Em uma tórrida tarde de quarta-feira, fui resolver pendências no centro do Rio de Janeiro. O calor estava assassino e decidi não brigar com o clima: dei um intervalo às atividades e fui tomar um suco em uma das lanchonetes da região. Esperei menos de 10 minutos para receber meu suco geladinho e, depois de tomá-lo, fiquei sentada alguns minutos brincando com o canudo.
Na mesa ao lado, um casal discutia ferozmente por alguma coisa que parecia ser uma panela (!!!) quando, em certo ponto da conversa, a moça fala para o companheiro: “você só vê o que seus olhos querem ver”. Depois dessa afirmativa, choveram impropérios de todo gênero, mas eu já não estava interessada. Minha mente vagava em torno daquela frase. “O que será que isso me lembra?”, pensei. Sim, a música ‘Frozen’, da cantora Madonna, mas será que é só isso?
Perdida em pensamentos, acabei colidindo com a ideia fixa que me perseguia: o livro “Convite para um homicídio” (original A murder is announced, tradução de Maria Isabel Garcia, sétima edição, editora Nova Fronteira, págs. 248), uma das obras estilo “quem matou” da famosa escritora Agatha Christie. A história é mais um dos casos da velha Miss Marple e tem como eixo central uma tentativa de homicídio seguida de três outros crimes consumados.
Tudo tem início quando uma comunidade tranquila é alvoroçada em uma manhã de outubro com um anúncio de jornal; nele, um convite para um assassinato estava com dia, hora e local marcados, convocando todos os vizinhos e amigos próximos. Na casa em que o crime estava agendado, ninguém sabia de absolutamente nada e os moradores pensavam que tudo não passava de chacota. Apenas a empregada da casa, uma estrangeira refugiada de guerra, entrou em pânico com a “notícia-brincadeira”.
No dia marcado, os presentes ao convite constataram que não se tratava de uma brincadeira infantil, culminando nas investigações, mistérios e crimes que permeiam toda a história. O enredo segue a linha “christiniana”, sempre com sua dose de astúcia e pontuação de enigmas para ludibriar o leitor. Personagens são inseridos na narrativa e a menor das ações pode ter significado extremo para o entendimento dos fatos.
No decorrer da leitura, alguns detalhes merecem citação:
1) A paranoia inglesa depois da Segunda Guerra Mundial, já que o livro foi publicado originalmente em 1950, cinco anos após o término do grande holocausto. Personagens que representam o pavor e a crítica inglesa aos tempos bélicos podem ser encontrados em diversos trechos de “Convite para um homicídio”;
2) O sentimento xenofóbico que dominou – e continua dominando – boa parte da Europa. Em muitos momentos da narrativa, as personagens de origem inglesa fazem alusão aos estrangeiros como “pessoas em que não se pode confiar”, “passionais”, “sem refinamento ou cultura”. Pode ser efeito pós-guerra, mas fica evidente na forma em que a personagem Mitzi, refugiada que acaba como cozinheira de uma das protagonistas, é caracterizada: paranoica, nervosa, sem educação, mentirosa, apenas tolerável – e algumas vezes, nem isso. Da mesma forma são os diálogos-pensamentos construídos em torno de outro estrangeiro – personagem que dá às caras “indiretamente” no começo da narrativa;
3) A exaltação de padrões de comportamento inglês está por toda a obra, com menções diretas ao modo de vida britânica. Outra observação que vale a pena ser destacada tem a ver com a construção das personagens femininas fortes – apesar de admiráveis, elas são associadas à figura masculina (conforme ordenava o bom-tom da época).
Reflexões à parte, “Convite para um homicídio” flui rápido, instiga a memória do leitor e o faz juntar peças. Para quem gosta das famosas revelações coletivas da autora, a obra é um prato cheio!
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