Já faz tempo eu vi você na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida

Na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais…

(Belchior – Como os nossos pais)

E já foi belo o movimento estudantil. Houve uma época que nossos estudantes se reuniam no Calabouço[1] para discutir e fazer política. Mais do que uma luta pela reforma universitária, o Movimento Estudantil (ME) era contra a opressão no mundo.

O período era de caos, de imperialistas e ditadores, de rebeldes e contestadores. Um período de acirramentos ideológicos que provocavam estranhamentos na Europa, impactos na América Latina e desestabilização em todo o resto do planeta.

O ano era 1968. O mundo vivia as dores da Guerra Fria e os brasileiros assistiam o país entrar na contramão da democracia. Como um tapa na cara, o regime ditatorial dos militares fora instaurado em um primeiro de abril, quatro anos antes. E era no mínimo irônico mesmo, que um regime que defendesse as tradições democráticas tomasse o poder à força, ou que violentasse seu próprio discurso de “ordem”, “progresso” e “liberdade”, com as mais feias das armas: a repressão, a censura, a tortura.

Foi contra essa ditadura nada branda e mal assumida que o movimento estudantil também se propôs a lutar. Desde o golpe, assistiu-se no Brasil a reação de diversos setores da sociedade com diferentes orientações a respeito da reforma social: entre eles os trabalhadores do campo, os da fábrica, uma parcela da Igreja, os universitários etc.

A crise no sistema escolar permitiu que o ME seguisse uma dinâmica de luta própria, porém sem deixar de dialogar com as outras formas de manifestação política. Os estudantes perceberam que a situação decorrente do golpe militar em 1964, situação de recessão econômica, aumento de preços, impostos, instrumentalização e corporativismo da educação, influenciava diretamente as questões estudantis. Nada mais justo, então, que uma junção de sua luta com a luta social que vinha sendo travada no Brasil, mesmo com a extinção dos partidos políticos; aliás, foi provavelmente por conta da ilegalidade dos partidos políticos e da repressão que o movimento popular sofria, que o movimento estudantil teve um papel político tão forte durante os anos de chumbo.

Não é à toa que em 1964 extinguiu-se e proibiu que a UNE (União Nacional dos Estudantes), entidade fundada em 1937, se reunisse, bem como outras organizações estudantis. A idéia era substituir a UNE por um diretório que limitasse as ações estudantis às universidades e as transformassem em instrumentos do regime.

O carimbo de clandestinidade, no entanto, não foi o bastante para impedir que a UNE continuasse atuando e, assim, mantivesse o ME organizado.

Já em1966, apolícia vinha reprimindo as manifestações estudantis de rua, que foram se intensificando até atingir seu ápice em1968. Arepressão foi forte: Comando de Caça aos Comunistas (CCC), Exército, Polícia… A PM, inclusive, nem o “bandejão” respeitava: invadiu, feriu e com um tiro no peito, eliminou os sonhos de crianças que só faziam desejar uma política educacional mais justa no país.

Que Brasil sem educação!

Mais de quarenta anos se passaram e há uma tendência a acreditar que o sonho acabou. Que a juventude do século XX surgiu da sociedade de consumo e nela ficou. Que ela apenas se reúne no boteco da Universidade para falar sobre política, quando muito. E que quando o fazem, são rebeldes sem causa, “filhinhos de papai”, que ocupam as faculdades, fazem greve e se comportam como criminosos. Mas quem é que julga o que é mais ou menos importante? Qual o tipo certo de revolução?  Os anos 2000 são diferentes dos anos de 1960 em vários níveis, portanto exige um tipo diferente de atenção. Não podemos usar a juventude de lá como espelho para a juventude de cá, e vice e versa. O cenário mudou, no palco os atores são outros, assim como seus interesses imediatos.

Mesmo que “prender e arrebentar” continue fazendo parte da idéia deturpada de democracia desse país, a herança de 1968 deve ficar bem longe de ser usada como modelo do “como agir”? Deve-se pensar na transformação de costumes e valores que o movimento ajudou a promover; no resgate da idéia de revolução, idéia bebida, principalmente, na fonte da Revolução Cubana; e, sobretudo, na militância política objetiva, numa época onde o menos complicado era limitar-se, ao invés de romper.


[1] Restaurante estudantil carioca dos anos 50-60 frequentado, especialmente, por secundaristas de baixa renda. Em março de 1968, o Calabouço foi cenário da política de “prender e arrebentar” (nas palavras do futuro ditador João Figueiredo) da polícia militar, que invadiu o restaurante, feriu várias pessoas e matou os estudantes Edson Luís de Lima Souto, de 17 anos, e Benedito Frazão Dutra, idade desconhecida.

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