Irmãos,quero deixar meu testemunho.

Eu inicio todos os meus dias bem cedo no computador do trabalho, eliminando todas as tarefas pendentes: emails de usuários, pedidos de artigos, inscrições de alunos, etc. Logo depois me concedo uma merecida pausa. E é o fim. O fim de qualquer produtividade. Eu acabo clicando em alguma coisa na internet, em seguida tenho que ir para o meu segundo emprego, voltar para casa para as atividades domésticas, limpar, lavar louça, então assistir a um pouco de futebol na tv, em seguida tentar trabalhar de novo e então me distrair novamente. Daí resolvo esperar até depois do jantar para escrever algumas coisas, então começo a ler emails, já passa da meia noite e finalmente, decido recomeçar no dia seguinte um pouco mais cedo. Tenho esperanças e planos de resolver as pendências no final de semana, mas olho no relógio, já são 22:39h de domingo e percebo que perdi.

Não sou preguiçoso. No entanto, eu demonstro uma consistente falha em trabalhar com minhas tarefas do dia-a-dia, recados e projetos de qualquer maneira que poderiam ser consideradas “dentro do tempo”. Quase tudo tem de chegar a algum momento desesperador para eu finalmente tratar de resolvê-lo. Como quando esperei até o último dia possível para apresentar a minha tese de doutorado, a declaração do imposto de renda ou a renovação do contrato de aluguel, tendo tido três anos, três meses e três semanas respectivamente de prazo de entrega. No final, levou cerca de 1 mês, 1 dia ou 1 hora pra resolver a pendência, mas evidentemente que eu precisava estar prestes a ser jubilado, preso ou despejado a fim de fazê-lo.

Que os meus contratantes não pensem que sou um exemplo da falta de ética no trabalho. Eu realizo minhas tarefas. Eu simplesmente evito as tarefas importantes. Crio trabalho secundários para que eu não tenha que confrontar as coisas que realmente importam.

Quem nunca?

As coisas importantes são legadas a segundo plano, pelo menos não antes das minhas tendências para a procrastinação criarem uma consequência óbvia e iminente por não fazê-las: ter que pagar uma multa por atraso na biblioteca, deixar alguém decepcionado ou ser demitido, por exemplo.

Eu convivo com esse retardamento de produtividade por muitos anos, mas só recentemente me ocorreu que não se trata da constante falta de tempo. Depois de pesquisar um pouco na biblioteca, ficou claro pra mim que eu tenho um problema de procrastinação. Também aprendi que procrastinação não é causada por lerdeza ou desorganização, mas por questões psicológicas mais profundas.

De acordo com as leituras de aeroporto que fiz e os TED talks que assisti, a procrastinação não é tipicamente uma função de preguiça, apatia ou ausência ética no trabalho, como pode muitas vezes considerada. É um comportamento neurótico de auto-defesa que desenvolvemos para proteger nosso senso de auto-estima. A ideia é evitar começar qualquer coisa, porque terminar e enviar certos trabalhos significa o mesmo que sujeitar a si próprio (e não apenas seu trabalho) à provações. E quem gosta de ser provado e reprovado?

Mas na vida real não posso simplesmente evitar fazer as coisas. Tenho que ganhar a vida, pagar meus impostos, ter conversas difíceis às vezes. A vida humana requer o enfrentamento ao risco e à incerteza, de modo que a pressão aumenta. Procrastinação oferece às pessoas uma sensação temporária de alívio a partir desta pressão de “ter que fazer” as coisas, se transformando em um comportamento auto-gratificante. Por isso, continua a ser o caminho normal para responder a essas pressões.

Irmão, se você procrastina no trabalho e na vida, eu te entendo.

……..

Ultimamente tenho sofrido com uma constante sensação de que existe “algo mais” que eu deveria estar fazendo. Se eu não estivesse fazendo o que faço, eu estaria fazendo algo muito melhor.

A maneira como as outras pessoas (a maioria) fazem algumas coisas me deixa irritado, tudo é sempre muito lento, muito míope, não resolvendo o problema real. Torna a minha vida difícil, porque estou perdendo tempo fazendo e refazendo as mesmas coisas, ou discutindo e rediscutindo tudo, para resolver o mesmo problema que eu resolvi milhões de vezes antes.

O conselho que me é tradicionalmente dado é o “deixa pra lá” ou me tornar um mercenário em relação ao problema. “Não é a sua biblioteca/empresa/projeto”, “faça o seu melhor, receba sua grana, não precisa se importar”. É um conselho que nunca adoto. Porque mesmo que eu não me importasse com o trabalho, eu ainda estaria desperdiçando meu tempo trabalhando nele. Eu deveria estar fazendo coisas incríveis e não estar distante delas por causa das decisões erradas de outras pessoas.

E se apenas fosse um problema nas bibliotecas: o sistema de transporte público é uma merda porque me atrasa de fazer coisas incríveis. Tempo para as pessoas chatas me aborrece porque eu poderia estar fazendo coisas incríveis. “Não fazer nada” por um dia me confunde, porque eu deveria estar fazendo coisas incríveis.

Se você está errado sobre alguma coisa e eu tenho que perder meu tempo dizendo como e por que você está errado, você está tirando meu tempo precioso.

Irmão, não me faça perder meu tempo. Eu poderia estar fazendo coisas incríveis se não perdesse o tempo que perco.

……..

Tudo muito bom, tudo muito bem, exceto que eu não tenho nada melhor para fazer.

Eu não tenho ideias brilhantes. Não tenho uma perspectiva nova e surpreendente que resolva todos os problemas da Biblioteconomia. E mesmo que eu tivesse, não é provavelmente mais importante do que o que eu já tenha feito ultimamente. Eu imagino que eu ficaria entediado em reuniões sobre o progresso da Biblioteconomia, porque eu deveria estar construindo-o.

Então a procrastinação me protege das coisas importantes que eu deveria estar fazendo, mas não tenho nada importante para fazer. E a procrastinação acaba com o tempo que eu preciso para, bem, procrastinar. Me confundi.

Uma das coisas que me intriga é como eu e muitas outras pessoas somos capazes de passar horas no facebook, gastando tempo. A mim sempre pareceu que a internet em geral fosse como uma grande visita ao museu: uma obra de arte a cada passo. Uma espiral de consumo de tempo.

Os críticos dizem que a internet é cheia de bobagens, como harlem shakes, gatos, rafinhas bastos e discussões sem sentido. Mas se tudo é tão bobo assim, por que perdemos as horas que perdemos imersos naquele ambiente? Não temos nada melhor a fazer?

Irmãos, quem sou eu pra julgar?

Me desculpem pelo pessimismo, egocentrismo, niilismo.

Só consigo pensar agora nO tempo, de Mario Quintana.

O tempo

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são seis horas!

Quando de vê, já é sexta-feira!

Quando se vê, já é natal…

Quando se vê, já terminou o ano…

Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.

Quando se vê passaram 50 anos!

Agora é tarde demais para ser reprovado…

Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.

Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas…

Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo…

E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.

Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.

A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.

* baseado nos textos originais Procrastination is not laziness  e Life is wasting my time

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