Por Naíma Saleh, da Revista Crescer
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasil Leitor (IBL) comprovou o que há tempos professores e educadores já sabiam: o acesso de crianças a bibliotecas contribui – e muito – com diversas áreas do desenvolvimento. Segundo os resultados, mais de 80% das crianças foram capazes de atingir o nível máximo de aprendizado depois de passarem a frequentar um espaço organizado de livros e brinquedos com a supervisão de educadores.
Ao longo de dois anos, os pesquisadores do IBL acompanharam alunos de 0 a 6 anos, matriculados em um Centro de Educação Infantil (CEI) e em uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), na cidade de São Paulo. Em uma primeira etapa, anterior à construção das bibliotecas, as crianças foram avaliadas através de questionários distribuídos a pais e professores. De 1 a 5, eles avaliaram 32 competências distribuídas em seis áreas básicas: “linguagem e comunicação”, “relações sociais”, “iniciativa e noção de self” (noção de si), “representação criativa”, “música e movimento” e “matemática e ciência”. Em uma segunda etapa, com a biblioteca já funcionando, os especialistas do IBL observaram as crianças dentro do espaço de leitura, analisando seu comportamento. Depois, cada criança foi avaliada por meio de questionários respondidos por professores e familiares.
Para a educadora Stela Battaglia, doutora em Linguagem e Educação pela Universidade de São Paulo, e tutora do programa Quem Lê Sabe Por Quê, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, os resultados da pesquisa mostram que as bibliotecas não são apenas importantes no desenvolvimento das crianças: elas são imprescindíveis. “Dentro de um contexto de esforço coletivo, em que profissionais da escola e pais são alicerçados para o projeto da biblioteca, ela assume um papel de relevo que ela deve ter no aprendizado”, explica.
De acordo com os resultados, só 49% das crianças do CEI chegavam ao nível máximo (5) de desenvolvimento geral, mas, depois da biblioteca, esse número subiu para 82%. Na EMEI, o aumento é ainda mais expressivo: se antes só 7% dos alunos atingiam o nível máximo, depois da biblioteca, 70% alcançaram a marca. Analisando os resultados específicos de cada área, o progresso das crianças também impressiona. No quesito ‘relações sociais’, o número de crianças do CEI que atingiu a nota máxima pulou de 51% para 98% e no EMEI, de 6% para 100%. Em relação à ‘representação criativa’, se antes apenas 42% das crianças do CEI chegavam ao nível 5, depois das bibliotecas, 92% delas alcançaram a mesma nota. No EMEI, esse número subiu de 5% para 83%.
Muito além dos livros
Principalmente para crianças pequenas, o aspecto lúdico está intimamente ligado à aprendizagem, afinal, é brincando que as crianças adquirem uma série de competências – das habilidades motoras à capacidade de socialização. No entanto, é importante diferenciar um espaço lúdico de um espaço de brincadeira, uma vez que a missão das bibliotecas é atuar na formação de novos leitores e não apenas divertir. “O principal é ampliar o conceito de biblioteca, sem que ela perca sua principal função, que é ser fonte de informação”, ressalta Stela. Por esse motivo, é fundamental a presença dos educadores, que vão ajudar as crianças a extraírem das atividades o conhecimento: trata-se de um modelo de ensino mais livre, porém bem direcionado.
A pesquisa também ajuda a quebrar alguns paradigmas em relação às bibliotecas, que culturalmente são cercadas de formalidades. Esqueça aqueles ambientes austeros, onde não é permitido nem cochichar: os espaços de leitura, sobretudo para crianças pequenas, precisam ser acolhedores, incentivar a imaginação, a troca, a socialização e a liberdade – o que não significa supressão de regras. “A biblioteca não vai se confundir com o espaço de sala de aula, nem com uma brincadeira no canto do recreio. A criança tem que aprender o que ela pode buscar lá: acesso aos livros e a possibilidade de criar, indagar, se divertir, partilhar. Essa busca de conhecimento e a troca entre as próprias crianças são o começo de sua vida cultural”, explica a educadora.
Bibliotecas são, por natureza, espaços coletivos, onde é preciso obedecer a uma série de regras para o convívio com os demais e para manter a própria organização do espaço. Isso permite à criança aprender que tem direitos e deveres e também a vivenciar o uso democrático dos espaços. Se ela quer um livro, ela deve aprender onde procurá-lo, como pegá-lo, onde ela pode se acomodar para lê-lo e onde ele deve ser devolvido. Ao mesmo tempo, nesse ambiente, é oferecida às crianças a possibilidade de compartilhar a experiência de leitura com seus pares, de dividir ideias, sentimentos, Há ordem, sim, mas também há liberdade, conhecimento e afeto.
Como fazer da leitura uma experiência (mais) enriquecedora
Por isso, esse modelo de biblioteca em questão demanda um esforço coletivo, que inclui a direção das escolas, a formação dos educadores e até o envolvimento dos pais. Durante o processo de construção das bibliotecas, os educadores que participaram da pesquisa passaram por uma série de oficinas que os capacitaram a utilizar o acervo e outros recursos disponíveis de uma forma muito mais abrangente e consistente. Foram ministrados cursos de contação de história, matemática, música, artes e também registro e documentação. Tudo isso para tornar o espaço de leitura também um lugar de partilha, convivência e experimentação.
“É maravilhoso ver crianças de 1 ano e meio, 2 que chegam à biblioteca, pegam os livros, mostram para o amigo, dão tchau à bibliotecária quando vão embora. A gente percebe como as crianças respondem a essa experiência e quantas possibilidades se abrem”, completa Stela. Por isso, não precisa esperar seu filho ser apresentado às letras para começar a levá-lo à biblioteca: o aprendizado já está disponível por lá de muitas formas. Faça da leitura mais uma oportunidade de troca de afeto, atenção e conhecimento entre você e o seu filho.
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