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Ação censória no regime militar

Conta-se que na invasão da Universidade de Brasília, por conta da instauração do regime militar, ocorrido a partir de abril de 1964, os militares confiscaram como indícios de subversão, entre outras obras, O vermelho e o negro do escritor francês Stendhal (1783 – 1842), pois se era vermelho, só podia ser comunista. Iniciava-se ali uma perseguição que iria atingir um dos principais elementos de resistência em toda história do autoritarismo, não só no Brasil, mas no mundo: o livro.

Os personagens

Após renúncia de Jânio Quadros em 1961, João Goulart tomou posse como presidente do Brasil, implementando reformas consideradas polêmicas, fazendo com que cada vez mais movimentos esquerdistas ganhassem força, fato esse que elevou a preocupação de certos grupos conservadores, que não satisfeitos com o rumo que a nação tomava, começaram a planejar a queda do atual governo. Tropas se manifestaram nas ruas, enquanto documentos pediam a destituição do presidente. Goulart, mediante a situação insustentável em que se encontrava e temendo ações ainda mais drásticas dos opositores, exilou-se no Uruguai e mais tarde na Argentina, onde permaneceria até sua morte em 1976.

Essa fase da história do Brasil se caracterizou pelo revezamento dos militares no poder, amplamente conhecido por regime militar. Foram cinco presidentes no total: Castelo Branco (15 de abril de1964 a 15 de março de 1967); Costa e Silva (15 de março de1967 a 31 de agosto de 1969); Garrastazú Médici (30 de outubro de1969 a 15 de março de 1974); Ernesto Geisel (15 de março de1974 a 15 de março de 1979) e João Baptista Figueiredo (15 de março de1979 a 15 de março de 1985). No período compreendido entre 31 de agosto de1969 a 30 de outubro de 1969, uma junta militar governou o país.

Estes tiveram como base de governo uma ferrenha forma de inibição e controle da informação, fazendo com que uma grande quantidade de conhecimento fosse perdida. Entre as medidas adotadas estava a proibição de opiniões contraditórias às do governo, e quem ousasse expor alguma insatisfação ao regime imposto, era considerado inimigo do governo e perseguido.

Censura à produção impressa

A censura na ditadura foi uma das mais atuantes e severas da história, sendo que toda e qualquer produção impressa era vigiada de perto pelos censores, cuja intolerância era sua principal característica. Nesse período muitos livros foram censurados até mesmo antes de serem impressos e em alguns casos se proibia a veiculação de uma obra simplesmente pelo título. É claro que isso prejudicava bastante as editoras da época, tanto de livros, quanto de jornais e revistas, que financeiramente perdiam muito com a proibição do lançamento de seus materiais, ou a retirada dos que já estavam em circulação.

Com a criação do decreto-lei n. 1.077 de 26/01/1970, onde se instaurou a censura prévia, a situação ficou ainda mais complicada, pois era permitido aos censores entrar nas redações e editoras para fazer fiscalizações, e qualquer tentativa de tornar públicas informações importantes e as verdades sobre o que ocorria no país, era rapidamente frustrada pelos censores. Algumas editoras eram obrigadas a enviar a Brasília uma boa parte de seus materiais, para que fossem examinados, o que despedia tempo e dinheiro, pois eram os próprios editores que arcavam com o custeio do transporte. No caso de periódicos, o problema era ainda maior, pois alguns materiais eram devolvidos apenas um dia antes de sua publicação, e era somente nesse tempo que os editores tomavam conhecimento do que havia sido censurado. O tempo para modificá-las era tão curto, que em algumas partes as edições contavam com textos improvisados e sem sentido, ou até mesmo áreas em branco, o que afetava diretamente a qualidade das publicações.

