Quando fui convidado pela equipe da Revista Biblioo a escrever sobre o aniversário de 450 anos da cidade, aceitei de imediato. Como todo carioca, amo minha cidade, a cerveja gelada a cada esquina, a vista da praia bem no meio da semana, nosso belíssimo centro histórico, entre outras carioquices. Mas sinto um “quê” de hipocrisia nessa comemoração estatal, ao mesmo tempo em que pipocam vídeos de menores sendo assassinados por agentes estatais. Então é claro que eu gostaria de escrever sobre essas dicotomias.
Quando finalmente parei para escrever, pensei: “Mas pera aê. Porque 450 anos?”. Pois é. Me toquei que não fazia a menor ideia do que estamos “comemorando”. Afinal, lembro ter aprendido que esse território foi “descoberto” pelos portugueses logo depois de 1500, e que pouco depois, houve uma colonização francesa. Mas são lembranças de um ensino médio finalizado a mais de uma década atrás. Que data é essa, afinal? O que aconteceu há 450 anos?

Claro que eu posso ser facilmente rebatido por um historiador, ou qualquer estudante de ensino médio com a matéria fresca na cabeça. Mas vamos ao que ao aprendi em minhas pesquisas.
Pelo que entendi, estamos nos referindo a 1º de março de 1565, quando os portugueses, sob comando de Estácio de Sá, desembarcaram aproximadamente onde hoje é a Fortaleza de São João (o Forte da Urca, para os íntimos) e fundaram a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Pois bem. Porque fizeram isso? Talvez seja melhor darmos alguns passos em direção ao passado.
Em 1555 (ou seja, não foi logo depois do “descobrimento” do Rio, como eu acreditava), os franceses apossaram-se da Baía de Guanabara, ocupando a Ilha de Sergipe (hoje Ilha de Villegagnon, nome do capitão dos franceses), construíram o Forte Coligny e estabeleceram alianças com os índios tupinambás.

Em 1560 os portugueses se aliaram com os índios temiminós e com o auxílio deles atacaram e destruíram a colônia francesa.

Mas os franceses insistiram em permanecer na região. Vendo que seria difícil expulsar o povo que fala fazendo biquinho sem estabelecer uma base local, em 1565 fundam o Rio.

Finalmente em janeiro de 1567 os franceses foram completamente expulsos da região, menos de dois anos depois da fundação da cidade.

Ou seja, antes da “fundação” da cidade, tínhamos a presença francesa. Mais que isso, a “fundação” da cidade teve como objetivo expulsar indivíduos indesejáveis. Mas ainda podemos caminhar mais em direção ao passado.

O atual território no qual se localiza o Rio de Janeiro era habitado por índios do tronco linguístico macro-jê há milhares de anos atrás (sim, mais de 2 mil anos, portanto). Por volta do ano 1000, a região foi conquistada por povos de língua tupi, como os tamoios (ou tupinambás), que estavam presentes no século XVI quando europeus chegaram a região.
Claro que já sabíamos que esse território era ocupado por índios. Mas ao pesquisar por alto na internet e ver rapidamente a sucessão dos fatos históricos, percebemos o óbvio. Não há mais índios por essas bandas, salvo os resistentes que ainda se encontram no Museu do Índio. Nem tupinambás nem os temiminós que ajudaram os portugueses a expulsar os franceses.

O que me leva ao pensamento mais óbvio. Nossa história se dá à custa da expulsão de grupos “indesejáveis” para os que estão no topo da pirâmide social, da negação de direitos a determinados grupos.

Em menos de 400 anos conseguiram eliminar praticamente toda a população indígena no território que hoje abriga a cidade do Rio de Janeiro. Os franceses, numa luta colonialista com os portugueses, foram expulsos.

Posteriormente africanos foram utilizados como mão-de-obra escrava, tratados como mercadorias. Quando seus descendentes foram libertos, nenhuma condição lhes foi dada para que conseguissem viver de forma digna.

Nas favelas e subúrbios cariocas, pedaços de uma cidade em que o Estado só parece se atentar em operações policias, onde a pobreza e falta de estrutura é aparente e cuja população é majoritariamente negra (coincidentemente como os escravos africanos). Direitos são negados diariamente a uma população que não tem acesso a boas escolas, boas bibliotecas, bons hospitais, apesar de se pagar impostos a cada cerveja que toma no domingão pra aliviar a tensão do dia-a-dia.

Tomam a cerveja, não sem antes passarem por situações constrangedoras antes de chegar nas praias da Zona Sul, símbolo da beleza carioca.

No lugar de morar na Zona Norte, podem escolher morar na Zona Sul. Em uma favela, claro, pois é o único lugar onde um trabalhador que recebe um salário mínimo consegue alugar uma kitnet na Zona Sul. O problema é que quando eles chegam em casa, não podem sequer ter casa, pois o Estado resolveu removê-los e contratar empreiteiras para construir casas populares bem distante das zonas turísticas da cidade.

Enquanto isso, empreiteiras e planos de saúde financiam candidatos que deveriam lutar pela qualidade dos empreendimentos construídos para a população pobre e pelo fortalecimento do sistema público de saúde.

A impressão que fica é que continuamos a tentar excluir alguns grupos sociais, e quando não é possível, negamos-lhes seus direitos. Será que vamos precisar de mais 450 anos de “civilização” pra entendermos que em algum lugar desse imenso caminho da história nos perdemos?

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