativa privada, sociedade é imprescindível fazer esta análise de contexto, para que sejamos capazes de empreender as estratégias necessárias.
No mundo em que vivemos, levar a ler é uma ação política.
O Brasil é um país de proporções continentais. Com déficits idem. Eu não trouxe dados sobre letramento ou hábitos de leitura no Brasil, porque são facilmente encontrados na internet. Quase sempre apontam o que não temos e o que não somos. Penso que devemos falar sobre o que está por detrás das estatísticas, que são pessoas, e sobre projetos, possibilidades, cooperações. Entendo que esta foi a motivação para me convidarem para estar aqui hoje. Falemos sobre o que é potente e está em campo. Sobre o que posso falar porque tem sido o meu trabalho.
A experiência sobre a qual falarei ocorreu no âmbito do PROGRAMA LER É PRECISO, desenvolvido por mim no Instituto Ecofuturo, uma organização não governamental da qual fui coidealizadora, criada e mantida por uma empresa, a Suzano. Sua missão é contribuir para a expansão da consciência socioambiental, por meio do compartilhamento de conhecimentos e práticas de cuidado. Para mim, para nós, desde sempre esteve claro que o pleno acesso à cultura escrita é condição sine qua non para alcançar esta missão[7]. Para melhor me expressar faço uso das palavras do professor Luiz Percival Leme Brito, grande parceiro de jornada: “O ambiente é humano, porque é a gente que faz o ambiente. E o mundo que a gente quer pode ser o mundo que a gente decidir fazer: e isso significa gente que pensa, cria e estuda. A educação é a possibilidade da consciência de que a vida se faz na história humana e essa história é também uma história de fazer a natureza além de simples coisa. O natural, desprendido do humano, não é mais que matéria. A ação humana deletéria, em grande parte fruto da ganância e da forma como se exerce o poder, destrói pessoas e lugares, destrói a possibilidade de sonharmos e fazermos lugares em que as pessoas vivam e sejam o que podem e querem ser. A leitura, em especial a leitura literária, é uma forma de conhecimento do mundo, das coisas e das gentes, uma forma de fazer a natureza uma natureza humana”.
Trata-se de uma experiência realizada ao longo de 15 anos a partir de muita escuta, muita leitura, muito diálogo, muita cooperação, de muito pé no chão nos municípios brasileiros, de muita cooperação com diversos atores da sociedade. Um trabalho de aproximação do olhar e do fazer e depois de expansão da ação; do local ao nacional. Que agora tenho a honra de apresentar aqui, no Chile, para vocês.
O nome do Programa é Ler é Preciso[8], inspirado no “navegar é preciso” de Fernando Pessoa e na proximidade dos 500 anos de “descobrimento” do Brasil, estávamos em 1999 quando foi lançado. O projeto inicial foi a biblioteca aberta à comunidade, pensada como uma ação integrada a uma ideia ampla relacionada ao resgate da cidadania rural no Vale do Paraíba. Ou seja, foi pensada para integrar um propósito relacionado ao desenvolvimento humano, econômico e social. Com o decorrer do trabalho e aprofundamento do aprendizado, outros projetos se somaram de forma integrada e orgânica, tornando-se, de certa forma, um sistema de retroalimentação. Vamos a eles:
O Concurso de Redação Ler é Preciso, realizado em âmbito nacional ao longo de dez anos, convidava à leitura e à escrita professoras(es) e estudantes de escolas públicas e privadas da educação básica e Educação de Jovens e Adultos, inclusive em ambientes de contenção, como presídios e a Fundação Casa (antiga Febem). Tinha por objetivo compartilhar conhecimentos e saber de fonte direta o que pensavam e queriam a atual geração com relação aos cuidados com a vida. O tema de cada edição dialogava com a anterior, puxando assim uma espécie de roda de conversa à distância numa rede sempre ampliada de educadoras(es) e estudantes Brasil adentro. Todas as publicações desenvolvidas, incluindo os livros com as redações premiadas, continuam disponíveis – e atuais – na Biblioteca Virtual do Ecofuturo. Vale muito a leitura! O livro da última edição é o “Cuido logo Existo, a Gramática de Cuidados”, onde cada texto vem acompanhado de uma ideia gramatical que, por sua vez, está relacionada à gramática do cuidado.
O Prêmio Ecofuturo de Educação para a Sustentabilidade, dirigido a professoras(es) da educação básica, instigava pensar ecologia e direitos humanos no chão em que se pisa, no chão da escola, a partir de vivências, percepções e experiências orgânicas, mobilizando leituras de literatura para promover uma educação humanista, ecológica, plena de sentido, para além dos marcos legais e regulatórios. A terceira e última edição trouxe o tema “Rio 92 e eu com isso?”. A ideia foi levar quem educa a pensar com sua turma sobre qual seria o evento +20 possível no seu pedaço de mundo, trazendo o “ambiente” para dentro, para uma reflexão também introspectiva, pois não há mundo bom possível se as pessoas são vítimas de preconceito, racismo, discriminação. Para cultivar o ambiente externo a nós é necessário cuidar de cada qual. O ambiente é inteiro! As publicações com os projetos vencedores estão nas três edições da série “Saber Cuidar”, também disponíveis para leitura na biblioteca virtual do Ecofuturo.
