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100 anos de Biblioteconomia no Brasil

RIO – A história da Biblioteconomia se confunde com a história da própria produção de registros do conhecimento e com a necessidade intrínseca de salvaguardar e recuperar esses registros. A Biblioteconomia então ocupa um lugar na sociedade antes desta conceder-lhe um nome. O surgimento das primeiras bibliotecas em um movimento iniciado no Oriente durante a Idade Antiga até uma expansão mais significativa pelo ocidente já durante a Idade Média. Podem ser citadas, ainda na Antiguidade, a biblioteca de Alexandria e a de Pergamo, como as propulsoras do que viria a se transformar no formato tradicional de biblioteca.

Um grande salto na evolução das bibliotecas e da Biblioteconomia se deu com a mudança ocorrida na produção do livro após a introdução da imprensa no século XV. Diante do aumento na quantidade e na variedade das obras, há também um aumento nos acervos das bibliotecas. E a partir desta nova situação, inicia-se uma maior reflexão sobre o assunto, tendo inclusive a publicação dos primeiros livros abordando a rotina das bibliotecas.

Já no século XIX, há uma popularização das bibliotecas, vez que é nesse período que há uma propagação das bibliotecas públicas. Neste momento ocorreu uma maior reflexão sobre o fazer bibliotecário dando origem a publicação de diversas obras especializadas na área, destacando-se entre elas a Classificação Decimal deDewey – CDD. Há um delineamento do campo de estudo e da profissão do bibliotecário dentro das primeiras escolas de formação de bibliotecários: École de Chartes criada em Paris no ano de 1821 e School of Library Economy criada em Nova York no ano de 1887.

Primeiro curso do Brasil e terceiro no mundo

O terceiro curso para formação de bibliotecários só nasceria quase vinte cinco anos mais tarde no Brasil. Marcos Miranda, professor e ex-diretor da Escola de Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, esclarece que a Biblioteconomia no Brasil surge, de certa maneira, vamos dizer assim, como ciência, como fazer, como instituição”. Miranda destaca que “se nós formos pensar na institucionalização da biblioteconomia enquanto uma área de formação profissional, nós podemos pensar na Biblioteca Nacional, que vem a partir (isso está na história) da vinda da Família Real [em 1808] para o nosso país”.

A história do acesso à leitura e aos livros em um país que foi colônia constitui um processo longo e conturbado e o caminho percorrido até a conquista do primeiro curso de Biblioteconomia não é diferente. Por três longos séculos, os livros existentes no país se restringiam às bibliotecas organizadas pela Companhia de Jesus e acervos particulares daqueles que iam estudar na Europa. A situação começa a mudar com a chegada da Real Biblioteca Portuguesa que é trazida três anos depois de ter todo o seu acervo encaixotado esquecido no porto durante a fuga da família real portuguesa para colônia em 1807.

Enquanto a Real Biblioteca Português se expandia em sua primeira sede no hospital da Ordem Terceira do Carmo, outras bibliotecas surgem e experimentam também o rápido crescimento, fossem elas particulares, de conventos ou de intuições de Ensino Superior. Apenas um século mais tarde, após a segunda transferência da Biblioteca Nacional em 1910 para sua atual sede, inicia-se a organização de um curso para a formação de bibliotecários, visando a educação de profissionais para compor o seu quadro técnico. Sua grade seguia o exemplo da École de Chartes, primando pelo cunho erudito da profissão.

A criação do primeiro curso de Biblioteconomia e sua posterior expansão para ser um curso mais geral e não apenas para funcionários da biblioteca, impulsiona a criação de outros cursos e também um avanço no delineamento do que é o profissional bibliotecário no país. Assim em 1938, há a concretização da primeira associação profissional, a Associação Paulista de Bibliotecas e sua posterior filiação à Federação Internacional de Documentação (FID) e à Association of Special Librarie and Information Bureaux (ASLIB). O avanço da classe profissional pode continuar a ser observado pela importante conquista de 1958, quando a Biblioteconomia é reconhecida como profissão liberal de nível superior.

As transformações institucionais

Em meio a um contexto de censura e repressão gerado pela ditadura desde meados da década, em 1969, tem-se a criação da Federação das Escolas Isoladas do Estado da Guanabara (FEFIEG), que passaria a se chamar Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado do Rio de Janeiro (FEFIERJ) a partir de 1975, onde, reunido com mais seis estabelecimentos, estava o Curso de Biblioteconomia da Biblioteca Nacional. Anterior a esta mudança de nome já havia a idéia de que a Federação se tornasse uma universidade, mas é apenas a partir de 1975 que se inicia essa transformação que teria sua conclusão, depois de alguns anos de conflitos internos e externos, em 1979, passando a Universidade do Rio de Janeiro e mais tarde Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

Em paralelo aos avanços do primeiro curso de Biblioteconomia, há também os avanços do profissional bibliotecário, que, entre as décadas de 1960 e 1980, ganha sua regulação através da promulgação de leis que tratam tanto do exercício profissional e de um Código de Ética, quanto da aprovação de um currículo mínimo para os cursos de Biblioteconomia para garantir o ensino do corpus de conhecimento considerado indispensável para o exercício da profissão. Neste currículo observa-se a grande influência do modelo americano muito preocupado com a técnica, que chegou ao país através do curso de Biblioteconomia do Instituto Mackenzie, criado em 1929, hoje na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP).

Em 1982 publica-se o novo currículo mínimo. Este novo modelo se propunha a ser multidisciplinar, preocupando-se com a organização dos documentos e com o tratamento da informação de modo que o usuário pudesse ser o seu eixo central. De acordo com Miranda, “Esse currículo mínimo, vamos dizer assim, foi uma diretriz do governo, especificamente do Ministério da Educação e da Cultura, utilizada em todos os cursos superiores do nosso país. É muito interessante porque o MEC estabeleceu um currículo mínimo, e cada curso tinha seu currículo pleno”. A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, tornam-se extintos os currículos mínimos, sendo adotadas agora as Diretrizes Curriculares Nacionais, que tem como objetivo orientar a organização dos Currículos nas IES, mas sem instituir obrigatoriedade de disciplinas.

As Diretrizes Curriculares estabelecidas para o curso de Biblioteconomia, em 2001, enfatizam a proficiência, a criatividade, a busca de aprimoramento contínuo e a capacidade de observar padrões éticos de conduta, como características fundamentais para o perfil do bibliotecário. Quanto ao conteúdo dos currículos, as orientações presentes nas Diretrizes Curriculares sinalizam para que ele seja distribuído entre a formação geral (envolvendo elementos práticos e teóricos) e a formação específica ou profissionalizante (que constitui o núcleo básico da formação do bibliotecário). Ainda aborda que os cursos deverão adotar uma perspectiva humanística para os projetos acadêmicos de modo que eles agreguem um sentido social e cultural.

A UNIRIO se aproxima hoje de seus 42 anos de existência, mas seu curso de Biblioteconomia iniciado na Biblioteca Nacional completa 100 anos. A luta do bibliotecário e do ensino da Biblioteconomia ainda está longe de acabar, mas ao longo do caminho somam-se quarenta cursos de ensino superior na área que dividem-se em diversas linhas de pensamento entregando à sociedade bibliotecários preocupados com as demandas sociais, culturais e tecnológicas.

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