Entrada do Cine Sonhus /Foto: reprodução
Por Thais Paiva da Carta Educação
Quando Millena Teixeira, 17 anos, começou a estudar no Colégio Estadual Lyceu de Goiânia, uma das escolas mais tradicionais da cidade, atuar na frente de colegas, professores e desconhecidos estava longe de suas intenções. Mesmo tendo sempre se interessado por teatro, a timidez a impedia de colocar a curiosidade em prática. “Sempre fui na minha, nunca gostei muito de atenção, por isso não participava de apresentações”, conta.
Pouco tempo depois, no entanto, a estudante tomou conhecimento do Espaço Sonhus, um projeto que leciona teatro, cinema, percussão, entre outras manifestações artísticas aos alunos, que a fez mudar de ideia. “Achei tudo tão legal, me apaixonei por uma peça que os professores apresentaram e, a partir desse momento, desconstruí a ideia que eu tinha”, lembra a aluna que hoje atua em uma das montagens do grupo.
Desde que o projeto foi criado, em 2013, histórias como a de Millena têm se tornado, felizmente, cada vez mais comuns. Além de aproximar os jovens das artes, a iniciativa tem também o mérito de ocupar espaços antes ociosos da instituição com cultura. Tombado, o prédio datado de 1937 tinha diversos locais em situação de abandono e sua praça anexa estava ocupada por moradores de rua.
Depois da implementação do Espaço Sonhus, um velho auditório transformou-se em um teatro de bolso, a praça ganhou uma grande tenda de circo e também foram criados um estúdio musical, um espaço para saraus, café filosóficos e bate-papos e uma pequena sala de cinema.
Os responsáveis pela sua idealização são os atores-pesquisadores Nando Rocha, Pablo Angelino, Ilka Portela e Jô de Oliveira, ex-alunos do Lyceu e fundadores do Grupo Sonhus Teatro Ritual que, em parceria com a Secretaria de Educação do Estado de Goiás, colocou o Espaço Sonhus de pé.
“Fomos todos colegas de Ensino Médio no Lyceu. Depois, quando nos tornamos um Ponto de Cultura [grupos que desenvolvem atividades culturais em suas comunidades, certificados pelo Ministério da Cultura] precisávamos de uma sede e isso nos levou de volta ao colégio”, conta Nando Rocha.
Na ocasião, a escola estava em um momento de transição, pois passava a integrar as 31 escolas da rede estadual de Goiás em tempo integral funcionando em um modelo diferenciado.
Com aulas das 8h às 17h, essas unidades não só mantêm o estudante em período estendido como também exigem regime de dedicação exclusiva dos professores.“Os docentes contratados nesse regime recebem uma gratificação salarial extra. Mas ainda é um desafio, pois a maioria dos professores da região leciona, por necessidade, tanto no estado como nas redes municipais”, conta Raquel Teixeira, secretária da Educação do estado de Goiás.
A peça Cores, que conta com a atuação dos alunos do Lyceu
Nesse contexto, para além do currículo obrigatório, essas escolas ofertam disciplinas eletivas que, no caso do Lyceu, ficaram sob a responsabilidade do Grupo Sonhus. “A secretaria viabiliza o espaço físico e as adaptações que são necessárias nele, também disponibiliza 10 profissionais indicados pelo grupo para ministrar as atividades e estimula a interação do projeto com o currículo da escola”, explica Raquel.
A cada semestre aproximadamente 100 alunos são envolvidos pelas eletivas. “É escolha do aluno quais matérias vão cursar. Como é uma escola pública, muitos alunos não têm contato com o teatro, então a parceria é um meio de oferecer esse acesso”, explica Edjar Júnior Barbosa, diretor da escola que também chama atenção para as sestas culturais. “Todos os dias, durante a pausa para o almoço, os alunos têm a opção de assistir uma peça, às vezes encenadas pelos próprios alunos, às vezes pelo grupo”, conta.
Os alunos, no entanto, não são os únicos beneficiados. Quando o período letivo termina, o colégio passa a ser um ponto de cultura para a comunidade. São encenadas peças, shows, apresentações de música, aulas de dança de salão, mostras temáticas, entre outras atividades. Grande parte delas são gratuitas e acontecem de segunda a domingo, ofertando uma programação bem diversificada. “Por estarmos no centro da cidade, a programação é muito procurada”, relata Barbosa.
Rocha destaca ainda que, por meio do projeto, os alunos da escola e demais moradores de Goiânia têm a oportunidade de conhecer muitos artistas nacionais e, até mesmo, internacionais. “Grupos de diferentes partes do Brasil e de outros países fazem temporada no nosso teatro. O espaço tornou-se um verdadeiro pólo cultural ativo”.
Sobre a importância de promover esse contato entre as artes e os jovens, Nando diz: “Acredito no poder transformador da arte de sensibilizar o ser humano para torná-lo um cidadão mais receptivo, mais aberto, que melhor se relaciona com os outros”.
Esses efeitos, acrescenta Rocha, são perceptíveis no cotidiano escolar. “A gente vê alunos que antes não encaravam ninguém olhando os outros nos olhos, jovens que tinham problemas em casa se relacionando melhor com suas famílias, estudantes que passaram a aceitar sua aparência física, etc. A arte soma àquilo que acontece em sala de aula, pois abre a percepção de mundo do jovem, seu autoconhecimento”, diz.
Comentários
Comentários