O projeto Biblioteca Comunitária Ler é Preciso[9], sobre o qual falarei com mais detalhamento, promove amplo engajamento desde o princípio, demonstrando de forma concreta que a leitura não tem um fim em si mesma. Ela é base para acessar e partilhar conhecimento intelectual e sensível, ciência e poesia, para ousar vida íntegra e de qualidade para todas as vidas. Daí nosso compromisso em demandar insistentemente por políticas públicas e sociais para a garantia de um direito fundamental: o direito à cultura escrita, aos livros e às leituras. Foram implantadas 107 bibliotecas em 12 estados brasileiros, sendo: 1 em penitenciária[10], 1 em aldeia indígena e 1 em assentamento. Juntas somam 600 mil atendimentos e 210 mil empréstimos de livro, por ano. Na média atendem 500 pessoas por mês – embora exista uma ou outra que atende mais, muito mais, como é o caso de uma biblioteca na zona rural do Maranhão que atende 6 mil por mês.
O projeto é realizado em parceria com a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), seção brasileira do International Board on Books for Young People – IBBY, e depende de recursos financeiros da iniciativa privada e do poder público local, uma vez que a biblioteca deve ser incorporada como política pública. Todo o processo leva em média 1 ano, 1 ano e meio.
São várias etapas, à distância e presencial, que nasce a partir de um mapeamento sobre o cenário local de políticas públicas e comunitárias de leitura e biblioteca, visando potencializar e integrar as ações em rede.
A prefeitura é responsável pela cessão, construção e reforma do local que abrigará a biblioteca, pela contratação e remuneração das(os) profissionais formadas(os) nos cursos oferecidos pelo projeto e por sua manutenção, incluindo renovação de acervo.
A presença da iniciativa privada, para além do financiamento inicial do projeto, tem um papel fundamental, seja porque é um importante interlocutor pela presença que tem na economia local, seja porque incorpora a causa da promoção da leitura em sua missão de responsabilidade socioambiental. A empresa patrocinadora destaca um(a) de seus(suas) profissionais para acompanhar a realização do projeto, uma vez que este trabalhador(a) é também um(a) cidadão(ã) local e, como tal, tem um importante papel a desempenhar na promoção da educação e cultura local.
A participação da comunidade é imprescindível e ocorre desde o princípio, envolvendo lideranças comunitárias, religiosas, educadoras(es), pequenas(os) empresárias(os) locais, jovens, mães, pais, entre outros. Um grupo de trabalho, constituído por integrantes da população local, acompanha todo o processo, exercendo controle social junto ao poder público local. Essa rede constituída cuida para que as etapas de execução sejam cumpridas e buscar soluções em casos diante dos desafios que surgem, sempre envolvendo, quando necessário, as(os) gestoras(es) públicos responsáveis e o Ecofuturo.
O nome da biblioteca é uma escolha da comunidade, que normalmente presta homenagem a um(a) educador(a) local. A inauguração da biblioteca é uma grande festa e seu planejamento ocorre em estreita parceria entre poder público e comunidade, com apresentação da diversidade cultural local. É um momento de sagração de um direito assegurado transubstanciado na biblioteca aberta à comunidade.
A implantação da biblioteca conta com cursos de promoção de leitura e gestão de biblioteca, e deles participam cerca de 40 pessoas da comunidade: professoras(es), lideranças locais, representantes de bibliotecas comunitárias, entre outras. O acervo com livros novos é composto essencialmente de literatura, cerca de mil títulos, parte dos quais são escolhidos por cada comunidade. O propósito é demonstrar de forma prática a função social da biblioteca: oferecer leituras de qualidade e práticas leitoras diversificadas para ampliação de repertório e constituição de cultura de leitura – como diz o Prof. Luiz Percival Leme Brito, “a leitura para além do óbvio” – e também atender as demandas de leitura da comunidade, contribuindo para que esta biblioteca faça sentido e construa vínculos com a comunidade, o que é fundamental para assegurar sua sustentabilidade. Estas são etapas de responsabilidade da FNLIJ.
Focamos muito na construção de estratégias de promoção de leitura, de mobilização do acervo. Afinal, sabemos que a simples presença dos livros é insuficiente para formar leitoras(es). É preciso educar para a leitura, cotidianamente, a partir de um planejamento ajustado à disseminação da leitura literária, que atenda e vá além de demandas escolares. Algo que hoje, com a mídia de massa –TV, internet, smartphone e afins – é muito mais desafiador. Isto ocorre não por “culpa da tecnologia”, mas pelo uso superficial que se faz dela. Até para saber navegar na rede e fazer escolhas de leituras que promovam pensamento sensível e crítico, é preciso antes aprender a ser leitor(a), competente e exigente. Do tipo que não se contenta em se comunicar com emojis. Este é o nosso compromisso!
