CARIRI, CE e MANAUS – Nesta entrevista a bibliotecária Soraia Magalhães fala sobre a especialização em bibliotecas escolares que esta está organizando na Escola Superior Batista do Amazonas – ESBAM, Manaus.

Jonathas Carvalho: Como surgiu a ideia de montar o curso de especialização em bibliotecas escolares?

Soraia Magalhães: Trabalhei por cinco anos em Belo Horizonte, no Colégio Imaculada Conceição, à frente de uma biblioteca escolar e em condições de vivenciar experiências muito positivas, pois a instituição, por acreditar nas minhas propostas, investia em ações que se revestiam geralmente em bons resultados, fator que fez com que eu criasse uma relação toda especial com essa tipologia de biblioteca. Na época, vi que com criatividade e com apoio da instituição era possível favorecer uma das principais missões das bibliotecas escolares – o estímulo as práticas de leitura e a formação de novos leitores. Quando voltei para Manaus em 2009, estava em tramitação à proposta da Lei n. 12.244/2010, que universaliza as bibliotecas escolares. Desde esse período comecei a sonhar com um curso que concentrasse informações capazes de oferecer uma visão mais ampla do fazer bibliotecário para essa área de atuação, haja vista que na graduação havíamos tido apenas uma disciplina com pouco mais de 30 horas sobre o tema. Na época eu não pensava em criar um curso, eu sonhava com ele em atividade e com muitos profissionais se especializando. Fui trabalhar como professora substituta do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e lá ao indagar sobre a existência de providências nesse sentido, soube que havia, mas que os trâmites ainda estavam se formalizando (agora esse curso também está pronto e inicia suas atividades em dezembro), quando saí da UFAM a ideia ainda estava em minha mente, haja vista a demanda de vagas em concursos públicos para bibliotecários em Manaus, fator que me fez pensar que mercadologicamente as universidades privadas se interessariam em oferecer especializações na área biblioteconômica e nesse caso, especializações em bibliotecas escolares, que é hoje o maior desafio.

J. C.: Qual a demanda por parte da comunidade biblioteconômica e afins no tocante à especialização?

S. M.: Não é possível definir números por que é algo muito novo, mas sabendo da inexistência de um curso de especialização em bibliotecas escolares, parti do suposto de que haveriam interessados. Desde que publiquei em meu blog Caçadores de Bibliotecas, a primeira informação sobre a criação do curso, essa postagem desde então passou a ser uma das mais acessadas, inclusive por bibliotecários de outras cidades do Brasil. Muitos têm ligado para a secretaria da Escola Superior Batista do Amazonas – ESBAM [onde o curso será realizado], em busca de informações sobre o curso. Contudo o fator econômico é um aspecto que gera indecisão, bem como se percebe uma resistência em vista de o curso estar sendo oferecido por uma instituição privada. Quanto às áreas afins, há uma grande quantidade de pessoas com formação superior que atuam em bibliotecas e não são bibliotecários. Vejo que esse tipo de especialização repercutiria muito sobre a formação desses profissionais que poderiam auxiliar com muito mais conhecimento sobre as rotinas das bibliotecas. Esse público tomaria mais ciência sobre as diretrizes contidas na Lei n. 12244/2010, bem como a importância da ação gerencial dos bibliotecários, abrindo perspectivas para a construção de parcerias. Vejo a parceria entre pedagogos e bibliotecários como um ganho para a educação. Acredito ainda que a consolidação de cursos dessa natureza possa atrair no futuro a atenção de amantes dos livros e de bibliotecas.

J. C.: A lei 12244/2010 que universaliza as bibliotecas escolares contribuiu com sua decisão de propor essa especialização?

S. M.: Certamente que sim! A Biblioteconomia passa por um momento de grandes possibilidades e o mercado de trabalho é elemento propulsor, mas vejo as vezes, que as discussões sobre a lei seguem muito sobre essa tônica, sendo que o ganho maior se insere de forma mais ampla a toda sociedade, pois com a criação efetiva de bibliotecas nas escolas, a educação brasileira poderá ter um salto qualitativo. Mas para que isso aconteça, o bibliotecário deverá estar preparado para lidar não só como gestor, mas como mediador de leitura. Uma das principais propostas desse curso é oferecer uma visão do bibliotecário como profissional que oportuniza ações de cultura em sua biblioteca.

