Rascunhei esta fala enquanto findava a leitura da primeira parte da “Divina Comédia”.[1] Ao contrário do presumido, o inferno de Dante trata muito mais das desventuras terrenas que das desgraças infligidas aos impenitentes na vida futura. De tempos em tempos, mergulho nessa obra. E numa excitação quase lasciva, me interrogo em qual dos noves círculos de sofrimento seria lançado se batesse as botas agora de relampejo.

Nos meus 41 anos de vida, já pernoitei por quase todos. Nessa última releitura, afetado pela pauta política envolvendo fake news, suspeitei de que todos nós, bibliotecários, sem exceção, corremos o risco de sermos condenados ao oitavo círculo situado no fosso de mesmo número. Este é o endereço no inferno onde vivem os maus conselheiros.

Estes pecadores da língua, que pouco ou nada fizeram para evitar a fraude, passarão a eternidade cobertos de lavas, atemorizados pelas trovoadas estridentes. Boa paga para quem, tendo por matéria-prima a palavra, caiu em tentação, produzindo, publicizando ou, simplesmente, se silenciando diante de mentiras ou de meias verdades, em particular nesta geração, faminta por fake news.

Contudo, a primeira pergunta a nos fazermos é: “O que é fake news?”. Porque embora o título da palestra já nos coloque diante de uma situação de perigo e peleja contra essa prática, não é difícil observar que a percepção cultivada pelas pessoas em torno dela é muito variada. Suspeito também que, mesmo entre bibliotecários e estudantes de biblioteconomia, tenhamos percepções distintas a respeito desse fenômeno.

Em pesquisa realizada pela Kantar,[2] em 2017, a falta de clareza por parte dos brasileiros em relação a esse neologismo fica comprovada: 58% dos brasileiros entrevistados achavam se tratar de “uma história deliberadamente fabricada por um meio de comunicação”, 43% pensavam que o termo se referia a “história divulgada por alguém que finge ser um meio de comunicação”, 39% apontavam que seria “uma história que contém erro de informação” e 27% apostavam que seria uma “história tendenciosa”.

Podemos entender uma fake news como fraude, engano, ilusão, invenção, exagero, disfarce, fingimento, distorção, ludibrio, falácia, dolo, inexatidão, aparência, hipocrisia, fábula, aldrabice, embuste, inverdade, farsa, ficção, ilusão, intrujice e, simplesmente, mentira? Mas, afinal, o que é uma mentira?

Segundo o The Oxford Dictionary of Philosophy,[3] mentir é: “Deliberadamente declarar uma falsidade com intenção de enganar ou induzir ao erro. Dizer algo falso sabendo que o ouvinte irá interpretar como algo que é de fato verdadeiro. Simplesmente proferir falsos elogios ou brincadeiras sem surgir a questão da intenção, no entanto, não são casos de mentir.”

Coleman e Kay[4] vão além, afirmando que a mera suspeita de engodo do que se é comunicado torna o ato mentiroso: “A mentira é uma ação de comunicação levada a cabo por alguém que sabe, acredita ou suspeita da sua falsidade, com o intuito de fazer com que os seus interlocutores acreditem nela.”

Todas as grandes tradições religiosas rechaçam essa prática. Na versão católica da Bíblia, a mentira é citada 75 vezes. Embora em nenhuma das perícopes haja uma definição para este pecado, a Bíblia não deixa de apontar o diabo como o pai da mentira, e os seus praticantes como filhos do dito cujo.

Apesar do tom proibitivo, a mentira exerce protagonismo neste livro sagrado. A soteriologia cristã, por exemplo, se desenvolve em torno de uma fake news: Lúcifer consegue convencer Eva de que a interdição dirigida a ela e ao seu companheiro de não tocar ou comer do fruto da árvore do bem e do mal plantada no meio do Jardim não passava de um subterfúgio perpetrado pelo próprio Criador para evitar qualquer espécie de concorrência. A mulher não apenas acreditou no discurso do chifrudo, como retuitou o discurso fake para o marido Adão.

