Com o falecimento do cineasta Nelson Pereira dos Santos, o que aconteceu em abril deste ano, abriu-se uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL). Em função disso, iniciou-se uma mobilização na internet, com dois abaixo-assinados virtuais, para que a escritora Conceição Evaristo, reconhecida pela sua militância em favor da causa negra, fosse conduzida ao posto vago. Somadas, as petições chegaram a quase 50 mil assinaturas (ver aqui e aqui).
Nas redes sociais, diversas personalidades se manifestaram em favor da escolha da escritora para ocupar a cadeira cujo o patrono é Castro Alves. “Ela é uma das minhas escritoras favoritas, sou apaixonada pelos seus livros e sua história. Quem não a conhece ainda, tá ai uma ótima oportunidade. Sua vivência e sua obra merecem ser reconhecidas, precisam inspirar tantas outras mulheres a seguir na literatura. Sei que não temos poder de voto, mas podemos manifestar nosso desejo”, disse à época a atriz Taís Araújo.
Mas mesmo com tantos apelos, a Academia resolveu negar a vaga à escritora que poderia ser a primeira mulher negra a ocupar um assento na mais alta instituição literária nacional. Vagner Amaro, que é editor da escritora, sugere que a eleição da escritora mineira poderia ter representado um aceno da ABL, indicando que a instituição se importa com este envolvimento popular na sua dinâmica de composição de quadros.
O vencedor foi o também cineasta Cacá Diegues, que recebeu 22 votos, dos 24 imortais presentes à solenidade.
ABL tem histórico conservador
Conceição Evaristo não é a primeira pessoa a sofrer a ira do conservadorismo da ABL. Mulato, pobre, mas louvado pela crítica desde 1911, quando publicou Triste fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto bateu três vezes nas portas da Academia, todas sem sucesso, lembrou uma reportagem recente da Revista Época.
A primeira delas foi em 1917, quando escreveu a Rui Barbosa uma carta se colocando como candidato à vaga aberta com a morte do advogado e diplomata Sousa Bandeira. A candidatura nem sequer foi acatada, sob a alegação de que Lima Barreto não cumprira o protocolo da inscrição formal.
Na ocasião quem ficou com a vaga foi o também diplomata Hélio Lobo, vindo de uma família de juristas ilustres. “Lima Barreto não tinha o perfil de acadêmico. Era boêmio, andava malvestido, vivia bêbado e volta e meia internado em hospitais psiquiátricos”, afirmou o acadêmico Alberto Venancio Filho.
No início dos anos 1980 a romancista Diná Silveira de Queirós teve sua inscrição indeferida pelo então presidente da Academia, Austregésilo de Athayde, sob a alegação de que as cadeiras da instituição só poderiam ser ocupadas por escritores do sexo masculino. Tempos depois Diná se tornaria a segunda mulher a ocupar uma cadeira na ABL, em sucessão a Pontes de Miranda.
Conceição Evaristo
Com diversas obras publicadas, entre romances, contos e poemas, Conceição Evaristo é mineira de Belo Horizonte, nascida na Favela do Pendura Saia. Nos estudos só concluiria o Normal aos 25 anos, indo depois para a graduação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-RIO) e doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF).
A escritora lançou em junho de 2016 o livro de contos “Histórias de leves enganos e parecenças” (Editora Malê) e em 2017 teve reeditados todos os seus títulos que estavam fora de catálogo (Ponciá Vicêncio, Becos da Memória, Insubmissas lágrimas de mulheres e Poemas da recordação e outros movimentos), além de ter sido tema da Ocupação do Itaú Cultural (SP) e participado na programação principal da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty.
Conceição Evaristo foi agraciada no ano passado com o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura pelo conjunto da sua obra. Também em 2017 ela venceu o Prêmio Faz Diferença na categoria prosa. Já em 2018, a escritora faturou o Prêmio Bravo e foi mais uma vez destaque da Flip.
“A sociedade brasileira tem uma dívida com todos nós. As exceções confirmam as regras. Que regras são estas da sociedade brasileira que aos 71 anos é que uma mulher negra consegue uma visibilidade dentro da literatura? Ainda bem que eu tive forças, mas muitas pessoas ficam pelo caminho, porque é preciso um esforço supra-humano”, disse Conceição em entrevista concedia essa semana à Biblioo.
*Esta reportagem foi atualizada às 21h para acrescentar informações.
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