Por Thainã de Medeiros no Brasil 247

Recentemente, nós moradores do Complexo do Alemão e Penha, fomos surpreendidos com uma notícia que deixaria qualquer morador de favela contente: o governo vai construir uma clínica da família no Morro das Palmeiras! Ao que tudo indica, a tal clínica da família será construída em um tempo recorde, e ficará pronta antes do fim do segundo turno. Mas felicidade de pobre dura pouco, já que para ela ser erguida a única biblioteca do morro terá que ser destruída. E isso que não é uma boa notícia, poderia ao menos ser uma notícia razoável, já que teria uma clínica… Algumas fontes dizem que ela só terá duração de 5 meses.

A destruição dessa biblioteca, a única construída após a instalação da UPP, para a criação de uma clínica repete a lógica de que a favela não precisa de equipamentos culturais, de que cultura é um bem menor frente a outras demandas igualmente necessárias.

Longe de mim ser contra a construção de uma clínica da família, mas como diriam os Titãs: “A gente quer comida. A gente quer comida diversão e arte. […], saída para qualquer parte […] A gente quer a vida, como a vida quer.”

Essa lógica de que cultura é um bem menor é  a mesma que permite que professores de arte não sejam necessários em escolas, é a mesma que constrói museus no centro do Rio de Janeiro mas fecha o Museu da Maré. A mesmíssima lógica que financia a atual, e caríssima, feira de arte do Rio de Janeiro, mas não dá um centavo para as diversas iniciativas artísticas independentes que surgem todos os dias dentro das favelas, como o artdancy (meninos que dão aula de passinho); os grafiteiros Mário Bands, Bidu, o grafiteiro do Amor, todos reconhecidos pelos seus traços e cores; o conhecido “escultor” do morro dos mineiros, um senhor de idade que faz maquetes do Complexo do Alemão. A lista é imensa.

As formas de proibir a favela de produzir cultura são variadas: a já citada falta de incentivo é uma delas, a proibição outra, e a criação de leis que beneficiam as elites são bem eficazes. A destruição da biblioteca para construção da clínica é apenas uma inovação.

No ano passado existia outra biblioteca no Morro dos Mineiros, também no Complexo do Alemão. Essa biblioteca foi erguida por jovens em uma garagem, sem apoio, precisaram fechar. Também ano passado, no alto da Alvorada, uma iniciativa independente do Barraco55 alugou um espaço para abrigar exposições (uma das quais este que voz fala foi curador), shows, saraus e tudo mais o que viesse somar. Infelizmente precisou fechar, também por falta de verba. Estes equipamentos fechados se juntam aos bailes funk proibidos de acontecer, aos jovens presos por ouvir funk na rua, às rádios e TVs comunitárias proibidas de funcionar por causa de leis que beneficiam apenas grandes investimentos.

Apenas potencializar o que já existe seria suficiente para tornar o Complexo do Alemão em um importante pólo de cultura. Infelizmente essa chance está sendo perdida para tentar ganhar uns votos.

*Thainã de Medeiros, 31, é museólogo e morador do Complexo da Penha. Atualmente participa de dois coletivos independentes: Ocupa Alemão e o Coletivo Papo Reto.

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