O castigo infligido ao casal – expulsão do Paraíso – não se deveu, exatamente, ao fato de terem provado do fruto – alguns juram tratar-se de uma maçã rubra e carnuda–, mas de terem se envolvido na mentira do demo. Na Bíblia, Fake news é fogo! E assim, ao final da história, todo mundo saiu chamuscado: o diabo por produzir mentiras, Eva por propagá-las e Adão por consumí-las. A pena foi justa, não apenas pela natureza divina do juiz, mas por retratar o caráter deliberado da infração.

Não se pode pensar em fake news sem pressupor a presença da liberdade. Ao tratar do tema envolvendo, particularmente, a política interna norteamericana, o professor George Lakoff, da Universidade da Califórnia, observou que para a maioria das pessoas, o elemento constitutivo da mentira é a intencionalidade.

Ele se expressou desse modo: “A descoberta mais surpreendente é que, para se considerar se uma declaração é uma mentira, a consideração menos importante para a maioria das pessoas é se ela é verdadeira! As considerações mais importantes são: Ele acreditava nisso? Ele tinha intenção de enganar? Ele estava tentando ganhar alguma vantagem ou prejudicar alguém?”[5]

Nesse sentido, o pensamento popular e parte da produção filosófica compartilham da ideia que sem intencionalidade, não há que se falar em mentira. Sendo a fake news uma mentira, caracterizada pela intencionalidade de enganar, há que se discutir até que ponto ela é objeto de interesse dos bibliotecários.

Qual o impacto das notícias falsas em nossas bibliotecas? Ouso afirmar que nenhum. A questão sequer é problematizada, talvez em virtude da crença de que dentro daquele perímetro marcado por certo nível de rigor na escolha e no trato das fontes bibliográficas, tudo está livre da falsidade. Bem no fundo, o que esperam os frequentadores das bibliotecas brasileiras? Uma mesa disponível, um banheiro limpo e livros relativamente atualizados.

Há tempos a biblioteca perdeu o protagonismo em termos de entidade facilitadora do acesso ao universo informacional. Isso justifica a ausência de expectativa de que os bibliotecários devam ou possam travar uma guerra contra mentiras divulgadas no Facebook ou Instagram. Portanto, não se pode limitar a discussão em função do impacto das fake news dentro das bibliotecas.

O que me parece mais importante é avaliar a influência desse fenômeno além dos nossos muros. Por exemplo: negar a realidade do aquecimento global levou muitos países a adotarem planos econômicos que privilegiam o uso de combustíveis fósseis, contradizendo o consenso científico que aponta esses combustíveis como a principal causa do aquecimento atmosférico.

Refutar os benefícios da presença imigrante em países com baixos níveis de natalidade tem resultado no fortalecimento de movimentos nacionalistas extremistas. Portanto, é inquestionável que as fake news são uma ameaça para a efetivação dos direitos fundamentais.

Nesse contexto de enfrentamento, devemos lançar uma segunda pergunta: as fake news devem ser objeto de preocupação dos bibliotecários, ainda que a sociedade brasileira nada espere da parte deles? Reconhecendo o importante papel que as bibliotecas exerceram na consolidação da figura do Estado democrático, penso que o descaso com o objeto não seja a melhor escolha. O bibliotecário, ainda que no silêncio de seu balcão, luta em prol da democracia e dos direitos fundamentais.

Neste tempo de binarismo, nutrido por fake news e outras formas de violência, o bibliotecário sempre vai nos apontar para o acervo da sua biblioteca. E lá nas estantes, encontraremos não duas vozes, mas milhares delas. Ele vai nos sugerir: confronte os textos e se possível, escolha o verdadeiro. Felizmente, nem sempre é possível decidir por um só, o que gera uma tensão respeitosa entre os autores e suas narrativas.

