Por Magali Machado, do 

Uma das personalidades mais atuantes na área de Ciência da Informação é, sem dúvida, Tiago Murakami. O incansável bibliotecário aplica sua visão macro para detectar as melhores ações no uso da informação na grande rede. Compartilhar e colaborar são verbos naturais para Murakami: criou o repositório RABCI, mapeou repositórios institucionais das unidades de ensino superior e estuda também métricas de informações científicas na web. “Colaboração é fundamental”, afirma Murakami.

Primeiro, uma breve apresentação da sua carreira.

“Em 2000, prestei vestibular para Biblioteconomia, porque no manual do vestibular dizia que o bibliotecário poderia trabalhar com a Internet. Entrei na USP em 2001 e me formei no meio de 2006. Neste período, trabalhei como analista administrativo na Biblioteca Jurídica do Banco Itaú e participei de muitos encontros de estudantes (ENEBDs e EREBDs). Participar de encontros estudantis me abriu muitas portas, me possibilitou ver uma Biblioteconomia bem diversificada e me possibilitou conhecer muitas pessoas bacanas da área, por isso, nunca deixo de citar os encontros na minha formação. Neste período, por conta desta interação, pude participar do Blog Bibliotecários sem Fronteiras (BSF) e criar o Repositório Acadêmico de Biblioteconomia e Ciência da Informação (RABCI). Depois de formado, passei no concurso para a Prefeitura do Município de São Paulo, onde trabalhei no CEU Butantã por um ano. Depois, por causa do BSF, fui convidado para ser Diretor de Biblioteca na Biblioteca Pública Municipal Manuel Bandeira da Prefeitura de São Bernardo do Campo, onde passei 3 ótimos anos. As bibliotecas públicas enfrentam muitas dificuldades e trabalhar nelas é difícil, mas também muito gratificante. E por último, passei no concurso para a Universidade de São Paulo, onde trabalhei inicialmente no projeto do Repositório Institucional (Biblioteca Digital da Produção Intelectual – BDPI) e atualmente estou Chefe Técnico de Divisão na Divisão de Gestão do Tratamento da Informação do Departamento Técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas, divisão responsável pelo gerenciamento do módulo de catalogação do banco de dados DEDALUS, pela gestão do Vocabulário Controlado do SIBiUSP e pela Biblioteca Digital da Produção Intelectual. Também cursei a graduação em Administração Pública na Universidade Federal de Ouro Preto pela Universidade Aberta do Brasil, mas não consegui concluir o curso. Fazendo um balanço rápido, trabalhei em biblioteca especializada jurídica, em bibliotecas públicas e só fui trabalhar com internet agora em 2013 na USP.”

Como surgiu a ideia de criar o RABCI?

No ENEBD de Recife em 2002, participei de um minicurso de uso de ferramentas para a gestão de bibliotecas digitais. Percebi que era possível criar um repositório usando essas ferramentas por um custo muito baixo. O RABCI surgiu com a idéia de compartilhamento de trabalhos de disciplinas, com os alunos compartilhando trabalhos com os alunos dos anos seguintes. Mas na realidade, o RABCI começou a receber trabalhos de conclusão de curso, artigos e trabalhos apresentados em eventos. Importante salientar que todos os trabalhos depositados no RABCI foram depositados por vontade dos autores, que viram no RABCI uma oportunidade de compartilhar com a comunidade o que eles produziram. Esse é o espírito.

Por que você escolheu o DRUPAL ? Quais as outras opções que você considerou?

O RABCI começou no OJS/SEER. Eu adaptei para o repositório, mas conforme as coisas foram acontecendo, essa adaptação começou a apresentar problemas e por isso fui atrás de alternativas. Durante um tempo, usei o Plone e até o Wikindx, mas depois que usei o Drupal pude perceber que era a alternativa mais viável, eficiente e fácil de customizar.

Desde a sua criação até hoje, como você avalia o desempenho do RABCI? Atendeu às expectativas iniciais?

O RABCI começou como um repositório em que eu ficava insistindo para que os meus amigos depositassem seus trabalhos. Hoje as pessoas buscam o RABCI para divulgar espontaneamente. Ele tem 428 trabalhos que tiveram no ano de 2014 182.489 downloads. São números grandes. Ele até ocupa um heróico 25º lugar no Brasil do Ranking Web of Repositories. É um projeto que eu acredito muito, manterei ele no ar durante o tempo que eu conseguir.

Você tem continuado o monitoramento do panorama dos repositórios institucionais das instituições de ensino superior? Alguma tendência?

Uma questão anterior é que todos os levantamentos de dados que faço e que acredito que possam ser úteis para alguém eu procuro que sejam compartilhados, tornando-os públicos. O monitoramento do panorama dos repositórios institucionais das IES foi realizado aqui na USP para que pudéssemos conhecer melhor todas as iniciativas de repositórios no país e com isso fazer um repositório melhor para a nossa instituição. Ele está sendo atualizado sempre que identificamos um novo repositório. Em relação a tendência, os repositórios por natureza ajudam a divulgar o que a instituição tem de único, que é a sua produção científica. Isso está sendo cada vez mais valorizado nos dias atuais e com isso, a tendência é que os que existem cresçam mais e que sejam criados mais repositórios. E acaba acontecendo de faltar muitos profissionais que conheçam as particularidades deste nicho e ele se torna um mercado interessante para nós.