J. C.: Como você vê a situação da biblioteca escolar hoje no Brasil?

S. M.: Com esperança de que dias melhores virão, já que as bibliotecas escolares em nosso país não estão firmadas no ideário geral como um bem fundamental para a formação de uma sociedade efetivamente cidadã.  A realidade é que muitas escolas não possuem espaços físicos adequados, com acervos e profissionais qualificados para oferecer serviços. Tenho visitado muitas escolas, já que vivo “caçando bibliotecas” e a realidade é de um descaso enorme que se estende também às escolas privadas. Claro que há bons exemplos, mas há problemas maiores que se refletem principalmente sobre a inexistência desses espaços. Vejo que é preciso criar mais rigidez sobre a infra-estrutura física das escolas, sejam estas públicas ou privadas e definir parâmetros mínimos para instalação de bibliotecas que deverão servir de aporte para a formação de leitores. E aproveito o momento para deixar claro que biblioteca não é sala de leitura. Sala de leitura é um espaço que deve estar contido numa biblioteca.

J. C.: Faça um breve relato sobre a realidade das bibliotecas escolares no Amazonas.

S. M.: O Amazonas é um dos nove estados que compõe a Amazônia Legal Brasileira. É destaque por sua riqueza natural, dentre as quais o rio Amazonas, considerado o maior do mundo. Contudo, dada a própria geografia regional a realidade das cidades, no que se refere as condições de acesso à informação, são precárias com incidência de cidades que sequer possuem bibliotecas públicas. E no tocante as bibliotecas escolares, a situação não é diferente de outros estados do país, onde questões relacionadas a espaços físicos, acervos, serviços e pessoal qualificado são relegados a planos secundários. Desconheço a existência de dados concretos sobre a situação das bibliotecas escolares no Amazonas, mas posso supor que se em Manaus há escolas que não possuem bibliotecas. Nos outros municípios as realidades são semelhantes ou até piores, já que estão mais distantes dos nossos olhos. Apesar desse quadro negativo, gostaria de contar sobre uma experiência boa que vivi há alguns dias quando visitei uma escola da rede municipal de Manaus que não possuía biblioteca, mas sim um “corredorteca”, isso mesmo, a administração da escola com o objetivo de oferecer algo que se assemelhasse a uma biblioteca, improvisou um espaço no corredor. Fiquei triste por ver e fotografar aquilo, porém como havia ido ao local para assistir a um sarau de poesia que a escola estava promovendo, saí dessa experiência com uma visão ampliada sobre os aspectos que envolvem gestão escolar. A administração da escola conseguiu mobilizar a comunidade, que foi assistir suas crianças recitando Mário Quintana, Cecília Meireles e nossos poetas locais. Um evento cultural que envolvia outros elementos como dança e música. Fiquei, então, pensando como poderia estar essa escola se possuísse de fato uma biblioteca e um bibliotecário motivado pela formação de leitores.

J. C.: Qual a aceitação da Biblioteconomia no tocante a causa da biblioteca escolar, destacando os seguintes seguimentos: Conselho Regional de Biblioteconomia, Associação de bibliotecários, Curso de Biblioteconomia, Bibliotecários?

S. M.: Acho que em todo o Brasil a classe biblioteconômica vibrou com a conquista da Lei n. 12244/2010 e por via desta, algumas coisas já estão acontecendo. Aqui no Norte, por exemplo, uma das ações que tenho visto como uma conquista é a tramitação sobre o Sistema Estadual de Bibliotecas Escolares do Estado de Rondônia (SEBE), onde o CRB–11 tem empreendido participação ativa. O CRB–11sofreu intervenção em abril desse ano.

A atuação da Associação de Bibliotecários do Amazonas – ABA – foi também rearticulada esse ano, inclusive está à frente do Curso de Especialização em Biblioteca Escolar, que vai ser oferecido pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Alguns professores do curso de Biblioteconomia da UFAM participam ou já participaram nos CRBs regional, federal, associação de bibliotecários e outros e isso é bom, haja vista que a classe, talvez por estar mais isolada em seus empregos se desarticula ou se acomoda, fator que leva muitas vezes os docentes e alguns interessados a buscarem assumir essas atividades.