A discordância, considerada vil e perigosa para fundamentalistas políticos e religiosos, é concebida pelo bibliotecário como condição sine qua non para a construção do conhecimento. Portanto, as fake news são uma ameaça, não simplesmente pela natureza fraudulenta, mas por serem construídas a partir da negação do outro. Elas, de fato, representam o absoluto desprezo pela diferença, manifesto na resistência de escutar.

Essas notícias mentirosas impactam terrivelmente nossa psique, dando origem a práticas horrendas: é a vitória eleitoral fraudada nas redes sociais; é o aplauso pelo assassinato de uma vereadora negra e lésbica; é o atentado contra imigrantes muçulmanos; é a difamação virulenta contra colegas da profissão. É, no frigir dos ovos, o triunfo da barbárie.

Devemos, a partir deste ponto, lançar uma terceira pergunta: Nós, na qualidade de bibliotecários, podemos combater as fake news? Suspeito que a maioria dos presentes dirá que sim. Entretanto, há colegas que discordam. Matthew Sullivan,[6] bibliotecário da Universidade de Harvard, por exemplo, publicou, recentemente, um artigo, intitulado Why librarians can’t fight Fake News (Por que os bibliotecários não podem combater as fake news?).

Para Sullivan, os valores que regem a biblioteconomia e os serviços tradicionais das bibliotecas são insuficientes para combater esse fenômeno. Ele afirma, por exemplo, que as bibliotecas continuam associando fake news a sites com design precário. E sentencia: as bibliotecas ficaram para trás nessa pauta.

Apesar do discurso duro e sincero do Sullivan, irei apresentar as oito dicas da IFLA para identificar fake news. É que acredito nelas, embora esteja seguro de que aplicá-las não resolve o problema, particularmente por sua natureza endógena. Vale ressaltar que esse infográfico da IFLA foi produzido a partir de um artigo da FactCheck.org, de 2016.

A primeira dica da IFLA é considerar a fonte de informação, buscando associar a informação com a missão e os objetivos da instituição a partir da confrontação com outras publicações do site. Segunda, não se contentar apenas com o título, costumeiramente explorador de nossas fantasias e preconceitos. Terceira, valorar o quesito “autoridade”, verificando se os produtores do texto existem, de fato, e são confiáveis.

Quarta, pesquisar se a informação em questão foi publicizada em outros canais. Quinta, constatar se a informação é relevante e atualizada, checando a data da sua publicação. Sexta, aprender a identificar uma sátira, não atribuindo a ela valor jornalístico. Sétimo, exercitar um olhar empático ao diferente, evitando que o preconceito em relação à temática tratada nos contamine.

A oitava e última dica é consultar um ou mais especialistas que garanta plausibilidade a informação disseminada. Compartilho com o colega Sullivan que essas dicas, embora importantes, são insuficientes para combater as fake news. Se, de fato, a biblioteca pretende ganhar protagonismo nessa seara, o trato deve ser mais ousado. Apresentarei seis medidas que a mim me parecem também importantes no combate às fake news.

A primeira medida, situada no campo linguístico, envolve problematizar o próprio uso do termo fake news. Esta expressão não deixa de ser um produto forjado por alguns setores da sociedade, em particular a grande mídia e os governos, que atuam como senhores da verdade e que, no exercício deste poder, não raramente, desqualificam fontes, canais e ferramentas de informações que escapam, minimamente, de seu controle.

Não raramente, o rechaço pela informação se dá em virtude não do que foi dito, mas de quem a publicou. Não me parece ser nada fácil estabelecer fronteiras entre verdade e mentira a partir de critérios estabelecidos exclusivamente pelo mercado. O Senado francês[7] acaba de rejeitar um projeto de lei destinado a criminalizar essa prática, resultado de uma tensão entre diversos setores da sociedade a respeito do possível impacto de tal ato normativo na produção e disseminação de informação jornalística.