Adriana Ferrari que é bibliotecária e foi responsável pela criação da primeira biblioteca pública estadual de São Paulo, em 2012, localizada num local emblemático, onde antes estava o presídio do Carandiru, palco de uma chacina ocorrida em 1992, usa um termo que gosto muito e faz muito sentido: “bibliotecar”, para falar da importância da equipe da biblioteca conhecer e estabelecer vínculos com a comunidade do entorno como estratégia central para cumprir sua função social.
Então, é um princípio básico da biblioteca do programa Ler é Preciso estar aberta à toda a comunidade: estudantes, professoras(es) e moradoras(es) locais, de todas as faixas etárias, esteja ela numa escola ou em uma biblioteca pública. Aliás, quando a implantação da biblioteca ocorre em uma escola, há o compromisso de também atender à comunidade. Cerca de 80% das pessoas formadas pelos cursos são professoras(es). Esta é uma iniciativa pensada desde o início porque para a imensa maioria de crianças e jovens no Brasil a escola é o único, se não um importante, ambiente para acessar livros e participar de práticas sociais de leitura e os cursos oferecem às professoras(es) repertório e experiências leitoras significativas tanto para que incluam a biblioteca no projeto político pedagógico da escola quanto para que possam fortalecer sua própria formação leitora, porque também elas(eles) não tiveram acesso à cultura de leitura ao longo de suas trajetórias de vida e tampouco tiveram acesso à formação leitora nos seus cursos de graduação universitária[11]. Esta decisão também contribui para impulsionar e promover melhor uso de uma importantíssima política pública de distribuição de livros no Brasil, o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE)[12], que envia acervos de qualidade de literatura, periódicos e publicações para todas as escolas públicas do país (mais adiante vou falar de uma ação de advocacy que está na pauta do dia por meio da campanha Eu Quero Minha Biblioteca). As demais vagas são preenchidas preferencialmente por pessoas da comunidade que já realizam ações locais de promoção de leitura literária – o que é extremamente comum no Brasil, envolvendo ações de muita criatividade de pessoas que sabem bem qual o valor da leitura. Ou seja, a sociedade civil realizando ofertas de leituras devido à ausência de políticas públicas consistentes e sustentáveis.
As ações comunitárias de promoção de leitura são importantes e estratégicas[13], seja por serem gestos de generosidade significativos e contribuem para a formação cidadã, uma vez que envolvem muitos e múltiplos arranjos locais, seja porque contribuem para capilarizar ainda mais a formação leitora, mas não podem ser confundidas com políticas de estado e nem as substituir, muito embora devam ser reconhecidas, apoiadas e integradas à uma ampla rede de cooperação de bibliotecas. E isto vem ocorrendo por meio de ação governamental e da iniciativa privada, como a promovida pelo Ministério da Cultura[14], que apoiou a constituição de mais de dois mil Pontos de Leitura[15] em diversos municípios brasileiros; estes pontos e as bibliotecas comunitárias são apoiadas por meio de editais dentro do Programa Cultura Viva, reconhecendo e fortalecendo estas significativas e preciosas iniciativas da população. Para vocês terem uma ideia do esforço empreendido pelas comunidades para terem uma biblioteca, em Parelheiros, bairro de periferia em São Paulo, um grupo de jovens, com apoio do Instituto Brasileiro de Estudo e Apoio Comunitário (IBEAC), implantou uma biblioteca comunitária dentro de um cemitério, na casa do coveiro que há muito estava desabitada. Funciona há 5 anos !!![16]
Políticas públicas e ações comunitárias devem atuar de forma integrada, como um organismo vivo, atuando de forma cooperativa.
Daí a importância de existirem mecanismos de financiamento por meio de parceria público privada para garantir sua sustentabilidade no longo prazo.
No caso das bibliotecas do Programa Ler é Preciso, identificamos ao longo do tempo que a dimensão da sustentabilidade estava fragilizada e que, em muitos casos, isto ocorria devido ao desconhecimento da equipe técnica responsável pelo orçamento da prefeitura sobre como programar e acessar recursos públicos, locais e federais, e privados. Então incluímos uma nova etapa no processo de implantação, a Oficina de Gestão e Sustentabilidade[17], direcionada preferencialmente para pessoas com poder de decisão sobre alocação de recursos e implementação de políticas públicas, que são orientadas(os) sobre como acessar e gerir recursos públicos e privados que assegurem a manutenção e melhorias contínuas da Biblioteca.
A costura de parcerias intersetoriais e o engajamento da comunidade tem se mostrado fundamental para criar e fortalecer políticas de leitura, literatura e biblioteca no Brasil. Há todo um cuidadoso trabalho que deve ser planejado e realizado cotidianamente pelas bibliotecas para a formação de leitoras(es) – crianças, jovens e adultos -, envolvendo as escolas e as famílias. Mas para garantir este trabalho é imprescindível que dimensões estruturais estejam plenamente atendidas.