Acredito que o Amazonas foi um dos primeiros estados a assumir uma postura mais representativa no tocante a criação de novos postos de trabalho via concursos públicos para bibliotecários. Para se ter uma ideia, a secretária municipal de educação criou em 2010 cinquenta novas vagas para bibliotecários para atuação em bibliotecas escolares. Houve também esse ano um concurso da secretaria estadual de educação com 89 vagas com salários de até R$ 2.349,78. Antes da lei n. 12244/2010, o número de vagas era absolutamente inexpressivo. Claro que essas mudanças motivam bibliotecários e estudantes.

J. C.: Como está dividido o curso em termos de integralização curricular, corpo docente? Quais os pontos mais relevantes agregados pelo curso?

S. M.: O curso tem uma proposta de fundamentação teórica e prática que envolve eixos como: espaço, acervo, gestão, serviços e mediação de leitura. A disciplina, Escola e biblioteca na sociedade do conhecimento, por exemplo, têm por fim discutir o momento presente, os desafios, perspectivas e o papel do bibliotecário como educador. Três disciplinas que considero muito relevantes são Planejamento e gestão em Bibliotecas Escolares,Empreendedorismo e ação educativaBiblioteca escolar e responsabilidade social: projetos. Nessas disciplinas estão centradas as ideias de gestão e processos que envolvem recursos, execução e tomada de decisões. O curso tem uma preocupação muito grande com a formação do bibliotecário como mediador de leitura. Disciplinas como: O universo lúdico e a biblioteca escolar: Literatura infantil e juvenilBiblioteca escolar e formação de leitores podem contribuir substancialmente para estimular no bibliotecário também o gosto e o encantamento pelas práticas de leitura, fator que lhe fará mais preparado para ser um disseminador desse conhecimento. Além dessas, destaco ainda as disciplinas Biblioteca escolar, comunicação e tecnologias e Serviço de referência, ação cultural e marketing: bibliotecário educador que tem por fim oferecer uma visão das possibilidades do fazer bibliotecário por meio do uso de variadas ferramentas e tecnologias. O curso oferece ainda uma oportunidade do aluno se aventurar no campo da ciência, por meio da construção de uma monografia. No total são 14 disciplinas, carga horária de 390 horas e um corpo docente formado por doutores, mestres e especialistas.

J. C.: Fique a vontade para conceber seus comentários finais.

S. M.: Há poucos dias uma amiga comentou sobre a possibilidade do curso de Especialização em Gestão de Bibliotecas Escolares da ESBAM não dar certo já que a clientela tem no momento duas opções: estudar em uma faculdade particular ou em uma universidade federal. Fiquei pensando sobre o assunto e por incrível que pareça não me sinto desmotivada, pois o meu objetivo é estimular mudanças e eu acredito que de alguma forma tenho contribuído para isso. Costumo exemplificar meu desejo por fazer algo pela área por meio dessa pequena fábula:

“Certa vez uma floresta estava sendo tomada por um terrível incêndio. No meio da fuga, um elefante olhando para o alto, reparou que um pequeno pássaro voava na direção do rio. O elefante, então percebeu que o objetivo do pássaro era tentar apagar o incêndio, apesar de só poder carregar um pouquinho de água em seu bico. Surpreso, mas nada fazendo para ajudar, o elefante debochando do pássaro, perguntou:

– Você está pensando que com esse pouquinho de água que carrega no seu bico vai conseguir apagar essas chamas? Você não vê que isso não está ajudado em nada?

Antes de voltar ao que estava fazendo, o determinado pássaro respondeu para o elefante:

– Penso que sua tromba cheia de água valeria por milhares das minhas viagens, mas o que te sobra de tamanho, te falta em coragem… e, se o que faço valerá a pena, não sei. Só sei que para mim, o mais importante é que estou fazendo a minha parte!”

Propor a criação do Curso de Gestão em Bibliotecas Escolares foi uma das formas que encontrei para fazer a minha parte. Sei que mudanças nem sempre são bem recebidas ou compreendidas, mas sei também que podem chegar como forma de oportunidades. As conquistas obtidas por meio da Lei12244/2010 tendem a favorecer o fortalecimento da nossa profissão, mas devem acirrar também a competitividade. A expectativa é da criação de muitos postos de trabalho nos próximos anos, bem como a formação de grande contingente de bibliotecários. Vejo então que é por meio da educação continuada que podemos encontrar formas para assegurar de forma mais efetiva nossa colocação no mercado e ainda nosso espaço como agentes de transformação na sociedade.

Comentários

Comentários