2017 foi o ano de aprofundamento das crises econômica e política. Na área da cultura informacional, diversos seguimentos foram atingidos de forma direta, como é o caso da educação e da cultura. 2017 também foi um ano de afunilamento da intolerância e da censura contra as artes e contra as bibliotecas. Fora a notícia do aumento das vendas de livros, 2017 parece ter sido um ano de notícias ruins, conforme mostra a retrospectiva feita pela Biblioo.

1) Planos Estaduais e Municipais de Livro e Leitura

2017 deveria ser o ano do estabelecimento dos Planos Estaduais e Municipais de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (PELLLBs e PMLLLBs). Mas apesar disso, poucos avanços foram notados, sobretudo em função das crises econômicas e políticas pelas quais o Brasil passa. No município de São Paulo, por exemplo, embora o PMLLLB já tivesse aprovado desde 2015, o prefeito João Dória editou um decreto limitando a participação da sociedade civil na execução do PMLLLB/SP.

No estado do Rio do Janeiro, por sua vez, foi eleito e montado o grupo de trabalho (GT) para desenvolver a minuta do projeto de lei do PELLLB/RJ, mas o mesmo ainda não conseguiu concluir o processo de escuta das pessoas e entidades interessadas, trabalho que deve ser concluído apenas ano que vem. Já no município do Rio a promessa é que o GT seja reformulado para dar continuidade aos trabalhos.

Em Belo Horizonte, Minas Gerais, o poder público local foi acusado de alterar de forma significativa o projeto do PMLLLB enviado à Câmara Municipal, contrariando não só os grupos e pessoas envolvidas na feitura da minuta, bem como as deliberações e decisões da 1ª Conferência Municipal de Leitura, Literatura, Livros e Bibliotecas realizada em 2016. No estado, o PELLLB/MG está na sua fase final de discussão, tendo, inclusive, sido realizada uma plenária no final de novembro para analisar as sugestões dos GTs que se debruçaram sobre as demandas da sociedade.

2) Aumento na venda de livros

O desempenho das vendas de livros computadas até 05 de novembro de 2017 apresentou crescimento de 5,89% em volume e de 6,63% em valor. Foram 31,1 milhões de livros vendidos este ano, quase 2 milhões de exemplares a mais em comparação ao mesmo período do ano passado. Os dados são do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL).

Acumulado da venda de livros 2017. Dados: SNEL

3) Dança das cadeiras no MinC

O ano de 2017 começou com Roberto Freire à frente do Ministério da Cultura (MinC). Freire havia substituído Marcelo Calero no final de 2016 quando este resolveu deixar o posto denunciando membros do governo quando escândalos envolvendo o nome do presidente Michel Temer vieram à tona. Em maio Freire deixou a pasta após vir a público o conteúdo da delação premiada do empresário Joesley Batista, dono da JBS, que comprometia diretamente Michel Temer.

“Tendo em vista os últimos acontecimentos e a instabilidade política gerada por fatos que envolvem diretamente a Presidência da República, eu, Roberto João Pereira Freire, decido em caráter irrevogável, renunciar ao cargo de Ministro de Estado da Cultura”, disse ele em sua carta de demissão.

No lugar de Freire assumiu o interino João Batista de Andrade, que tempos mais tarde pediria demissão do cargo. “Comunico, respeitosamente, meu desinteresse em ser efetivado como ministro da Cultura”, disse trecho da carta enviada ao presidente da República e divulgada nas redes sociais por Andrade. “Assim sendo, confirmo minha disposição para contribuir da forma mais proativa possível com a transição de gestão no Ministério da Cultura, até a nomeação dos próximos ministros da Cultura e seu secretário executivo”, acrescentava o texto.

Sérgio Sá Leitão. Foto: divulgação

Em julho Sérgio Sá Leitão tomou posse no cargo. Diretor da Ancine, Sá Leitão foi chefe de gabinete de Gilberto Gil no Ministério da Cultura entre 2003 e 2006. Foi também secretário de Políticas Culturais da pasta. Em 2007, foi assessor da diretoria do órgão, e no ano seguinte se tornou diretor, com mandato que valeria até 2010. Mas deixou o cargo em 2008 para presidir a RioFilme, na gestão do prefeito Eduardo Paes, função que exerceu até 2014. Parte do mandato foi acumulado com o de secretário municipal de Cultura, entre 2012 e 2015.

“Precisamos sair logo da crise em todas as áreas, construir esse país com que sonhamos, e isso se faz com trabalho, seriedade, reformas estruturais como as que estão sendo aprovadas nesse momento, não com a fácil omissão”, disse o ministro no dia de sua posse.