Como as instituições de ensino superior particulares têm explorado repositórios e biblioteca virtuais/digitais? Há investimento nestas ferramentas? Quais sistemas são mais utilizados?

Em um mundo em que o impacto da produção científica tem muito valor, os repositórios consequentemente tem um grande valor para as instituições que os mantêm. É interessante perceber que a melhor ferramenta para a gestão de repositórios é o DSpace, um software livre. O fato de ser um software livre muda bastante o modo de como ele é gerenciado. Não dá para comprar um DSpace pronto, é preciso que a instituição mobilize analistas de tecnologia da informação e bibliotecários para que possam se dedicar na customização e adaptação do software. E podemos ver claramente que o bibliotecário precisa se envolver mais, não mais gerenciando um contrato de software, mas fazendo parte de seu desenvolvimento. Pelo menos nas bibliotecas universitárias e especializadas, somente conhecimento básico de informática fará que o bibliotecário tenha uma atuação limitada. É preciso conhecer mais.

Seu mais recente artigo é sobre “Exploração colaborativa através do compartilhamento de dados de citações do Google Scholar”. A colaboração veio para ficar, é fato. Isto já é mais visível na área acadêmica?

Este artigo é uma aplicação prática do compartilhamento de dados. Ele se refere a metodologia de extração de dados de citações do Google Scholar e o compartilhamento do dados resultantes para que possam ser explorados pela comunidade da biblioteconomia, por se tratar de dados sobre as citações recebidas pelas revistas da área. A ciência está se tornando mais colaborativa e isso tem que ser uma premissa para o bibliotecário que trabalha neste meio. Os dados de pesquisa estão cada vez mais compartilhados e as pesquisas estão sendo feitas em grupo. Até na nossa área está sendo assim, é possível na BRAPCI, que reúne dados de artigos da área, gerar um gráfico que compara as autorias únicas com autorias de mais de um pesquisador, e o resultado é que os artigos com mais de uma autoria ultrapassaram os de autoria única na última década. É uma tendência que não volta mais.

Como você avalia a realização do 12º CONTECSI, que engloba hoje um espaço para Gestão da Tecnologia, Sistemas de Informação, Ciência da Informação e Gestão da Automação sob uma visão multidisciplinar? O profissional da informação está efetivamente com um perfil mais diversificado?

Eventos como este nos demonstram que temos que ter a cada dia mais uma atuação mais próxima com profissionais de outras áreas, de maneira complementar e numa relação em que todos que interagem ganham com esta interação, aproveitando o melhor de cada um. É impossível dominar tudo o que envolve os nossos processos e interagir com outros profissionais se tornou essencial atualmente.

Como o bibliotecário pode se inserir neste contexto? Qual deve ser sua gama de competências e habilidades?

Acredito que primeiramente o bibliotecário tem que conhecer o que de melhor ele pode oferecer e também quais são as suas limitações. Reconhecer que possui limitações permite encarar o outro como uma pessoa que pode ajudar a superá-las e vejo isso como algo muito importante. Temos uma base muito forte na área que deve ser aproveitada como um diferencial de nossa formação. A nossa área é muito diversificada e as competências necessárias também são. Durante o trabalho na Biblioteca Jurídica, sentia falta de um conhecimento jurídico mais sólido, nas bibliotecas públicas, sentia falta de saber interagir melhor com as pessoas, principalmente com crianças. Hoje sinto falta de conhecimentos mais sólidos em informática e programação. Não tem jeito, temos que sempre estar atrás de uma formação complementar.

Seus planos para o futuro na área de pesquisa.

Atualmente estou bastante envolvido com catalogação. O DEDALUS é um catálogo com aproximadamente 2 milhões e meio de registros e que é fruto do trabalho de todas as bibliotecas da USP. É um grande desafio ajudar na coordenação de seu funcionamento e é necessário que sejam desenvolvidas pesquisas de como melhorar a sua gestão e tecnologia. Há novas tecnologias de representação e de armazenamento de dados que devemos explorar e acredito que me envolverei nessa pesquisa nos próximos anos. Outra frente que pesquiso é o levantamento de métricas de informações científicas na web. Pesquisas nesta área permitem levantar dados importantes sobre o impacto das publicações de nossa instituição fora das tradicionais citações. Será outro grande desafio, mas sempre é importante dizer que não faço essas pesquisas sozinho, faço com a equipe da área e profissionais do país que tem interesses em comum e que ajudam a trazer melhores resultados. Colaboração é fundamental. E ainda, gosto muito, mas muito mesmo de encontrar informações relacionadas a área e divulgar no meu perfil.

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