Para compreender as fragilidades e potencialidades do projeto desenvolvemos em 2008 a Pesquisa Indicadores de Sustentabilidade e Impacto, realizada sob a coordenação de um renomado pesquisador brasileiro, Ricardo Paes de Barros. Foi uma extensa pesquisa de campo com 54 bibliotecas, por meio da qual identificamos os Indicadores Sintéticos, ou seja, insumos que comprovadamente deveriam estar em ordem para que a biblioteca possa realizar adequadamente seu trabalho. Chegamos a seis: infraestrutura, acessibilidade, equipamentos e materiais, acervo, atividades e recursos humanos. O objetivo foi constituir materialidade para a biblioteca a partir de dados confiáveis. Pode parecer óbvio que espaços educativos devam atender determinadas especificidades, mas nem sempre o óbvio é consenso social. Já há alguns anos me perguntam se o advento da internet não tornou as bibliotecas desnecessárias. Já concedi entrevistas e escrevi alguns artigos a este respeito, que foram publicados em mídias brasileiras, onde defendo que internet é meio e não fim e a biblioteca é um espaço educativo e, como tal, tem uma função estratégica e de alto impacto, se for bem planejada.
Alguns dos achados positivos foram: PERMANÊNCIA, todas as bibliotecas continuam em pleno funcionamento mesmo anos após a inauguração (algumas já haviam completado 6 anos de funcionamento)
- Houve expansão considerável do acervo e as perdas foram mínimas
- Atividades de promoção de leitura acontecem com significativa frequência
- Grau de utilização do acervo e de frequência às bibliotecas mostrou-se elevado
Entre os desafios tem destaque: MÁ CONSERVAÇÃO do espaço físico, que em muitos casos pode ser compreendido como uma certa “naturalização”, ou seja, as casas dos moradores locais e prédios públicos como escolas apresentam má conservação;
- Melhorar a adequação dos horários de funcionamento
- Expansão do acervo com qualidade e assistência técnica
- Apoio financeiro para a compra de equipamentos eletrônicos (refrigeração e computadores)
- Promoção da qualificação continuada dos funcionários (bibliotecários e agentes de leitura)
- Maior conectividade: monitoramento e criação de uma rede para troca de experiências
Nós queríamos pesquisar o impacto da biblioteca e da leitura no desenvolvimento do protagonismo local, mas não tínhamos à época condições de atender ao pré-requisito de um modelo de pesquisa que asseguraria confiabilidade científica. Então partimos para a pesquisa com base em informações do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Comparamos o desempenho entre escolas no entorno das Bibliotecas do projeto e as demais escolas. Selecionamos dois estados, Bahia e Pernambuco, onde as bibliotecas estavam mais concentradas e constatamos resultados expressivos.
A pesquisa apontou que, entre 2000 e 2005, houve redução da taxa de abandono e ampliação da taxa de aprovação escolar. A taxa de abandono escolar em instituições públicas de ensino próximas das Bibliotecas, quando consideradas as diferenças socioeconômicas das localidades, diminuiu três pontos percentuais a mais do que em escolas que não estavam próximas das Bibliotecas Comunitárias Ler é Preciso. Isso significa que o programa potencializou em 46% o progresso natural desse índice nas regiões de impacto do projeto. Com relação às taxas de aprovação escolar, os números são ainda mais expressivos. Escolas no entorno das Bibliotecas do projeto registraram uma elevação de 6,1 pontos percentuais nesta taxa, na comparação com as demais escolas, o que elevou em 156% o progresso natural que essas instituições de ensino teriam se não tivessem sido beneficiadas pelo projeto.
Ambas as pesquisas contribuíram para a realização de diversos ajustes no projeto, como a criação do Prêmio Ecofuturo de Bibliotecas, cujo objetivo é compartilhar informações de referência para o bom desempenho da biblioteca, reconhecer e premiar os melhores planejamentos de promoção de leitura.
Identificamos que apesar de todas as referências partilhadas ao longo do processo de implantação das Bibliotecas, dos cursos, reforçadas na supervisão que ocorre 4 meses após a implantação, reafirmadas em todo o material de comunicação que enviamos, é bastante comum haver uma confusão entre o que é ter usuárias(os) nas bibliotecas e formar leitoras(es). É comum ocorrer uma série de ações que não são promoção de leitura, são teatro, oficinas de artesanato, fantoches, projeção de filmes etc. Ou seja, como temos uma tradição cultural muito rica, o que é fantástico como expressão da beleza da diversidade cultural, mas não temos uma formação leitora de base, somos muito mais orais, é comum haver essa confusão, de que a boa biblioteca é a biblioteca cheia de gente, não importando se estão promovendo leituras e formando leitoras(es); se estamos promovendo leituras diversificadas ou oferecendo mais do mesmo.
No Brasil é muito comum acreditar que outras ofertas culturais, como teatro, cinema ou música, devem estar em campo nas bibliotecas para levar a ler, numa clara demonstração de que não há confiança na potência do texto escrito. É muito, muito curioso!!!!
O Prêmio Ecofuturo de Biblioteca, realizado há seis anos, tem esse objetivo: educar pelo exemplo, pela partilha. A convicção é de que há muita força em comunicar planejamentos de leitura realizados pelas equipes das próprias bibliotecas, pois assim a rede vê o que cada qual está realizando em seu município. Desta forma deixa de ser uma orientação transmitida por alguém a partir de uma dada localidade, no caso São Paulo, para ser uma ideia exitosa abraçada por diversas comunidades Brasil adentro. Intercâmbio, reconhecimento e premiação constituem o tripé desta iniciativa.
