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“As bibliotecas podem e devem reverberar o que é a agenda 2030”

Adriana Ferrari, presidente da FEBAB. Foto: Hanna Gledyz / Agência Biblioo

“Desigualdade e Democracia: qual é o papel das bibliotecas?”: é essa a questão que vai nortear a 28ª edição do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (CBBD), organizado pela Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários (FEBAB), que neste ano acontece na cidade de Vitória (ES), nos dias 1 a 4 de outubro de 2019. O evento tem como objetivo discutir o estado da arte da biblioteconomia e da ciência da informação e integrar os profissionais das bibliotecas brasileiras de todas as tipologias: escolares, públicas, comunitárias, universitárias e especializadas.

​Segundo seus organizadores, “o evento é um espaço efetivo de troca, de compartilhamento, de congraçamento, de aprendizado, de rever amigos e conhecer novos, de resistência e de estar numa mesma sintonia, pois todos desejamos que as bibliotecas se multipliquem no território brasileiro e que sejam ainda melhores, tanto em termos de contribuição à sociedade quanto em valorização de sua atuação. “Mais uma vez convidamos todos a refletirem e oferecerem sua colaboração individual para o fortalecimento da nossa área, sempre acreditando que juntos somos mais fortes”, diz o chamado do evento.

Dentre os temais centrais do Congresso estará mais uma vez a Agenda 2030 da ONU, que que tem entre suas metas assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais e aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres, além de garantir que as pessoas, em todos os lugares, tenham informação relevante e conscientização para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida em harmonia com a natureza.

Nesta entrevista, a presidente da FEBAB, a bibliotecária Adriana Ferrari, fala das motivações para se debater temas caráter político, como desigualdade e democracia, num evento para bibliotecários e outros profissionais da informação. Segundo ela, é preciso saber qual é de fato a contribuição da biblioteconomia para uma sociedade melhor. “Se fala muito a respeito do poder transformador das bibliotecas, mas qual é a ação que o bibliotecário está fazendo para que as bibliotecas sejam equipamentos culturais transformadores, libertadores e democráticos?”, questiona.

Por que discutir temas de caráter político, como desigualdade e democracia, num evento para bibliotecários e outros profissionais da informação?

Temos intensificado essa pauta porque acreditamos que a biblioteca faz parte da sociedade. Para tanto, os bibliotecários precisam estar preparados para serem agentes de transformação. Precisamos de fato saber qual a contribuição da biblioteconomia para uma sociedade melhor. Se fala muito a respeito do poder transformador das bibliotecas, mas qual é a ação que o bibliotecário está fazendo para que as bibliotecas sejam equipamentos culturais transformadores, libertadores e democráticos?

É com esse pano de fundo que acreditamos nas discussões de um Congresso como o nosso que quer discutir com todas as tipologias e o que une as bibliotecas. Independente de onde o bibliotecário trabalhe, seja pública, escolar, especializada, o papel que essa biblioteca tem de desempenhar na sociedade e, portanto, cabe ao bibliotecário explicar, defender, fazer o advocacy porque também não pode ter a postura de que faz biblioteconomia e vai prestar um concurso para biblioteca.

De repente você faz biblioteconomia para entender que não tem biblioteca e vai lutar para ter esse espaço, porque entende que uma sociedade precisa das bibliotecas. Nessa pegada temos acompanhado muito o trabalho da Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA) no advocacy pela Agenda 2030. Esse advocacy tem mostrado que temos de dialogar com os outros segmentos da sociedade.

O tema do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (CBBD) do ano passado foi quando comecei a cercar de como seriam os informes voluntários apresentados na Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), que coordena os informes voluntários na Agenda 2030.

Tive a oportunidade de participar desse evento no ano passado e chegando até lá, na conjuntura do impeachment da Dilma Rousseff, recebemos o relatório informando os avanços acerca da Agenda 2030 considerando políticas como o Bolsa Família, e mesmo assim recebemos que os estudos da CEPAL mostra que embora a América Latina e o Caribe não sejam as regiões mais pobres do planeta, elas são as mais desiguais.

