Por Leonardo Cazes de O Globo

Renato Lessa começou a frequentar a Biblioteca Nacional (BN) nos anos 1970, ainda estudante de graduação. Em 2013, o cientista político estava na Itália quando recebeu o convite da então ministra da Cultura, Marta Suplicy, para assumir o comando da instituição. Após pouco mais de três anos de retorno, Lessa devolveu a Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas para Brasília, fez reformas e iniciou parcerias para digitalizar e divulgar o acervo da biblioteca. Ao GLOBO, ele afirma que combinou com o ministro Marcelo Calero de deixar o cargo amanhã, lamenta a desvalorização dos servidores e diz que deixará relatórios para a sucessora, Helena Severo.

Qual foi a sua primeira impressão ao chegar na Biblioteca Nacional, em 2013?

Eu peguei a biblioteca desviada de suas funções fundamentais. A instituição estava fortemente envolvida com a participação do Brasil em feiras, sendo a mais importante a Feira do Livro de Frankfurt, da qual éramos o país homenageado. A BN estava se transformando numa produtora de grandes eventos. A Diretoria de Livro e Leitura estava aqui dentro e, com ela, o Sistema Nacional de Bibliotecas. Daqui saíam recursos para bibliotecas do Brasil inteiro através de mais de 300 convênios. E não tínhamos a menor estrutura de acompanhamento. Era um suicídio para os gestores. Em 2014, finalmente a diretoria foi para o MinC em Brasília. Eu só tenho um contador, imagina ele auditando 300 convênios. Isso livrou a BN de um peso e pudemos olhar para a política de acervo, relações internacionais fora desse eixo comercial, cooperação técnica com outras instituições.

A BN tem problemas crônicos de infraestrutura. O que foi feito quanto a isso?

A Biblioteca tem um déficit de infraestrutura de décadas. Começamos uma grande reforma da estrutura elétrica, que deve terminar até o fim do ano, necessária para que depois venha um sistema moderno de refrigeração. As claraboias todas foram restauradas, a impermeabilização do telhado está terminando. A reforma da fachada foi licitada, mas não sei se vai vir dinheiro. É uma obra de R$ 15 milhões. E há o meio-campo entre ter o dinheiro e começar a obra. Não temos corpo técnico para preparar termos de referência, projetos executivos. A Biblioteca só tem um arquiteto. O Estado brasileiro precisa se perguntar quais as implicações de ter uma biblioteca como essa. O imperador fez questão de comprá-la quando fez o tratado de reconhecimento da independência. É o único país que conheço que começou comprando uma biblioteca. O Estado tem uma obrigação fundacional de mantê-la de uma maneira decente. E, tristemente, tenho que dizer que o Estado não está preparado para ter uma biblioteca como esta. Não é um problema de ministro, o Juca também sofria com isso.

Quais as iniciativas da sua gestão que mais o orgulham?

Atuamos na criação de bases digitais compartilhadas com outras instituições. A Biblioteca Digital Luso-Brasileira, hoje, é a principal cooperação cultural entre Brasil e Portugal. A Biblioteca Nacional brasileira e a Biblioteca Nacional de Portugal são cabeças de redes de digitalização nos dois países, envolvendo dezenas de instituições. E está só começando essa integração. A Brasiliana Fotográfica começou como uma parceria entre a BN e o Instituto Moreira Salles (IMS), mas estão entrando o Arquivo Público da Cidade do Rio, o Arquivo da Marinha, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Já é uma rede. Tem também a Brasiliana Iconográfica, parceria com o IMS, o Itaú Cultural e a Pinacoteca de São Paulo, a qual o Museu da Chácara do Céu também acabou de aderir.

Deixar o cargo já estava nos seus planos antes da mudança de governo?

Meu plano era sair no início de 2017. Seria o mesmo ministério, haveria continuidade. Essa crise antecipou a decisão. Este não é o meu governo. O outro era ruim, esse agora é um desastre. Vou deixar para minha sucessora relatórios sobre tudo que aconteceu, o que está sendo feito e as urgências. Quando entrei não tinha nada disso. Fiquei quatro meses batendo cabeça. Passei muito sufoco, mas foi genial essa experiência. Há funcionários na BN de altíssima qualidade ganhando salários vergonhosos. Essas pessoas cuidam da memória brasileira e são miseravelmente tratadas. A biblioteca não existe por minha causa, existe por causa desses servidores anônimos.

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