Temos o objetivo de implantar um Sistema de Monitoramento Remoto, construído a partir dos indicadores e aprendizados das pesquisas. O propósito é construir cultura de planejamento e avaliação entre a Rede de Bibliotecas do Programa Ler é Preciso, incentivando ainda mais as trocas e o sentimento de pertencer a uma rede, buscando evitar retrocessos e apoiar avanços sistemáticos das ações de promoção de leitura por meio das bibliotecas.
A palavra tecendo redes de apoio para a jornada
Ao longo dos muitos anos de trabalho identificamos a importância em compartilhar conteúdos de referência sobre promoção de leitura e passamos a organizar e editar várias publicações. Assim, produzimos e distribuímos por meio de parceria com revistas milhares de Passaportes da Leitura e Escrita – com dicas sobre a importância e como ofertar leitura de literatura desde a primeira infância -, destinado a educadoras(es) e famílias, Roteiro de Leitura Pública – com dicas sobre como se preparar e organizar leituras dentro das bibliotecas e lugares públicos; foram enviados às bibliotecas e escolas, o livreto “`Pra que serve a literatura” – com textos de renomadas(os) autoras(es) e pesquisadoras(es) – para educadoras(es), profissionais de bibliotecas, organizações não governamentais, – Leituras da Natureza – demonstrando a estreita relação entre literatura e ecologia -, Confiar no texto, Habitar os livros, que narra a potência dos livros a partir das diversas situações de ofertas de leituras de literatura realizadas pelas bibliotecas comunitárias Ler é Preciso, e outros mais, todos disponíveis para download gratuito na Biblioteca Virtual do Ecofuturo.
Em 2006, observando a ausência de referências na sociedade brasileira sobre a importância de educar para a leitura desde a primeira infância – era e em alguma medida ainda é um certo consenso de que é apenas na escola que se aprende a ler -, desenvolvemos uma campanha para chamar a atenção da sociedade chamada Primavera da Leitura – Ler é Preciso. Uma série de atividades de foram realizadas: leituras ao ar livre e oficinas de leitura para as comunidades do entorno das Bibliotecas Comunitárias com o pessoal da organização francesa La Voie des Livres, distribuição gratuita de clássicos da literatura em diversos espaços de São Paulo – Masp, Metrô, Parque do Ibirapuera etc -, entre outras.
Foi assim que surgiu o trabalho de advocacy em âmbito nacional, primeiro junto à Câmara de Deputados do estado de São Paulo e depois no Senado, em Brasília, que culminou com a criação do Dia Nacional da Leitura no Dia 12 de outubro, quando tradicionalmente se celebra no Brasil o Dia da Criança. O objetivo era e é falar sobre a estreita conexão entre infância e leitura literária, que nosso primeiro contato com a linguagem é no útero materno, ouvindo histórias. Em 2009 a data entrou no calendário nacional por meio de um projeto de lei. Durante vários anos o Ecofuturo desenvolveu, em parceria com organizações governamentais e não governamentais, várias ações no Dia 12 de outubro. Pouco a pouco a data passou a ser celebrada espontaneamente e neste, finalmente, celebramos um grande marco: Ministérios da Educação e da Cultura do Brasil, rádios, comunidades e a Câmara Brasileira do Livro divulgaram espontaneamente a data, que tem caráter educativo. É inegável a alegria em ver esta apropriação. Em ver a potência de brincar de ler[18]!
Foi com o mote Brincar de Ler que desenvolvemos o Passaporte da leitura – Brincar de Ler, distribuído nacionalmente por meio de inúmeras parcerias, e que também nos inspirou a pedir para que o Palavra Cantada compusesse uma música sobre o tema. Iniciativas que visavam abastecer a sociedade de referências e inspiração para alimentar a infância com literatura.
No ano de 2012 observamos que poderíamos e deveríamos ampliar o escopo de atuação do advocacy em prol de cooperação por políticas de leitura, literatura e bibliotecas. Tínhamos um aprendizado de mais de uma década de articulação com o poder público para a implementação de bibliotecas abertas à comunidade, sendo que nos últimos anos preferencialmente em escolas, com dados concretos a partir avaliação de impacto, interlocução e construção de redes de parceria.
Assim surgiu a coalizão EU QUERO MINHA BIBLIOTECA, que reuniu nove organizações atuantes nas áreas de educação, leitura e biblioteca com o objetivo de atuar pela universalização de bibliotecas em escolas como espaço educativo e integrado ao seu projeto político pedagógico – atualmente, cerca de 63%[19] das escolas públicas do Brasil não tem biblioteca. Esta mobilização teve como base a promulgação da Lei 12.244/10, que determina que todas as instituições de ensino do País devem ter uma biblioteca até 2020[20].
