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A felicidade conjugal como medida do precipício

filme Kramer texto

Foto: Divulgação

Prédios altos, elegantes e finamente ornados pelos bolsos ricos de Manhattan. Restaurantes que servem pratos a peso de ouro, lojas luxuosas e pessoas metidas em ternos e tailleurs cujos preços variam entre uma moto ou um carro popular. Indivíduos que caminham apressados para gastar suas rendas em artigos e atividades ridicularmente caros. É nesse ambiente que o publicitário Ted Kramer (Dustin Hoffman) mora e trabalha. Ex-morador do Brooklyn, Ted ostenta uma vida de sucesso profissional, cercada por horas extras, happy hour e contas milionárias. Em uma das primeiras aparições de Ted, acompanhamos sua exaltação por ser o responsável por uma das contas mais valiosas da agência em que trabalha. Tudo se resume à alegria e vitória. Até que Ted volta para casa, um apartamento de classe média alta, e encontra sua esposa Joanna (Meryl Streep), chorosa e perturbada. Naquele momento, ela estava prestes a tomar uma das decisões mais difíceis de sua vida: abandonar o marido, toda a vida que conhece e, junto com as certezas, o pequeno Billy (Justin Henry), o filho de sete anos do casal.

Assim começa a trama de Kramer vs. Kramer (1979), premiado filme do diretor Robert Benton. O drama é uma adaptação do romance homônimo do escritor Avery Corman que, fazendo uso dos complicados fios da teia de aranha cotidiana, retrata as diferentes zonas de conflito vivenciadas por uma família em desconstrução. Com o abandono da mulher, Ted se vê às voltas com a criação de um filho que nunca acompanhou. Somado a isso, o publicitário precisa conciliar afazeres domésticos com os trabalhos na companhia, já que recebeu a incumbência de garantir o sucesso empresarial.

Observamos as trapalhadas de um pai que, até então, não sabia ser pai; nos divertimos com sua confusão ao tentar fazer o café da manhã do filho (pobre Billy!) ou conviver com sua infância, tentando não culpabilizar ou mortificar o garoto. No começo, as pedras despencam: Billy chora pela mãe ao mesmo tempo em que ensina ao pai quais os produtos são os habituais na despensa da casa. Acompanhamos os resmungos ingênuos de Billy, esquecido em uma festa de aniversário, ao não entender porque é o último a ir embora – ele ignora os compromissos do pai. Corremos junto com Ted Kramer do trabalho para casa, sem deixar de gargalhar nas cenas hilárias que irrompem no longa, como na ocasião em que Ted carrega uma sacola cheia de compras pelo corredor da empresa, equilibrando caixas de frango e potes de sorvete.

Ted perde as esperanças no retorno da esposa quando chega uma carta endereça ao filho. Nela, Joanna diz que sente falta do garoto, mas que não vai voltar. Desse ponto em diante, no meio de tantos conflitos de adaptação, percebemos como Ted e Billy começam a se unir, a interagir e encontrar pontos de conexão antes camuflados pela ausência do pai. De profissional incansável, que veste até os ossos a camisa da empresa, acompanhamos um Ted preocupado com o bem estar do filho, que se torna sua prioridade. Como no mundo da iniciativa privada não há espaço para urgências afetivas e horas gastas com “lazer”, Ted é lançado para fora da companhia. O desemprego vem acompanhado do retorno de sua esposa que, estabelecendo moradia na cidade há dois meses – depois de dezoito de ausência -, pede para ver o filho e avisa que vai lutar pela guarda.

É nesse ponto que o litígio começa, tanto entre os personagens como entre os espectadores. De um lado, há aqueles que apoiam Ted Kramer, sensibilizados por sua mudança, sua entrega, seu apego ao filho e sua reviravolta de vida. Do outro, há os que defendem Joanna, uma mulher devastada por um casamento infeliz, um marido ausente e uma vida fincada nas tarefas de dona de casa. Antes de casar, Joanna trabalhava, tinha aspirações, ideais. Com a perda de sua identidade, ela precisou sair em busca de si mesma. Esse é o conflito da geração norte-americana que chegou aos anos 1980 submersa em um estilo de vida urbanoide, superficial, com valorização máxima das últimas tendências da moda. A distância marca a relação entre marido e mulher e as visitas ao terapeuta são intensificadas.

As cenas do julgamento protagonizam questões dignas de reflexão na esfera do Direito de Família: atendendo aos requisitos básicos, a guarda do filho menor de idade deve ser preferencialmente da mãe? Há fatores que possam atenuar o ato do abandono? Um pai que assuma suas responsabilidades e seja presente não tem direito à guarda? Quais são os papéis femininos e masculinos? Ainda existem papéis específicos?

Lembrando que o filme foi lançado em 1979, declarado pela ONU como o Ano Internacional da Criança, e que também foi marcado pela posse de Margareth Thatcher ao cargo de primeira ministra do Reino Unido (a primeira mulher a ocupar o posto) e o lançamento do álbum The Wall, da banda britânica Pink Floyd, o debate trazido por Kramer vs. Kramer não ficou isolado. Com inúmeras premiações festivais afora, o longa-metragem continua atual na crítica à estratificação de papéis familiares e na busca por novos entendimentos sobre o que é ausência e o que é presença.

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