Diante desse impasse, creio que a proposta de Damien Belvèze,[8] bibliotecário da Universidade de Rennes 1, é positiva, ao propor o uso de “informação falsa” ou “desinformação”. Ao recorrer a uma dessas expressões, o perímetro de discussão amplia consideravelmente, e torna a discussão intelectualmente honesta.

A partir daí se torna pouco relevante se a informação suspeita foi publicada por um jornal analógico secular e influente, ou por um blog de um adolescente. Afinal de contas, o engodo e a meia verdade não são ameaças exclusivas no universo digital. A informação falsa está presente em outros canais fora do perímetro das redes sociais. Como ignorar, por exemplo, a matéria da revista Veja[9] noticiando o cruzamento do DNA do tomate com o do boi, que teria dado origem ao chamado boimate? Poderíamos considerá-la uma informação falsa, apesar de ter sido publicada por uma revista semanal dita séria, de grande circulação nacional?

Além dessa decisão de natureza semântica, há que se conjecturar a respeito da criação de ferramentas destinadas a formar os frequentadores de nossas bibliotecas. Isso pode ser feito por meio de tutorias e guias objetivando garantir aos seus usuários habilidades para distinguir informações falsas das verdadeiras.

A Universidade de Sheffield, do Reino Unido, por exemplo, desenvolveu um jogo muito interessante de falsas notícias.[10] Vale ressaltar que medidas a serem adotadas nesse campo devem levar em consideração que pessoas com mais de 65 anos são sete vezes mais propensas a compartilhar uma história falsa do que os de 18 a 29 anos.[11] Em outros termos, ações destinadas ao desenvolvimento de competências informacionais caem muito bem, particularmente se oferecidas para grupos mais vulneráveis.

Outra estratégia que me parece importante é as bibliotecas investirem na confrontação de narrativas. No fundo, toda biblioteca traz em si o germe do embate dialógico. As fontes sempre estiveram lá, por sobre as estantes, prontas para entrarem em cena. Entretanto, na atual conjuntura política intitulada de pós-verdade, em que a emoção e as crenças moldam a opinião pública mais do que os fatos objetivos, as bibliotecas podem colaborar de um modo todo especial.

O princípio dessa ação é construir arquivos bibliográficos referentes a pautas diversas, em particular aquelas que nos afetam no momento atual, investida de forte teor polemista. Adoraria, por exemplo, ter acesso a informações claras e fidedignas a respeito da reforma da previdência, sem que isso implique em me classificar como pupilo ou inimigo do morador do Palácio da Alvorada. Adoraria saber se os países que reduziram a maioridade penal apresentaram, a curto ou médio prazo, uma queda nos índices de criminalidade.

Gostaria de ser informado se a descriminalização das drogas nos Países Baixos incidiu no número de dependentes químicos. O bibliotecário Nate Hill,[12] da Biblioteca Metropolitana de Nova Iorque, sugere que esses arquivos bibliográficos sejam compartilhados com os jornalistas no combate as informações falsas. Enfim, uma dobradinha entre biblioteconomia e jornalismo pode ser muito salutar.

Outra ação que pode trazer benefício é ampliar a confiabilidade e precisão de grandes plataformas informacionais. É o caso da Wikipedia. Quer queiramos ou não, a Wikipédia conquistou o status de fonte de referência geral desde a sua criação, em 2001. Trata-se, atualmente, do quinto site mais acessado do Planeta, atrás, apenas, do Google, do Youtube, do Facebook e a rede social chinesa de nome Baidu.

O seu conteúdo tem sido usado amplamente, inclusive pelas redações de jornais e no âmbito dos tribunais. Contudo, a ausência de fontes em seus conteúdos tem sido um problema. Pretendendo qualificar os artigos com fontes confiáveis, a Wikipedia lançou a Campanha 1Lib1Ref, também conhecida como Campanha ‘um bibliotecário, uma referência.