A Campanha leva à sociedade informações relevantes sobre a importância de existir uma boa biblioteca nas escolas e como participar da iniciativa, acessadas por meio de site e redes sociais. Fala sobre sua estreita conexão com o atingimento de várias metas do Plano Nacional de Educação (PNE), num esforço de vincular um tema ao outro: formação leitora e educação de qualidade. O site traz um passo a passo da sociedade civil orientando quais ações podem ser realizadas para interagir com as escolas e o Poder Público em prol de bibliotecas. Lá há um mapa colaborativo, onde as pessoas podem se cadastrar e informar onde querem uma biblioteca implantada. A cada 10 pedidos num mesmo município, uma mensagem automática é enviada ao Prefeito ou secretário municipal de educação[21]. Para gestores públicos foi desenvolvido o Guia sobre como implantar e manter bibliotecas com recursos públicos informando sobre as fontes de recursos existentes para a educação que podem ser acessadas para a implantação e manutenção de bibliotecas em escolas, e chama a atenção para a importância em incluir a criação e manutenção delas no orçamento do município. Temos uma agenda de relações governamentais[22], envolvendo participação em audiências com parlamentares[23] que tem uma atuação em prol da educação, cujo objetivo é apresentar dados sobre a importância de uma boa biblioteca em escola e tratar sobre fundos para viabilizá-las – como o empenho de emendas parlamentares – e estar em audiências públicas sobre políticas públicas de leitura e biblioteca. E também uma agenda institucional, participando em Seminários e encontros[24] relacionados ao tema, como esta Jornada.
A Campanha foi lançada em 2012 durante as eleições municipais e buscou informar às(aos) eleitoras(es) sobre a importância de falarem com suas(seus) candidatas(os) para incluírem a criação de bibliotecas em escola em seus planos de governo[25]. Repetimos o foco da comunicação em 2014 para as eleições estaduais e presidenciais e enviamos um pleito aos coordenadores de campanha de todas(os) as(os) candidatos ao executivo. Todas(os) as(os) governadoras(es) prefeitas(os), secretárias(os) estaduais e municipais de educação e parlamentares das comissões de educação receberam o Guia que desenvolvemos sobre como a gestão pública pode atuar pela universalização de bibliotecas em escolas. Como veem, é um trabalho missionário.
Recentemente lançamos uma petição online, por meio da Avaaz, primeiro buscando inibir o corte do recurso destinado ao PNBE 2015 e agora, diante do fato consumado, mantivemos a petição para coletar assinaturas com o objetivo de registrar a desaprovação com o corte, com o recuo de um direito adquirido e a determinação em fazer valer o direito à leitura de literatura e à educação de qualidade. As assinaturas serão entregues junto com um posicionamento nosso às comissões de educação da Câmara e Senado.
A divulgação da Campanha é feita por meio de um intenso trabalho de assessoria de imprensa[26] e pelas redes sociais, com páginas no facebook e Instagram. Durante um bom tempo tivemos apoio da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da ABERT (Associação Brasileira de Rádio e TV), que permitiram repercutir informações sobre a Campanha por meio de várias mídias em nível nacional.
O trabalho é intenso e cotidiano. Seguimos aprendendo e reforçando a convicção de que é fundamental atuar em prol de colaboração Inter e intrasetorial por política de leitura e biblioteca, pensada de forma a engajar os diversos atores sociais e espaços formativos e educativos. As perguntas são muitas. Como planejar o envolvimento da iniciativa privada com vistas a assegurar complementaridade máxima ao investimento público? Como evitar sobreposição de metas e serviços? Quais os papéis reservados às bibliotecas públicas, às comunitárias e às localizadas em escolas? Como esses tipos distintos de bibliotecas devem conectar-se para, assim, produzir o maior impacto potencial sobre a leitura nas comunidades? As respostas precisam ser construídas com agilidade e viabilizadas por meio de cooperação.
O desafio que o Brasil tem vai além da esfera quantitativa e demanda também um planejamento ajustado à sua superação e à compreensão de que devemos atuar de forma cooperada e integrada, setores governamental e privado e a sociedade civil, para criar e assegurar a sustentabilidade de uma política pública que, de fato, contribua para a promoção do avanço dos indicadores de leitura e que tenha elevado poder de transformação. a identificação de pontos de convergência para incidência, tendo o Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL)[27], instituído em 2011, como referência.
Contribuir com a busca de soluções para os desafios para a criação e efetividade de políticas de leitura, literatura e biblioteca foi nossa motivação para buscar Cooperação Técnica com a Secretaria de Assuntos Estratégicos, vinculada à Presidência da República (atualmente esta Secretaria foi extinta). A fim de refletir e identificar prioridades estratégicas e convergências de atuação tivemos a iniciativa de reunir organizações e pesquisadores na Oficina de Qualidade para Todos em Brasília, em 2013, para o quê foi produzido o Compêndio Leituras em Números, concentrando pesquisas nacionais e internacionais sobre hábito de leitura e biblioteca dos brasileiros, que está disponível para download gratuito no site. Contamos novamente com o apoio e a presença do Ricardo Paes de Barros – como disse, uma das mentes mais brilhantes do Brasil – e equipe, que auxiliaram na mediação e registro das dimensões debatidas.