Dias depois Sá Leitão prometeu socorro às escolas de samba do Rio, enquanto as bibliotecas públicas sucumbiam ao desinteresse político, conforme destacou a Biblioo em editorial. Durante a Bienal Internacional do Livro do Rio de janeiro, realizada em setembro, o ministro disse à Biblioo que estava se juntando ao esforço de, junto ao Congresso Nacional, aprovar a Política Nacional de Leitura e Escrita, hoje em tramitação na Câmara. “Precisamos fazer o maior esforço possível para valorizar a importância social, a importância inclusive política e a importância econômica do livro e da literatura”.

4) Censura às artes, museus e bibliotecas

Uma onda reacionária tomou conta do Brasil em 2017 atingindo as artes, os museus e até as bibliotecas. Em meados de setembro a exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” estava em cartaz há quase um mês no Santander Cultural, em Porto Alegre, quando foi cancelada pelo banco após uma série de protestos nas redes sociais. Acusada de fazer apologia à pedofilia, à zoofilia e de ofender a moral cristã, a mostra foi alvo de uma campanha, articulada principalmente pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e grupos religiosos, pedindo o seu fechamento.

Dias depois o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB) também proibiu a exposição da Queermuseu no Museu de Arte do Rio (MAR). Num vídeo Crivella disse, em tom de deboche: “Saiu no jornal que vai ser no MAR. Só se for no fundo do mar”. Após o anúncio, o prefeito encomendou à secretária de Cultura, Nilcemar Nogueira, neta de Cartola, que estudasse como impedir a exposição. “A população do Rio de Janeiro não tem o menor interesse em exposições que promovam zoofilia e pedofilia”, disse o prefeito.

Em outubro a Biblioo também destacou que a Câmara Municipal de Uruguaiana, cidade localizada no extremo oeste gaúcho, solicitou, por proposição do vereador e procurador de Justiça do Estado, Eric Lins (DEM), a retirada do livro “Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira”, do acervo da Biblioteca Pública Municipal para que fosse devolvido ao remetente, o Santander Cultural, junto com uma moção de repúdio.

A moção proposta pelo vereador, e subscrita pelos demais membros da Casa, ao Santander Cultural considerou a obra “de mau gosto, com conteúdo que passa pelo grotesco, pela lascívia distorcida e pela desnecessidade, além da falta de talento camuflada e eclipsada pela pretensa tentativa de chocar a sociedade”.

O livro “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” é uma das obras mais visadas na onda recente de censura às bibliotecas. Foto: internet

Após consultado pela Biblioo, o Conselho Regional de Biblioteconomia da décima região  (CRB10) publicou uma nota repudiando a interferência da Câmara Municipal de Vereadores de Uruguaiana na gestão do acervo da Biblioteca Pública Municipal da cidade. Para o CRB10, a ação dos vereadores atenta contra o Estado democrático de direito, visto que quer impor valores morais de uma parcela da sociedade, hoje em vantagem numérica de representação na câmara, sobre outra parcela da sociedade, em desvantagem.

Também em outubro a performance “La Bête”, de Wagner Schwartz, na abertura da 37ª edição do Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), foi muito criticada e atacada porque uma criança fez um contato com um homem nu durante a exibição. “Não é possível analisar a suposta infração cometida pelo artista, pelo Museu ou pela mãe da criança (individualmente ou de forma conjunta) dissociada da compreensão do que de fato se passou ali, em toda sua complexidade, indo além da equação que diz que homem nu diante de criança é abuso, deixando tudo o mais de lado”, disse Moacir dos Anjos, pesquisador e curador de artes visuais da Fundação Joaquim Nabuco (Recife), em artigo publicado na Biblioo.

6) Crise na educação

A aprovação da “PEC da morte” no final de 2016 parecia prenunciar tempos difíceis para a educação. Em 2017, o governo levou a cabo uma série de restrições orçamentárias que limitaram de forma direta o desenvolvimento do setor educacional, seja no ensino básico, seja no superior. Em abril, o governo federal anunciou um contingenciamento de R$ 42,1 bilhões das contas públicas. No Ministério da Educação, o corte foi de R$ 4,3 bilhões, dos quais R$ 3,6 bilhões em despesas diretas da pasta. Com isso, o orçamento do ministério para 2017, que havia sido definido pelo Congresso em R$ 35,74 bilhões, foi reduzido para R$ 31,43 bilhões.

Além do Ciência Sem Fronteiras, que entre 2012 e 2016 financiou cerca de 93 mil bolsas de estudo integrais para estudantes brasileiros no exterior, também sucumbiram uma quantidade razoável de verbas para as Olimpíadas da Matemática e outros programas. Nas universidades os cortes orçamentários também foram profundos. É o caso da Universidade federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que perdeu cerca de 50% nas verbas para investimento, impactando os programas de pesquisas.

