Circulou recentemente na grande imprensa brasileira a notícia do ajuizamento pelo procurador geral da República (PGR), Rodrigo Janot, de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) para questionar a obrigatoriedade da oferta de exemplares da Bíblia Sagrada em acervos de bibliotecas públicas e unidades escolares de cinco estados brasileiros: Amazonas, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia e Rio Grande do Norte. As ADIs foram propostas no Supremo Tribunal Federal e pedem a inconstitucionalidade das leis dos respectivos estados.

De acordo com as Ações, as leis estaduais ferem o artigo 19, I, da Constituição Federal, que veda a estados e municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Além de promover a divulgação do livro-base de religiões específicas, o procurador alega que os estados impedem o exercício igualitário dos direitos à liberdade de expressão, de pensamento e de crença para todos, garantido no artigo 5º da Constituição Federal.

Para o PGR, não há intenção de considerar a bíblia sagrada inadequada, ou de desprezar os preceitos estabelecidos por ela. O objetivo das ADIs é garantir a prerrogativa de laicidade do Estado: “as ações pretendem unicamente proteger o princípio constitucional da laicidade estatal, impedindo que estados e municípios incentivem crenças religiosas específicas em detrimento de outras”, disse à imprensa Janot.

As peças destacam ainda que as justificativas das leis em questão só se tornariam plausíveis caso os estados e municípios tornassem obrigatória a presença nas bibliotecas públicas e unidades escolares dos livros das mais diversas religiões adotadas pelos cidadãos dos estados e municípios citados. Neste caso, haveria demonstração de que as leis não seriam para privilegiar crenças religiosas específicas, mas para assegurar o exercício dos direitos à liberdade de expressão, de consciência e de crença a todos, de forma imparcial e igualitária.

Nas Ações, a procuradoria geral da República pede audiências das Assembleias Legislativas e respectivos estados, ou autoridades responsáveis pela autoria e aprovação do ato normativo questionado, além da abertura de prazo para a manifestação da procuradoria geral da República, após superadas fases anteriores.

No estado do Rio, a lei questionada é a 5.998/11 que obriga as bibliotecas à manutenção de pelo menos um exemplar do livro sagrado em seus acervos. Neste caso, o não cumprimento gera uma multa de mil Ufirs-RJ (unidades fiscais de referência do estado do Rio). Se houver reincidência, o valor dobra.

Uma lei municipal que obriga escolas públicas e privadas de Florianópolis (Santa Catarina) a disponibilizar bíblias também virou alvo de críticas recentemente. A lei nº 9.734 determina que unidades escolares mantenham, em suas bibliotecas, exemplares do livro para consulta, “em local de destaque”. Impõe ainda que deverão ser oferecidas versões da obra impressa, em braile e áudio.

Em entrevista ao jornal O Globo, o coordenador de comissões da OAB-RJ, Fabio Nogueira, disse entender que a lei é inconstitucional uma vez que ofende o Estado laico, em que há separação entre religião e Estado. “O Estado não existe para fomentar religião A, B ou C, assim como não deve desestimular qualquer crença. Essa não é sua função”, disse.

À nível nacional

Como informado em outra ocasião pela Revista Biblioo, tramita na Câmara desde 2009 um Projeto de Lei (PL nº16/2009) de autoria do deputado Carlos Felipe Pereira (PSC/RJ) que visa obrigar as bibliotecas públicas brasileiras a terem em seus acervos pelo menos um exemplar da bíblia sagrada.

Como justificativa do Projeto, o deputado alega que a bíblia possui significativa importância cultural e simbólica para grande parte da população brasileira em virtude de sua “sólida tradição cristã”.

“Assim, a proposição ora apresentada, visa atender aspirações da comunidade cristã relacionada com o melhor conhecimento da sua doutrina religiosa, principalmente de pessoas carentes para as quais a aquisição de livros, em face das suas rendas precárias, apresenta-se impossível”, argumenta Pereira.

Caso as leis estaduais questionadas pelo PGR sejam de fato consideradas inconstitucionais pelo Supremo, tudo indica que o projeto de lei não sairá do papel.

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