As reflexões geraram o relatório “Leitura e escrita de qualidade para todos: Reflexões sobre a promoção da leitura no Brasil”, um documento extenso contendo as prioridades identificadas pelo grupo para as seis dimensões abordadas: a importância da leitura, produção literária, indústria do livro, bibliotecas, gosto e capacidade de leitura e maior e melhor utilização dos livros disponíveis. Trata-se de um material inédito riquíssimo para consulta de todas as organizações, para orientar suas próprias ações relacionadas à promoção da leitura. A publicação está disponível para download na Biblioteca Virtual do Ecofuturo.
Certos da importância em manter espaços de diálogo ente governo, organizações da sociedade civil e organizações empresariais para identificar pontos de convergência, tivemos a inciativa de criar também em 2012 o GRUPO DE TRABALHO LEITURA E ESCRITA DE QUALIDADE PARA TODOS[28] no âmbito do Gife (Grupo de Institutos e Fundações Empresariais), que é um importante fórum para avançar a partir das reflexões estruturadas no encontro de Brasília. O propósito do grupo é identificar estas linhas de ação prioritárias, pautados em dados de pesquisa, para atuar de forma convergente e sistemática em todas as dimensões que afetam a ampliação da cobertura e geração de impacto, fortalecendo e consolidando como política pública, como política prioritária para o País, que sobreviva a mandatos e mudanças de partidos.
Ao longo desse caminho tivemos a alegria e a honra de contar com três pessoas que são importantes referências no campo cultural e literário no Brasil, a quem denominamos de padrinhos e madrinha do Programa Ler é Preciso. Nossa madrinha foi Dona Canô, mãe de dois grandes expoentes da música brasileira, Caetano Veloso e Maria Bethânia. Nossos padrinhos foram o Sr. José Mindlin, bibliófilo e grande incentivador do que ele costumava chamar de “inocular o hábito da leitura”, e Ariano Suassuna, um dos mais brilhantes escritores de literatura brasileira. Cada qual nos inspirou e apoiou, sempre que possível, o nosso trabalho de promoção de cultura de leitura Brasil adentro.
O Ecofuturo também esteve presente na criação do Movimento por um Brasil Literário[29]. Lançado em 2009, contou e conta com a inspiração do querido escritor e poeta Bartolomeu Campos de Queirós e, portanto, faço uso de suas palavras para dizer o que é o MBL: “é um espaço plural e diversificado que articula de forma descentralizada, em rede, pessoas, organizações sociais e movimentos engajados em ações concretas, pela construção de um Brasil mais justo, mais democrático, em defesa pelo direito de todos à literatura”.
Era o que eu tinha para dizer[30]. Espero ter atendido às expectativas da coordenação deste Seminário, que muito me honrou com este convite e que certamente empreendeu esforços para trazer até vocês relatos de experiências significativas e relevantes. Espero ter atendido às expectativas de vocês, que escolheram estar aqui hoje. Eu espero que a gente não se perca em discussões que colocam em oposição a tecnologia do impresso com a tecnologia do digital, o espaço de leitura via internet ou o espaço de leitura na biblioteca. Não temos tempo e nem condições de abrir mão de nenhuma tecnologia. Todas devem ser usadas em benefício de um objetivo: o pleno letramento, a plena proficiência em leitura e escrita, o direito de acesso à literatura e leituras significativas. É preciso que as políticas públicas e a atuação conjunta da iniciativa privada e sociedade existam para acabar com o enorme fosso que separa quem tem acesso à palavra, ao conhecimento, daqueles que não tem, fenômeno que colabora, e muito, para a manutenção da miséria e da pobreza. Não podemos nos dar por satisfeitos até que este objetivo seja plenamente alcançado.
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Um adendo: Ninguém caminha só
Nenhuma boa jornada se faz só. Assim foi sendo a minha trajetória, plena de parcerias incríveis com quem aprendi, sonhei, chorei, superei desafios e a mim mesma, e realizei cada passo com cuidado, delicadeza, sentido, potência. Cito aqui três grandes parceiras de jornada. Elizabeth D’Angelo Serra, secretária-executiva da FNLIJ, com quem foi possível pensar e implementar as Bibliotecas Comunitárias, a pesquisa Indicadores de Desempenho e Impacto, a parceria e o encontro Leitura e Escrita de Qualidade para Todas(os). Foi ela quem me convidou a participar do nascimento e passos de um movimento que nasceu e floresceu entendendo e vivendo a poesia e a literatura como uma ação política: o Movimento por um Brasil Literário. A Maria Betânia Ferreira, a maior educadora que já conheci de pertinho e certamente uma das “filhas” mais ilustres de Paulo Freire. Sua mente ousada e brilhante tornou possível criar e mobilizar por anos projetos significativos como o Concurso de Redação Ler é Preciso, o Prêmio Ecofuturo de Educação para a Sustentabilidade, a Primavera Ler é Preciso, o Dia Nacional da Leitura e praticamente todas as publicações onde habitam textos de referência e inspiracionais, que seguem pulsantes fontes de reflexão para a ação cuidadosa e consequente de cuidados com as minudências da vida. A Liane Muniz, que é a cumplicidade transubstanciada em gente, com olhar apuradíssimo para o cuidado e as potências. Juntas estivemos nas jornadas do Ecofuturo e do Movimento por um Brasil Literário. Imagina o verbo confiar. Com ela a gente conjuga em todos os tempos imagináveis. Ousar também. Aliás, foi a ela que pedi para ler e avaliar se aqui havia um texto que valeria compartilhar. Ela disse que sim, muitas vezes sim. Cá está, pois.