A ideia é que bibliotecários de todo o mundo viessem a se tornar editores da Wikipedia, garantindo, assim, melhorias nas referências presentes nos diferentes artigos da enciclopédia online, em diferentes idiomas. Em 2019 a campanha 1Lib1Ref ocorreu entre 15 de janeiro e 5 de fevereiro. Estou seguro de que a atuação de bibliotecários brasileiros nesta seara pode ajudar a reduzir informações falsas disseminadas na rede, incorporando fontes nos mais de 1 milhão de artigos publicados em português, até o último dia 17 de março.

Outra questão que também me parece pertinente é a nossa participação na arena política. Na legislatura passada, tramitaram no âmbito das duas Casas do Congresso Nacional cerca de 20 projetos de lei a respeito de informações falsas. As penalidades para os mentirosos variavam de multas a partir de R$ 1.5000,00 a até dezoito anos de reclusão.

Alguns parlamentares defenderam que o crime fosse incorporado ao Código de Defesa do Consumidor, outros o classificaram como crime contra a segurança nacional, a ordem política e social. Há muita água para rolar debaixo da ponte. Há divergências, por exemplo, sobre quem deveria ser punido: o criador da notícia falsa, o propagador ou o provedor?

Retomando as figuras do início da minha fala, a culpa seria do diabo, que produziu a mentira, de Eva, que a disseminou, ou de Adão, que a consumiu? E o pior desafio de todos: definir o que vem a ser “notícia falsa”. Um dos projetos chega a definir o termo como “notícia incompleta.” Eu apenas perguntaria ao autor desta proposição: Como mensurar a completude de uma informação jornalística? Onde está a defecção?

Creio que a participação de bibliotecários e professores das escolas de biblioteconomia nestes debates políticos, em particular nas audiências públicas, pode ser de grande valia para a sociedade brasileira. Talvez nossos mestres concluam que o Brasil não carece de nenhuma lei nesse sentido, já que a legislação prevê crimes de ofensa, injúria, calúnia e difamação.

Gostaria de concluir a minha fala com uma questão de natureza ética. Não há manual de processos ou linguagem documentária que consiga roubar do bibliotecário a liberdade de estabelecer fronteiras entre o que é essencial e acessório. Será sempre ele quem decidirá o que merece ser representado e o que merece ser descartado no desenvolvimento de coleções, na prática de indexação, no plano de marketing e na política de atendimento.

É ele que estabelece as relações de subordinação entre os personagens que transitam na biblioteca. Enfim, o dialógico é princípio da prática profissional. Dele nasce a repulsa a qualquer modalidade de mentira. Se não há possibilidade de se separar radicalmente o que produzimos e o no que acreditamos, podemos garantir o direito do outro falar.

Haveria algo de pior para a biblioteca que um bibliotecário alimentado por informações falsas, resultante do descaso ou de uma militância política fundamentalista? Porque ao estabelecer parceria com a mentira, ele trai a sua matéria-prima, a palavra, polissêmica por natureza. A cada livro recém-chegado, a cada verbete adotado, a cada atendimento realizado, ele estabelece, numa relação tensa e criativa, certo número de relações entre as narrativas.

É o número de chamada, é a lista de fontes, é a ficha catalográfica, é o resumo do artigo, é a indicação do livro. Sua hermenêutica, embora limitadíssima, tem por fim representar, da forma mais ampla e diversa possível, o objeto sob análise. Seria admissível que, em virtude do meu projeto de vida, eu propagasse fontes apologéticas sobre determinado assunto, sem permitir a visibilização de outros autores que vivem ou defendem formas diferenciadas de convivência?

Seria imponderável eu me sentar a mesa para tratar da instalação de bibliotecas nas escolas por discordar da linha ideológica apregoada pelo Ministro da Educação? É razoável eu aplaudir a invasão e queima de uma biblioteca na Esplanada dos Ministérios por negar legitimidade ao Presidente da República? Silva-Joaquim[13] defende que o contrário de “ser mentiroso”, é “ser sincero” e não “ser verdadeiro.” É sincero quem é honesto.