Tínhamos articulado com a CEPAL Brasil de levar a pauta das bibliotecas como espaços que podem apoiar e atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030. Conseguimos colocar o fórum paralelo, a Declaração de Santiago foi motivada pelo Brasil. Foi um fato histórico porque o fórum paralelo se deparou com outras entidades do Brasil e da América Latina e como elas trabalham para incidir nas políticas públicas.

Essa é a pegada do CBBD, não podemos dissociar daquilo que está acontecendo, do que faz parte das bibliotecas, não é apenas ser um profissional preparado em todas as disciplinas técnicas, falta essa pauta política do papel da biblioteconomia e do bibliotecário.

Um dos temas que estará na ordem do dia durante o evento será a agenda 2030 da ONU. De que forma as bibliotecas se relacionam com esse tema?

Mapeamos no CBBD de 2017 e fizemos o caderno “bibliotecas por um mundo melhor” que vai ser a nossa marca daqui para frente, porque os objetivos da agenda 2030 não serão cumpridos em sua totalidade e serão postergados, até porque o cenário é este: temos um governo que declarou que não entregou os informes voluntários deste ano e pela fala do presidente na ONU sabemos que isso não vai avançar.

As bibliotecas têm um papel ainda maior de não apenas continuar fazendo os projetos e programas, mas também de reverberar o que é agenda 2030, que o Brasil é signatário e as pessoas têm direito a uma sociedade mais justa, humana e igualitária. Entramos em uma fase em que as bibliotecas podem e devem reverberar o que é a agenda 2030 para a sociedade.

O governo brasileiro tem desenvolvido ações temerárias à liberdade de expressão e ao acesso à informação. Como você avalia essas questões?

Como construir uma sociedade melhor e como trabalhar o que acho ser o principal das bibliotecas e falamos tanto que somos profissionais da informação? Um grande jargão que na verdade não diz nada, uma vez que qualquer pessoa pode ter informação e fazer o que quer com ela. Você transforma a informação em uma verdade e temos com isso a aprovação do Brexit [saída do Reino Unido da União Europeia], a eleição de Donald Trump e infelizmente a [eleição] de Jair Bolsonaro.

As notícias falsas têm se tornado determinantes em processos eleitorais em todo o mundo, inclusive no Brasil. Qual o papel das bibliotecas e dos bibliotecários nesse contexto?

Esses espaços precisam reverberar informações confiáveis, fazer com que as pessoas compreendam o que é informação confiável. Apoiar as pessoas para que elas compreendam “de que lugar?”, “como?”, “o que escutou?”, “o que viu?”. Não disseminar aquilo que você não sabe o que é ou não tem certeza. Apostamos em uma pauta grande sobre fake news, até para chamar a responsabilidade dos ditos profissionais da informação. Não tem como prosseguir se a gente não avançar quebrando essa barreira de que o que está postado é uma verdade.

Estamos vivendo um momento onde temos o segmento religioso ditando o que tem de ser feito, evocando a bíblia ou coisas do gênero, questionando os dados científicos: “a terra é plana e ponto!”. Temos o congresso dos terraplanistas e estamos dentro desse turbilhão. Nada mais importante do que colocar as bibliotecas como espaços seguros de informação confiável, de ajudar as pessoas a refletir, pensar e principalmente porque advogamos que as bibliotecas são espaços das pessoas, e elas precisam estar nesses espaços. As bibliotecas poderiam ter até seus watsapps disseminando informação confiável e dados que façam as pessoas refletirem.

Vamos usar as redes sociais não apenas como um instrumento particular, mas também como uma ferramenta da própria biblioteca. Usar o espaço da biblioteca no combate a fake news. Essa é uma pauta que também está junto e pensamos nas mesas e diálogos com muitas áreas porque a biblioteca não é um reduto da biblioteconomia, ela é um organismo, como diria Ranganathan, um organismo vivo, em crescimento e transformação que está entendendo as manifestações da sociedade e tentando contribuir sempre na defesa da democracia, do acesso gratuito a informação, à leitura, ao documento e à cultura.

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