Lendo e convivendo, devo o que sei a pensadoras(es), pesquisadoras(es), ativistas e artífices da palavra como Nilma Lacerda, Percival Leme Britto, Bartolomeu Campos de Queirós, Fabíola Farias, Silvia Castrillon, Áurea Alencar, Ana Maria Machado, Daniel Munduruku. Como um fio que puxa outro fio, muitas e múltiplas tem sido as autorias em cujas fontes acesso pensamentos que aprofundam as reflexões e que instigam a ir sempre além das aparências sobre os desafios e a potência da cultura leitora e escritora. Bem assim como diz Graciela Montes: “Quem lê se ‘desnaturaliza’ de alguma forma, dá o salto, desacredita do automático, sente perplexidade, curiosidade, intriga, depois olha, procura, decifra (…) Busca indícios e, ao encontrá-los, tem a audácia de construir pequenas cidades de sentido, pequenos universos que habita por um tempo, sem se enraizar definitivamente neles porque terá que continuar lendo. O leitor é ágil e está sempre insatisfeito”.
[1] Organização não governamental criada e mantida pelo Grupo Suzano desde 1999, da qual fui coidealizadora.
[2] A arte de escrever, Arthur Schopenhauer, pág.19, L&M Pocket, edição 2005,
[3] Vivemos a constatação retratada por Graciela Montes: “é muito mais fácil educar para o funcionamento do que para o desenvolvimento humano”, em Buscar Indícios, construir sentido, Babel Editora, pág. 57, edição 2017
[4] O direito à literatura, Antônio Candido, pág. 13, Editora Universitária UFPE, edição 2012.
[5] O horror maior atualmente, pós pandemia Covid 19, é a fome que acomete cerca de 33 milhões de brasileiras(os)
[6] O valor de educar, Fernando Savater, págs. 26 e 27, Editora Planeta, edição 2012
[7] Neste artigo de 2021 exploro esta ideia: “A palavra sabe mais, escreveu Bartolomeu”, publicado na Biblioo
[8] O Programa Ler é Preciso foi descontinuado em 2014
[9] O projeto de implantação de Biblioteca Comunitária foi descontinuado em 2020
[10] No Presídio de Bauru, com chancela da Fundação Mandela
[11] Tratei deste tema recentemente no artigo “Brasil, um país autofágico”, publicado na Biblioo.
[12] O nome do programa foi alterado em 2017 para PNLD Literário
[13] A potência desse arranjo comunitário está demonstrado pela pesquisa “O Brasil que lê” e permanentemente evidenciado pela Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias
[14] Em 2016 foi incorporado pelo MEC. Em 01/2019 foi transformado em Secretaria Especial de Cultura e incorporada pelo Ministério da Cidadania e ao final do mesmo ano foi transferida para o Ministério do Turismo
[15] Não localizei qualquer informação sobre os Pontos de Leitura em minhas pesquisas na internet
[16] Foram 12 anos de muita, muita, mas muita potência leitora em ação. Desde o ano passado, 2021, estão sem o espaço físico que abrigava a biblioteca Caminhos da Leitura, devido à necessidade de ampliação do cemitério, mas continuam na estrada, em ação, abraçada pela comunidade, numa iniciativa linda nominada “Eu a(guardo) a Biblioteca Caminhos da Leitura”.
[17] Formação concebida, coordenada e implementada por Fernando Burgos, mestre e doutor em administração pública e governo pela Fundação Getúlio Vargas.
[18] Crédito seja feito, este mote foi uma “ideia” da minha filha Isabelle, então com 4 anos, que pegou um livro, veio perto de mim e disse: “Mamãe, vamos brincar de ler?”.
[19] Dados atuais: 69% das escolas públicas não tem bibliotecas. Fonte Qedu.org.br
[20] O Projeto de Lei 5656/19 modifica a definição de biblioteca escolar e atrela a universalização ao prazo de execução do PNE (Plano Nacional de Educação), 2024. Tenho escrito e publicado artigos sobre o tema na Biblioo: Por que a biblioteca tem suscitado tanto desinteresse e desamparo / Ler melhora a educação ou é uma educação melhor que promove leitores?
[21] Esta função está atualmente desabilitada
[22] Ver exemplo aqui. Esta linha de ação não está em curso atualmente
[25] Um modelo de pleito está disponível aqui
[26] Esta linha de comunicação não está no ar atualmente
[27] Veja aqui Manifesto que cobra ações efetivas referente ao PNLL às(aos) candidatas(os) nas eleições de 2022
[28] Mais informações sobre a Rede LEQT aqui
[29] Descontinuado em 2018. Aqui você acessa o último encontro realizado, nominado Diálogos Brasil Literário. E aqui um pouco da trajetória.
[30] E para sempre vou dizer
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