Biblioo

Bibliotecário especializados, sim! Bacharéis em biblioteconomia, não!

Parece que os jovens gostam mais da crítica franca e até inconveniente e inoportuna do que de palavras suavemente convencionais. Somente assim se explica a insistência com que me convidaram, através do professor Astério Campos, para falar nesta entrega de certificados do segundo curso de formação de bibliotecário especializados em Minas e Energia, oferecido pelo Departamento de Biblioteconomia da UnB, em convênio com o meritório, em convênio com o meritório PLANFAP.

Já disse uma vez e agora repito que o bibliotecário enciclopédico não é mais possível numa época de especializações desordenadas como a nossa: época da qual já disse que nos obriga a saber cada vez mais de cada vez menos coisas. O saber generalista não se encarna mais em homens e sim em obras coletivas como as enciclopédas e em instituições como as universidades, sendo que a maior parte destas ainda não se deu conta de sua nova missão, que é a de promover e estimular os estudos interdisciplinares, organizando-se, como sugere Alain Tourraine – em artigo significativamente intitulado “O silêncio das universidade” – “em torno dos grandes campos da ação humana e, por tanto, dos grandes problemas sociais como o da vida urbana, o da comunicação, o do desenvolvimento, o do imperialismo, o da produção, o do poder, etc.”

Precisamos, pois, de bibliotecários especializados, previstos no Plano Orientador desta Universidade, mas que não podemos formar por estarmos jungidos ao obsoleto currículo mínimo de um órgão governamental. O Departamento de Biblioteconomia procura estabelecer um programa de especializações opcionais que, devidamente registradas no diploma de conclusão do curso de graduação, de certo modo atenuariam a utopia ridícula da expressão “bacharel em Biblioteconomia”, infelizmente consagrada pelo dispositivo legal que regulamenta a profissão de bibliotecário. E cursos como os promovidos com a colaboração do PLANFAP – aos quais seria lícito esperar que se seguissem outros, patrocinados por ministérios ou autarquias de diferentes áreas – muito concorrem para corrigir as deficiências de uma graduação supostamente generalista ou enciclopédica.

Senhores concluintes: como bibliotecários especializados, deveis lutar contra a malversão de recursos como que escancarada a nossos olhos pela publicação do Catalogo Coletivo de Publicações de Ciência e Tecnologia. Refiro-me às assinaturas de revistas que as bibliotecas especializadas e universitárias costumam fazer, no Brtasil, com soberano e irresponsável desprezo pelo planejamento de aquisição de material estrangeiro em nível nacional, regional, estadual, municipal ou mesmo institucional, como acontece com universidades federais e até com a universidade de São Paulo.

Com tais duplicações, não conseguiremos jamais estabelecer no Brasil um verdadeiro sistema nacional de bibliotecas capaz de colocar à disposição dos pesquisadores tudo o que de relevante se publica no estrangeiro. Esse ideal foi conseguido em outras nações, não por serem mais ricas do que a nossa e sim porque entre suas bibliotecas predomina o espírito de cooperação, em vez do espírito de competição. Assim, ao invés de seguirmos o exemplo dos Estados Unidos, com seus programas de aquisição de material estrangeiro, copiamos da Biblioteconomia norte-americana o que ela tem de pior, como, por exemplo, a Classificação Decimal de Melvil Dewey, o Catálogo Dicionário e o famigerado Código de Catalogação.

Deveis também lutar por uma participação efetiva do Brasil no programa de cooperação internacional em informação científica e técnica denominado UNISIST. Trata-se, como sabeis, de um ressurreição do ideal de Paul Otlet e Henri La Fontaine quando fundaram, em 1895, o Instituto Internacional de Bibliografia e pretenderam estabelecer em Bruxelas um Repertório Bibliográfico Universal. Infelizmente, o nosso país não vem participando dos grupos de trabalho e das comissões do programa UNISIST, tal como participou, em fins do século passado e começo do atual, do Instituto Internacional de Bibliografia.

É verdade que o Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação aparece numa das publicações do UNISIST côo representante do Brasil. Mas o projeto de Sistema Nacional de Informação Científica e Tecnológica, elaborado pelo IDDB, é, para falar francamente, um amontoado de incongruências, como demonstrou o professor Harold Borko em relatório apresentado à Unesco. Prejudicado por uma constrangedora competição de órgãos governamentais o projeto do SNICT é um documento ambicioso, impreciso e incoerente, como também demonstrou, depois do professor Borko e com sua autoridade de Chefe – na ocasião – da Divisão de Ciência e Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores, o Ministro João Frank da Costa.

São, como vedes, muito complexos os problemas que vos esperam. Não vos resigneis a ser “bibliotecários sentados”, como os caricaturados por Jean-Arthur Rimbaud no poema “Les Assis”, comprovadamente inspirado pelo mal atendimento dispensado ao poeta na biblioteca da sua cidade natal.

Sede, ao contrário, não apenas “bibliotecários de pé”, mas dinamicamente peripatéticos, como os sábios gregos que ensinavam passeando. Mas caminhai sempre de “mãos dadas”, como recomenda Carlos Drummond de Andrade num poema que é canto do trabalho em colaboração péla nossa época.

Aos apelos da comodidade e do conservadorismo, do sossego burocrático e do “laissez-faire” administrativo, respondei, parafraseando o poeta, que não desejais ser um “bibliotecários em um mundo caduco”. Que tendes compromissos com a solução dos problemas biblioteconômicos do nosso país. Que não vos afasteis uns dos outros, para um firme e decisivo trabalho em cooperação: o trabalho “de mãos dadas”.

Discurso lido no encerramento do segundo Curso de Especialização em Minas e Energia, da UnB/PLANFAP, em 30 de abril de 1975.

originalmente publicado no livro Ser ou não ser bibliotecário e outro manifestos contra a rotina

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