Para 2018 as perspectivas não são das melhores. “O orçamento para 2018 é 20% menor do que o de 2014 para o custeio [utilizado para pagamento de despesas cotidianas] e 90% menor em capital [para investimentos]”, criticou o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Emmanuel Tourinho, durante comissão geral que debateu no mês de novembro, no Plenário da Câmara, a crise nas instituições de ensino superior do País.

7) Cortes na ciência e pesquisa

Em 2017, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) sofreu um corte de 44% do orçamento que estava previsto para este ano. Os investimentos em ciência no Brasil são feitos majoritariamente pelo governo federal via MCTIC, responsável por dezenas de unidades de pesquisas em todo o país, laboratórios em universidades e bolsas de estudo cedidas pelo CNPQ.

“Agora a gente está brigando para manter os tubos de soro, a alimentação e os remédios essenciais à sobrevivência do paciente”, explica Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em entrevista ao Jornal El País.

Os cortes na ciência levaram os pesquisadores a se mobiliar e denunciar a situação. Uma das iniciativas encampadas por pesquisadores, estudantes e professores que fazem parte da campanha Conhecimentos Sem Cortes foi a inauguração do “tesourometro”, equipamento que mede as perdas do setor. O “tesourômetro” estima as perdas a partir das previsões de cortes no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI), das universidades federais e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

8) As bibliotecas-parque permanecem fechadas

 As bibliotecas-paque do Rio (com exceção da de Niterói) terminam 2017 assim como terminaram 2016: fechadas. Ao longo do ano foram diversas promessas de reabertura, nenhuma concretizada. Em entrevista à Biblioo em março deste ano, o então secretário de cultura do estado, André Lazaroni, disse que as bibliotecas voltariam a funcionar com o emprego de servidores da área da Educação, dentre os quais professores, mas a promessa nunca foi concretizada. Em julho a organização não-governamental (ONG) Espaço Jango anunciou que poderia assumir a administração das três bibliotecas-parque do Rio de Janeiro (do Centro, Rocinha e Manguinhos), mas essa intenção também não concretizou.

A Secretaria de Cultura do estado do Rio (SEC) chegou a contratar uma empresa de recrutamento para fazer a seleção de pessoal para a reabertura da Biblioteca-Parque do Centro, mas a iniciativa se frustrou após a morte de um dos sócios da empresa. Em setembro deste ano, pouco depois da Rocinha registrar intensos tiroteios e ser ocupada pelas Forças Armadas, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, publicou em seu site uma lista de ações que a prefeitura levaria a cabo no local, como a reabertura da Biblioteca-Parque instalada na região (chamada de C4), também fechada desde dezembro do ano passado. O ano finaliza sem a concretização da promessa.

Por fim a SEC anunciou a intenção da Eletrobrás de assumir a administração da Biblioteca-Parque do Centro em março de 2018. Os detalhes da parceria ainda serão anunciados.

9) Teve luta

Os profissionais da informação não ficaram alheios a luta em 2017. Na maior greve geral da história do Brasil, bibliotecários e arquivistas participaram de forma ativa. Tanto na Biblioteca Nacional, quanto no Arquivo Nacional, os profissionais decidiram se manifestar. No grande ato no Rio no dia 28 abril a bibliotecária Lucia Santos foi atingida com um tiro de bala de borracha quando chegava para a manifestação. “Acredito que vivemos num mundo de expiações e provas, e estamos sujeitos à lei do retorno. Mas isso não quer dizer passividade nem simples aceitação das arbitrariedades, pelo contrário! Devemos sempre lutar pela justiça e verdade. Ainda vou registrar a ocorrência e buscar os desdobramentos legais”, informou Lucia em nota em rede social à época.

Bibliotecária Cleide Fernandes em manifestação da greve geral em Minas Gerais. Foto: Facebook

Uma imagem (que ilustra essa matéria) registrada pela fotógrafa Ana Carolina Fernandes durante as manifestações do dia 28 de abril no Rio de Janeiro parece dizer muito sobre o momento político que vivemos. No registro fotográfico policiais da tropa de choque se postam ao lado dos tapumes da Fundação Biblioteca Nacional, que está em obras desde o ano passado. À frente da tropa, um letreiro com a seguinte frase: “A Biblioteca Nacional deve ser motivo de orgulho de todo brasileiro. Um sistema de boas bibliotecas públicas é essencial para a democracia: ao facilitar o acesso do cidadão ao livro, ajuda a pensar por conta própria, estimula a imaginação e alimenta as defesas contra o autoritarismo e a opressão”.

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