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Como as bibliotecas podem contribuir com a ressocialização de presos e a remição de penas

“Através da leitura, voltamos a sonhar. A ter auto-estima. A ter expectativa para um novo começo. Podemos fazer comparações de situações fictícias e histórias como a nossa. E assim, descobrir que todos nós estamos sujeitos ao erro e à queda. Mas, depende de cada um de nós decidir se vai se levantar ou permanecer no chão”. As palavras de Claudino Ramos da Cruz parecem demonstrar a importância que a leitura pode desempenhar na vida de um apenado.

Claudino é um dos 1856 reeducandos do projeto de remição pela leitura da Academia Valhadalense de Letras (AVL), desenvolvido nas instituições prisionais do município de Governador Valadares, Minas Gerais, distante cerca de 320 km da capital Belo Horizonte: a Penitenciária Francisco Floriano de Paula, o Presídio Santos Dumont e a Associação Proteção e Assistência aos Condenados (APAC).

Nestas instituições prisionais os orientadores do projeto, membros do colegiado da AVL e funcionários da Biblioteca Pública Municipal Professor Paulo Zappi, encontram os recuperandos pessoalmente para a realização dos trabalhos propriamente ditos: rodas de leitura, que tem por objetivo a socialização e a instrução dos apenados, estudos literários e prática de expressão escrita, complementando o treinamento com leituras e debates.

O projeto da Academia Valhadalense de Letras (AVL) segue o padrão de outros projetos de remição pela leitura, seguindo uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Por esta recomendação é possível remir até quatro dias de pena para cada uma obra efetivamente lida, num máximo de doze livros por anos, o que pode garantir ao apenado quarenta e oito dias de remição em um ano.

Nestas situações o preso terá o prazo de vinte e um a trinta dias para a leitura da obra, apresentando ao final do período resenha a respeito do assunto. Uma comissão analisa os trabalhos produzidos, observando aspectos relacionados à compreensão e compatibilidade do texto com o livro trabalhado. Então o Juiz de Execução Penal competente decide sobre o aproveitamento da leitura realizada, contabilizando os dias de remição de pena para os que alcançarem os objetivos propostos.

No caso do projeto da AVL, as avaliações são corrigidas por professores cedidos à instituição pela Prefeitura local. A presidente da Academia, Maria Cinira dos Santos Neto, explica que ao término das correções, os trabalhos devidamente avaliados são novamente encaminhadas à equipe pedagógica da respectiva unidade prisional, que se encarrega de enviar ao juiz da Vara de Execução Penal informando o nome dos que alcançaram na avaliação o direito à remição.

Segundo a recomendação do Conselho Nacional de Justiça, é necessária a elaboração de um projeto por parte da autoridade penitenciária estadual ou federal visando à remição pela leitura, assegurando, entre outros critérios, que a participação do preso seja voluntária e que exista um acervo de livros dentro da unidade penitenciária.

Mas apesar da recomendação do CNJ, poucos estados brasileiros têm hoje uma lei que regulamenta a remição pela leitura (ver tabela no final). Um dos primeiros a promulgar uma lei com este objetivo foi o Paraná. A lei nº 17329/2012 estabelece que todos os presos custodiados alfabetizados do Sistema Penal do Estado do Paraná poderão participar das ações do projeto, preferencialmente aqueles que ainda não têm acesso ou não estão matriculados em programas de escolarização.

Recentemente o governo do Maranhão promulgou a lei nº 10.606/2017 que institui o projeto de remição pela leitura no âmbito dos estabelecimentos prisionais penais do estado. O objetivo é dar oportunidade aos internos custodiados alfabetizados o direito ao conhecimento, à educação, à cultura e ao desenvolvimento da capacidade crítica, por meio da leitura e da produção de relatórios de leitura e resenhas.

E para potencializar os benefícios da recém-sancionada Lei, a Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE/MA) lançou a campanha “Leitura que Liberta”, que visa arrecadar livros para possibilitar a criação de bibliotecas dentro das penitenciárias da capital.

O Maranhão, como se sabe, tem enfrentado de forma recorrente violentas rebeliões no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, o principal presídio do estado. Em 2014, por exemplo, um vídeo que mostravam presos decapitados chocou o Brasil, levando o Complexo a ser apontado como um dos cinco piores do país.

A nível nacional tramita atualmente no Congresso um projeto de lei (PL 3216/2015) propondo a alteração da lei de execução penal (LEP), para que o condenado possa remir parte de sua pena pela leitura de obras literárias. Pelo PL o art. 126 da LEP passa a figurar com o seguinte texto: “o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho, estudo ou pela leitura de livros, parte do tempo de execução da pena.”

A LEP, a propósito, uma lei de 1984, prevê a existência de pelo menos uma biblioteca em cada estabelecimento prisional “para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos”. De acordo com essa lei, “o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena”.

Informações inconsistentes e desatualizadas

Para quem busca informações sobre bibliotecas carcerárias, o que parece mais difícil é encontrar dados atuais e consistentes sobre o tema. As informações oficiais mais recentes acerca destes instrumentos no Brasil são do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) de junho de 2014, um estudo do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça. Segundo este documento, cerca de um terço das unidades pesquisadas naquele ano afirmou ter biblioteca.

