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Cobrador monta biblioteca em ônibus no DF

O cobrador de ônibus Antônio Freitas, que montou biblioteca em ônibus no DF (Foto: Raquel Morais/G1)

O cobrador de ônibus Antônio Freitas, que montou biblioteca em ônibus no DF (Foto: Raquel Morais/G1)

Por Raquel Moraes, do G1 DF

O cobrador Antônio da Conceição Ferreira descobriu nos livros uma oportunidade de entreter passageiros que enfrentam até 90 minutos dentro dos ônibus diariamente para estudar ou ir ao trabalho em Brasília. O caixa do coletivo virou estante para clássicos como os de Clarice Lispector e Castro Alves, que passaram a ser cedidos por até três dias. O projeto ganhou o reconhecimento da Viação Piracicabana, e o rodoviário foi liberado da função há dez meses para expandir a iniciativa para 30 coletivos.

A inspiração para a ideia veio da própria paixão de Ferreira por literatura. Nascido no interior do Maranhão, ele começou a trabalhar ainda na infância para ajudar os pais agricultores e só foi alfabetizado aos 12 anos. Todo o ensino ocorreu em escolas públicas, e o homem diz que recebia pouco estímulo.

“Não sabia nem soletrar direito. Uma professora que, vendo a minha luta para soletrar, me ajudou bastante. Eu gostava de ler gramática. Via as pessoas conversando de uma forma bem solta, eu queria aprender a me expressar também”, conta. “Mas, por um tempo, parece que havia um bloqueio na minha alma.”

A virada aconteceu depois de ler “Capitães da areia”, de Jorge Amado. Ferreira tinha se mudado havia pouco tempo para a capital do país em busca de emprego e viu semelhanças entre os anseios dos garotos criados pelo escritor baiano e os próprios.

“A falta de estudo e o desejo de comprar alguns produtos faz com que a pessoa cometa prática errada. Mas eu nunca fiz isso, porque sempre acreditei na cultura e educação como a melhor arma para mudar de vida. E ler aquele livro me sensibilizou”, conta. “Na época da escola, eu às vezes passava uma semana indo ao colégio somente com uma calça, e aquilo me transmitia vergonha, timidez, porque eu via meus colegas com calça melhor. Às vezes eu passava um mês trabalhando roçando arame só para ter uma calça.”

O homem, que trabalhou em mercados e lojas de eletrodomésticos, passou então a ler um livro por semana. O emprego como cobrador veio em 2000, e três anos depois Ferreira decidiu levar um livro para o caixa do coletivo e “testar” a reação dos usuários de transporte público.

“O passageiro foi se habituando, pegando emprestado, e eu ia anotando. Pegavam para ler no ônibus mesmo, depois para levar para casa, depois ofereciam outro em troca. Tive que passar os livros para debaixo da cadeira, depois pôr em uma caixa de papelão e então, no fim, montar estantezinha para abrigar os livros”, conta.

O cobrador de ônibus Antônio Freitas, que montou biblioteca em ônibus no DF (Foto: Raquel Morais/G1)

A proposta foi se tornando conhecida, e Ferreira passou a receber cada vez mais doações de livros. Atualmente ele tem 5 mil obras, divididas entre uma quitinete alugada em Sobradinho e um espaço montado na Rodoviária do Plano Piloto para abastecer os ônibus que integram o projeto. A ideia é que cada coletivo tenha sempre seis volumes.

“Neste sábado fui a Samambaia Sul buscar uma doação de 60 livros. Tem coisas de Carlos Drummond de Andrade e Dalton Trevisan”, afirma. “É muito bom, porque você vê que as pessoas se envolvem. E a cultura vai sendo produzida e espalhada de pouco em pouco.”

Futuro

O sucesso do projeto também estimulou que Ferreira buscasse novos sonhos. O homem concluiu o ensino médio e, neste ano, começou a cursar letras em uma faculdade particular. Além disso, sempre participa de feiras literárias e encontros culturais.

O cobrador diz esperar que a iniciativa cresça ainda mais e estimule outras pessoas. “Não faço nem controle, não pego o nome da pessoa que pegou o livro emprestado. Isso burocratiza o negócio e pode ser que isso atrapalhe, que funcione como pressão psicológica. O que quero é a circulação, que a pessoa veja e leia. O ônibus é uma ponte, o passageiro sai de casa e vai para o serviço, aí aproveita para conviver com o livro.”

O cobrador de ônibus Antônio Freitas, em salinha para abrigar livros que são colocados em biblioteca em ônibus no DF (Foto: Raquel Morais/G1)

“Aí, em casa, ele lembra que tem no ônibus um espaço para ter o livro e vai pôr para circular alguma obra que esteja parada, ajudando assim o próximo”, completa. “Eu acho que isso é bom e que as pessoas têm que ler qualquer história, desde que seja benéfica para a vida dela.”

O projeto ganhou inclusive uma página na web. O cobrador conta que está agora buscando novas parcerias. Entre os objetivos está estabelecer parcerias com livrarias e bibliotecas, estimular crianças não-alfabetizadas com ilustrações e gibis e promover campanhas para arrecadar obras e materiais escolares para estudantes de baixa renda da rede pública.

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