Por Márcio Menasce de O Globo

Desde 1837, transpor o pesado portão de ferro de entrada do Real Gabinete Português de Leitura é levar os olhos ao deleite pelas mais variadas cores de livros dispostos em prateleiras, do chão ao teto, em três patamares, todos abertos para um salão central, onde ficam as mesas para leitura. Além da beleza, o pensamento voa imaginando o conhecimento guardado nas páginas de volumes raros naquelas estantes. Mas boa parte desse patrimônio histórico está agora coberta por uma grossa camada de poeira cinza. É que há cerca de um ano foi iniciada uma reforma do prédio, na Rua Luís de Camões, no Centro. Porém, os mais de 300 mil livros não foram retirados para protegê-los da sujeira e de possíveis danos.

Como o prédio é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), a reforma precisou ter licença do órgão e passar por fiscalizações, mesmo sendo o Real Gabinete uma instituição mantida por associados, sem recursos públicos. Procurado, o Inepac informou que está ciente de que a reforma foi feita sem a retirada dos livros.

Segundo a Secretaria estadual de Cultura, à qual o Inepac é vinculado, o ideal seria ter ocorrido a retirada dos volumes, mas o Real Gabinete Português de Leitura alegou que não tinha um local adequado para armazená-los. Disse ainda que as obras eram emergenciais, pois um vazamento na cúpula do telhado já estava danificando as pinturas da abóbada, ameaçando o acervo e o prédio.

Sobre a possibilidade de a poeira danificar o acervo, a Secretaria de Cultura afirmou que os livros já estavam empoeirados antes do início das obras. No entanto, disse, é possível que, apesar da proteção de plástico utilizada durante a reforma, tenham acumulado ainda mais poeira. De qualquer maneira, a secretaria garantiu que o acervo não foi prejudicado.

O presidente do Real Gabinete, Francisco Gomes da Costa, também afirmou que os livros não foram danificados pelo pó. Segundo ele, os exemplares mais raros estão guardados num cofre. Francisco disse também que o restante dos livros já começou a ser limpo por uma empresa especializada. Apenas com esse serviço, a instituição vai gastar R$ 200 mil. O valor total da obra, que inclui a reforma do telhado, da claraboia e da fachada, é de cerca de R$ 8,5 milhões.

— Tudo foi protegido com plástico, mas não tem jeito. Como a gente mexeu em todo o telhado, não houve como evitar a poeira. Acredito que, daqui a 20, 30 dias, já estaremos com menos sujeira, mas, como é um prédio que fica aberto ao público, sempre acaba entrando pó. A gente sabe que vai limpar e vai voltar a ter poeira — disse.

Ele também afirmou que não havia condições de remover os mais de 300 mil livros armazenados no local para fazer os reparos. Segundo Francisco, a instituição já não tem espaço disponível. Junto com a atual reforma, estão sendo feitas obras também no prédio anexo. Uma lei portuguesa obriga as editoras a enviar ao Real Gabinete todo livro editado em Portugal. Por isso, a instituição recebe milhares de exemplares todos os anos.

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