Por Alberto Villas da Carta Capital

Nunca tive o menor tino pra ser vendedor. Sempre achei-me incapaz de vender qualquer coisa. Nem mesmo uma Ferrari vermelha zero bala, se me dessem pra vender por cem reais, eu conseguiria. As pessoas argumentariam que o IPVA de Ferrari é muito caro, que aquele carrão não iria caber na garagem, outros diriam que  atrai ladrão.

A única coisa que consegui vender na vida  foi, no século passado, um Fiat 147, creme, modelo 74 e a preço de banana. Vendi para uma jornalista amiga, mas com um pé atrás, temeroso que ela ligasse no dia seguinte reclamando da ferrugem no piso, do limpador de para-brisa meio devagar ou que aquele carrinho bebia muita gasolina.

Ela não ligou, sumiu do mapa. Só fui reencontrá-la outro dia no Facebook, mas não tive coragem de perguntar por aquele Fiat 147, placa UO 9138, lembro bem.

Nunca passou por minha cabeça, abrir um comércio. Ninguém entraria na minha padaria  – é o que eu imagino – pra comprar um pãozinho francês, um litro de leite, um quindim. Tenho certeza que nem mesmo uma mosca entraria para pousar no pão doce.

Por isso, nunca entro numa loja, experimento roupas e mais roupas e saio sem comprar nada. Acabo comprando qualquer coisa, com dó do vendedor. Tenho dó de vendedor. Resumo da ópera: Comércio, tô fora!

Quando passo em frente a uma loja e vejo o vendedor ali parado, quieto, com a cara meio triste, tenho vontade de entrar e comprar qualquer coisa. Seja um parafuso, um sapato, um cueca, um colchão. Dos vendedores de colchão são os que mais tenho pena. As lojas não tem nada de atrativo, a não ser meia dúzia de colchões em exposição. É triste. De tempos em tempo, um entra, dá uma apalpada, às vezes senta e vai embora.  Imagino que ser vendedor de colchão não deve ser fácil.

Mas tem um vendedor que me impressiona e muito. É o vendedor de livros. Já percebeu? Ele não para quieto um minuto sequer. Nunca entrei numa livraria e vi um vendedor parado, de braços cruzados, esperando um cliente, um leitor.

Outro dia cheguei na Livraria da Vila, no momento em que eles estavam abrindo suas portas. Fui o primeiro a entrar e assim que coloquei os pés lá dentro, os vendedores já estavam zanzando pra lá e pra cá. Como dizia o meu avô, parece que comeram bicho carpinteiro.

Eles ficam circulando com pilhas de livros nas mãos, de um canto pro outro. Quando colocam a pilha no lugar, em seguida já ajeitam um livro aqui, outro ali. Não param de colocar livros nas prateleiras e a impressão que dá, é que aquela livraria nunca vai ficar arrumadinha, pronta, esperando os clientes.

Nos poucos minutos que fiquei ali na Livraria da Vila, um vendedor, depois de ajeitar o imenso livro de fotografias de Linda McCartney, colocá-lo de pé e bem à vista, ele percebeu que a pilha de livros Berlim: 1961, de Frederick Kemp, estava fora do lugar. Empilhou um a um.

Enquanto isso, outro vendedor chegou com cinco exemplares do livro Outras Cores, do turco Ohran Pamuk e colocou no lugar onde estavam dois livros de capa branca, que não deu pra ver o título. Foi lá pra dentro com os livros de capa branca, voltou em seguida com uma pilha de Kaos Total, de Jorge Mautner e ficou procurando um bom lugar para empilhar os livros do poeta de Rock da Barata.

Enquanto isso, uma vendedora atendia um cliente, consultando no computador se tinha chegado o livro Espada de Vidro. Ainda não. Perguntou se queria encomendar. Enquanto digitava nome e CPF do cliente, a vendedora já estava de olho no livro A Noite do MeuBem, do Ruy Castro, que estava de cabeça pra baixo na pilha dos mais vendidos. Assim que a cliente foi embora, a vendedora foi lá e colocou A Noite do meu Bem de cabeça pra cima.

No outro compartimento da livraria, ali sim o caos era total. Pensei que estavam fazendo uma grande arrumação mas não era não. Os vendedores estavam simplesmente colocando um pouco de ordem na bagunça, ajeitando um livro aqui, outro ali.

“Esse livro de marketing não é aqui, é naquele balcão”, disse um vendedor. O outro pegou a pilha de livros de marketing e foi colocar no lugar certo. No meio do caminho, viu que tinha apenas um exemplar do novo Alain de Botton no balcão ao lado e foi lá dentro buscar mais alguns exemplares.

Meu Deus! O vendedor de livraria não para quieto um segundo. Enquanto um subia no banquinho para pegar lá O Livro dos Símbolos, numa luxuosa edição da Taschen, o outro já ia fazendo uma pilha desses livros bem na entrada da livraria.

Esse trança trança começa assim que a livraria abre e só acaba quando ela apaga as luzes. Fico aqui pensando com os meus botões: Será que, no final do dia, quando o vendedor de livros chega em casa, ele para? Coloca um vinho na taça, senta no sofá, coloca os pés no pufe e pega um livro pra ler, sossegadamente?

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