Os dados compilados pela Biblioo (ver quadro abaixo) mostram que a variação da porcentagem é muito grande de uma unidade para outra. Enquanto todos os estabelecimentos do Distrito Federal e a maior parte das unidades do Paraná (89%), do Acre (75%) e do Espírito Santo (71%) afirmaram ter biblioteca, apenas uma parcela muito reduzida dos estabelecimentos do Rio de Janeiro (2%), do Ceará (4%) e de Tocantins (9%) disse dispor deste instrumento. São Paulo foi o único estado que não respondeu a pesquisa.

Bibliotecárias carcerárias no Brasil. Fonte: Biblioo/Infopen, junho de 2014

Numa comparação entre os dados do relatório INFOPEN com as informações da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP) do estado do Rio de Janeiro, as disparidades se mostram gritantes. Enquanto o INFOPEN mostra que só existe uma unidade prisional com biblioteca no estado do Rio, o site da SEAP informa haver pelo menos 33 destes instrumentos em todo o estado.

Dezoito destas bibliotecas estariam nas unidades prisionais do Complexo de Bangu na capital. O estado do Rio de Janeiro, a propósito, começa com atraso a implementação da remição de penas pela leitura. Conforme reportagem d’O Globo, a SEAP deu início em novembro do ano passado ao projeto da remição pela leitura, tendo beneficiado 188 presos.

Uma pesquisa realizada em 2012 pelo então estudante de biblioteconomia da Universidade de Brasília (UnB), Rodolfo Costa da Silva, no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal, constatou que 82% dos apenados iam a biblioteca, sendo que destes pelo menos 49% frequentavam o espaço pelo menos três dias por semana, o que demonstra um uso intenso do espaço.

Dos que não iam ao local, 18%, a maioria (45%) não o fazia em função do analfabetismo.  As preferências dos detentos ia de romances (44%) a livros religiosos (36%), passando por atualidades (34%) e cultura em geral (32%).

Os bibliotecários nas bibliotecas carcerárias

A presença de bibliotecários no sistema penitenciário brasileiro é algo raro, o que tem levado Catia Lindemann, presidente da Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais (CBBP), a fazer críticas sobre essa muito comum nas diversas regiões do Brasil.

“A ausência de bibliotecários no sistema penal só comprova como de fato é o sistema penitenciário. Vejam bem, o cidadão comete um delito, é julgado, sentenciado e levado para a prisão. Por que? Exatamente porque transgrediu as regras, burlou a lei. Mas o sistema faz o mesmo com as bibliotecas. Ora, há um lei que torna obrigatória a presença de bibliotecas na cadeia e dentro da lei, elas são caracterizadas no mesmo patamar das escolares, ou seja, o que corrobora também com a presença de bibliotecário à frente delas”, disse Catia em entrevista recente à Biblioo.

Presos usam a biblioteca da Penitenciária de Rio Grande, onde Catia Lindemann desenvolve um projeto. Foto: Catia Lindemann / Arquivo pessoal

No Rio Grande do Sul, estado onde Cátia atua, por exemplo, Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE) não contempla a presença de bibliotecário nas penitenciárias, o que dificulta a implementação de bibliotecas nos presídios. “A lei complementar estadual nº 13.259/2009 diz exatamente quais os cursos superiores estão comtemplados como Técnico Superior Penitenciário (TSP). No site da SUSEPE tem a lei da estrutura de cargos, que são só três: agente penitenciário, técnico superior penitenciário e agente penitenciário administrativo e nenhum bibliotecário”, esclarece.

A consequência direta, explica Catia, é que como alguns estabelecimentos têm bibliotecas, mas não tem bibliotecários, estes podem sofrer processos fiscalizatórios por parte dos Conselhos Regionais de Biblioteconomia. Por esse motivo Catia acredita que os Conselhos não deveriam cobrar apenas a presença do bibliotecário, mas antes partir da premissa de que é obrigatório ter biblioteca e a partir daí exigir a presença do profissional formado e capacitado para trabalhar nestes locais.

No caso da experiência da Academia Valadarense de Letras, a presidente da instituição explica que os bibliotecários atuam selecionando previamente os livros que serão lidos pelos presos, muitos dos quais solicitados pelos próprios encarcerados. “Em algumas ocasiões, livros adquiridos são através de campanhas junto à comunidade são doados às bibliotecas dos presídios onde são realizados os trabalhos”, explica Maria Cinira.

Estados que já regulamentaram a remição pela leitura. Fonte: Biblioo

III Seminário Diálogos Biblioo discute a remição de pena e a ressocialização de presos

Pensando nisso, a Biblioo realizará o seu III Seminário sobre o papel da biblioteca no processo de remição de pena pela leitura e a ressocialização de presos. O evento será no próximo dia 16 de agosto, das 14h às 19h, no auditório do 2º andar da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Além de Catia Lindemann, também já confirmou presença o Superintendente de Leitura e Conhecimento da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, Juca Ribeiro.

O evento é inteiramente gratuito, não há inscrições e serão oferecidos certificados de participação por e-mail. A atividade acontece na Defensoria Pública do Rio de Janeiro, auditório do 2º andar. Av. Mal. Câmara, 314 – Centro, Rio de Janeiro.

Convite para o III Seminário Diálogos Biblioo.

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