A honestidade intelectual, como bem ressaltou o filósofo alemão Ernst Tugendhat,[14] “consiste em uma atitude de abertura para as razões que falam contra a própria opinião.” Em todos os tempos, inclusive no nosso, agonizado pelo trato arrogante com o “outro”, talvez o grande mérito seja dizer ao interlocutor: “No meio deste emaranhado de fontes, eu não sei onde se situa a verdade. Portanto, fale.” Essa postura legitima uma convivência respeitosa de livros nas estantes e, especialmente, de pessoas nesta grande urbe que é o mundo.

*Texto de palestra originalmente proferido na abertura da IV Semana do Bibliotecário da Escola de Ciência da Informação em Biblioteconomia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dia 18 de março de 2019, no auditório da Faculdade de Letras daquela Universidade.

[1] ALIGHIERI, D. Divina commedia. Milano: Mondadori Libri S.P.A., 2016.

[2] KANTAR. Trust in news. London: Kantar, 2017. Disponível em:  http://www2.kantar.com/trust-in-news-report-2017?utm_source=TrustInNewsBRAZIL&utm_medium=download&utm_campaign=download_brazil. Acesso em: 3 mar. 2019.

[3] BLACKBURN, S. Lie. In: BLACKBURN, S. The Oxford dictionary of Philosophy. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 218, tradução nossa.

[4] BURGOON, J. K.; BULLER. D. B. Interpersonal deception: III. Effects of deceit on perceived communication and nonverbal behavior dynamics. Journal of Nonverbal Behavior, Berlin, v. 18, n. 2, p. 155, summer 1994.

[5] LAKOFF, G. Betrayal of Trust. AlterNet, United States, September 15, 2003. Disponível em: https://www.alternet.org/2003/09/betrayal_of_trust/. Acesso em: 9 mar. 2019.

[6] SULLIVAN, M. C. Why librarians can’t fight fake news. Journal of Librarianship and Information Science, New york, March 25, 2018. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0961000618764258?journalCode=lisb#. Acesso: 8 mar. 2019.

[7] FRANÇA. Congresso. Senado. Loi sur les fake news: le Sénat rejette à nouveau le texte. Disponível em: https://www.publicsenat.fr/article/parlementaire/loi-sur-les-fake-news-le-senat-rejette-a-nouveau-le-texte-135105. Acesso em: 6 mar. 2019.

[8] BELVÈZE, D. Interview de Damien Belvèze: les bibliothèques et la lutte contre les fake news. Disponível em: https://soundcloud.com/universit-de-rennes-1/interview-de-damien-belveze-les-bibliotheques-et-la-lutte-contre-les-fake-news. Acesso em: 7 mar. 2019.

[9] FRUTO da carne. Veja, São Paulo, v. 764, p. 83, 27 abr. 1983.

[10] UNIVERSITY OF SHEFFIELD. The Fake News Game. Disponível em: http://www.librarydevelopment.group.shef.ac.uk/Assets/pdfs/fake_news_game.pdf. Acesso em: 8 mar. 2019.

[11] OLDER people more likely to share fake news on Facebook, study finds. The Guardian, London, 10 jan. 2019. Disponível em: https://www.theguardian.com/technology/2019/jan/10/older-people-more-likely-to-share-fake-news-on-facebook. Acesso em: 8 mar. 2019.

[12] Apud WhAT can libraries do against fake news? Disponível em: https://www.goethe.de/ins/id/en/kul/mag/21404452.html. Acesso em: 5 mar. 2019.

[13] SILVA-JOAQUIM, C. Mentiras. Sociologia: problemas e práticas, Lisboa, n. 9, p. 122, mar. 1991.

[14] TUGENDHAT, E. Retraktationen zur intellektuellen Redlichkeit. In: TUGENDHAT, E. Anthropologie statt Metaphysik. München: Beck, 2007. p. 98, tradução nossa.

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