Não há números exatos e nem mesmo lista com levantamento de livros censurados durante os chamados “anos de chumbo” no Brasil, mas calcula-se que mais de quinhentas obras tenham sido impedidas de circular. Dentre elas estão Feliz Ano Novo e O cobrador de Rubem Fonseca; Zero de Ignácio de Loyola Brandão; Dez histórias imorais, de Aguinaldo Silva; Em câmara lenta, de Renato Tapajós; Mister Curitiba, de Dalton Trevisan; Barrela, peça teatral de Plínio Marcos; O mundo do socialismo, de Caio Prado Júnior; além das obras de Che Guevara, como Citações do Presidente Mao Tse-Tung e Nossa luta em Sierra Maestra, dentre muitos outros. Algumas destas obras sofreram proibições não por críticas diretas ao governo, mas sim por apresentar em seu conteúdo um caráter comunista, e qualquer menção a este tema fazia da obra algo inconveniente ao regime e sujeita a sanções rigorosas.

As proibições eram feitas na maioria das vezes com a desculpa de que tais obras atentariam contra a moral e contra os bons costumes da sociedade brasileira, e que por isso colocavam em perigo a “segurança nacional”, tanto que os livros apreendidos eram tidos como provas materiais de uma trama contra o regime, e seus autores geralmente considerados potencialmente perigosos. Esses fatos tiveram influência direta no aparecimento de editores alternativos, que sem a liberdade de escrever sobre certos assuntos, se viam obrigados a agir clandestinamente e serviam como ponte entre a verdade e a sociedade.

A censura na América Latina

A ditadura militar não ficou limitada exclusivamente ao nosso país. Saindo do Brasil, mas permanecendo na região latina, vários outros países como Cuba, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, sofreram com a tirania de governos autoritários.  E a ascensão dos militares ao poder teve a mesma causa que a brasileira e coincidiu com o mesmo período histórico: a época em que, impulsionados pelos ideais comunistas, revolucionários de vários países latino-americanos tentaram tomar o poder, e a elite, preocupada com a falta de controle, não apenas da sociedade, como também da economia, apoiou movimentos liderados por forças conservadoras que aplicavam golpes de Estado, chegando ao poder, e a partir daí implementando o medo como forma de governo. O comando do país era em geral tomado à força, ou seja, com o emprego da violência, e nunca de maneira democrática, e sempre se apoiando em ideais anticomunistas.

A censura aos livros nesses países, durante esse período, seguiam os mesmos parâmetros, pois eram em rigor, obras que apresentavam em seu conteúdo ideais comunistas, ou que simplesmente faziam alusão a tal tema; havia aquelas que teciam críticas diretas ao governo, mas eram prontamente destruídas, além disso, também eram poucos os escritores dispostos a falar contra o governo.

Um país sem memória

 

Em todos os governos ditatoriais, a censura teve papel marcante como período de intolerância e controle, e mais do que isso, de perda de uma grande quantidade de obras, memórias que se perderam para sempre, ferida aberta no curso da história do país que não tem como cicatrizar. Líderes que usavam a força e o controle para manter uma nação alienada diante do horror de seu governo, que mantinha em sigilo, informações que poderiam inflamar a multidão, e derrubar a sua liderança, tirá-los do poder. Eles tinham noção do poder de uma palavra e por isso as temiam tanto, e tratavam como inimigo qualquer um que demonstrasse o mínimo conhecimento de suas atrocidades, ou insatisfação diante de seus atos. Documentos escondidos, ocultos, perdidos e destruídos para sempre, formam um buraco na memória social de um país. E o que é um país sem sua memória? O que é um país sem seu passado?

A ditadura foi mais do que uma forma autoritária de governo, pois ainda é uma ferida de difícil cicatrização; é um mal para sempre gravado nas lembranças não só de quem viveu o horror dessa época, como de quem vive hoje, e tem a noção da grande mancha em nossa história; mancha essa deixada como herança de um período que será sempre lembrado como um marco de censura à liberdade de cada indivíduo, privando o homem daquilo que é inerente a ele, ou seja, a busca pelo conhecimento.

Hoje temos nossos direitos protegidos por lei, temos nossas bibliotecas como um espaço privilegiado de proteção e difusão do conhecimento humano, e nossos arquivos para recordar nosso passado, e é preciso dar muito valor a tais coisas, pois foram necessárias muitas perdas para que essas conquistas se efetivassem.

 

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