“Nós precisamos de uma Biblioteconomia subversiva. Nós precisamos de uma Biblioteconomia guerrilheira, que subverta a ordem das atuais prioridades; que procure, busque, constantemente, os interesses populares, que esteja voltada para os oprimidos”. (ALMEIDA JÚNIOR, 1997)

Segundo a recente pesquisa “Cultura nas capitais: como 33 milhões de brasileiros consomem diversão e arte” (2018), que fez um levantamento de como os brasileiros consomem diversão e arte de acordo com perfis socioeconômicos, pessoas que se declaram LGBT+ acessam mais atividades culturais em geral do que pessoas que se declaram heterossexuais.

Importante também notar que, dentre as atividades culturais citadas na entrevista, o hábito de ler livros fica em segundo lugar como preferência da comunidade LGBT+: 75% dos entrevistados respondeu que tem o hábito de ler livros e 51% da população LGBT+ respondeu ter frequentado uma biblioteca nos últimos 12 meses.

Sendo assim, fica evidente que esta parte da população já é usuária real e potencial dos espaços de bibliotecas, mesmo que ainda não se pensem serviços e ações voltadas para demandas informacionais LGBT+ e ações que valorizem materiais com maior representatividade.

Na medida em que todo equipamento cultural está necessariamente inserido em um contexto social e por si só já está comprometido com este, fica clara a responsabilidade social do profissional bibliotecário frente ao atendimento eficiente às minorias sociais.

É necessário um atendimento que, através do incentivo a partilha e livre acesso à informação e mantendo seu foco sempre no usuário da informação, pense e realize projetos de ação nas frentes de ação cultural, englobando ações de mediação da leitura e mediação cultural com enfoque em materiais com uma maior diversidade de representações, e nas ações de informação, englobando ações informativas relacionadas a pautas importantes como os direitos e saúde da comunidade LGBT+.

Primeiramente acreditamos que, para se pensar um trabalho que vise aproximar a população LGBT+ do espaço público da biblioteca, é necessário repensar os materiais que usualmente são disponibilizados e utilizados em ações culturais de uma maneira geral.

Em sua pesquisa “A personagem do romance brasileiro contemporâneo: 1990-2004” (2011), Regina Dalcastagnè, analisando o personagem do romance brasileiro contemporâneo, nos apresenta que o perfil tanto dos personagens quanto dos autores brasileiros é o do homem, branco e heterossexual, sendo que, especificamente quanto aos personagens, 81% dos personagens do romance brasileiro são heterossexuais.

Dalcastagné nos apresenta a importante reflexão de que “(…) Nosso campo literário é um espaço excludente, constatação que não deve causar espanto, já que ele se insere num universo social que é também extremamente excludente. Falta ao romance brasileiro dos últimos quinze anos, como os números da pesquisa indicam de maneira eloqüente, incorporar as vivências, os dramas, as opressões, mas também as fantasias, as esperanças e as utopias dos grupos sociais subalternos, sejam eles definidos por classe, por sexo, por raça e cor, por orientação sexual ou por qualquer outro critério.”

Fonte: Ponto Eletrônico

Por isso, o trabalho de levantamento bibliográfico é a base para o desenvolvimento das ações. Com enfoque na produção nacional, autoras brasileiras contemporâneas como Angélica Freitas, Natalia Borges Polesso, Cidinha da Silva, Amara Moira e Carol Bensimon são exemplos de autoras que apresentam materiais literários com personagens e narrativas não hegemônicas, além da diversidade de linguagens: poesias, contos, crônicas, diário e romance, respectivamente.

No campo do cinema nacional temos importantes obras como os filmes longa-metragem Vera (1986), Como Esquecer (2010) e Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014) e os documentários Favela Gay (2014) e Meu Corpo É Político (2017), por exemplo, que apresentam narrativas LGBT+ com recorte de raça e classe.

Pensando em atividades de fruição imediata que podem ser realizadas em encontros de curta duração (no espaço de tempo de duas ou três horas), estão ações como: rodas de leitura, caracterizadas pela disposição dos participantes em formato de roda, criando maior contato visual e proximidade, e a distribuição de cópias dos textos literários escolhidos ou projeção de materiais (como fotografias e imagens) para leitura e discussão em grupo; clubes do livro, caracterizados pela escolha prévia de uma obra a ser lida pelos interessados e discutida em uma data pré-definida e cines-debate, com exibição da obra escolhida e discussão posterior à exibição.

Atividades de formação continuada realizadas em mais de um dia, importantes ferramentas para a criação de vínculo mais duradouro, podem ser ações como: oficinas de criação literária, oficinas de fanzine, oficinas de desenho e oficinas de teatro e performance. Atividades de longa duração e permanentes por um período de tempo como exposições de fotografias e obras de arte, bem como varais literários de poesias, são também ações possíveis.

Todas as ações propostas, por sua vez, podem estar interligadas: a partir de uma roda de leitura, pode-se desenvolver um exercício de escrita em formato de oficina de escrita e posteriormente publicar estas obras em formato fanzine, ensinando aos participantes como desenvolver sua própria publicação e gerando autonomia, ou exibi-las no varal de poesias permanente da biblioteca, por exemplo.

Pensando em ações de informação, como estas ações, de maneira geral, estão fora da atuação e da formação mesma do bibliotecário, acreditamos que, para além da “mera distribuição de folhetos e panfletos”, como pontua Almeida Júnior no excelente “Sociedade e Biblioteconomia” (1997) quando faz uma critica a atuação do bibliotecário em relação à falta de ações concretas de informação em relação a AIDS, o caminho é a atuação conjunta junto a ONGs, coletivos e entidades que já realizam trabalhos sociais com a comunidade LGBT+.

Em pesquisa ao site do Portal Dignidade que reúne o trabalho de ONGs e entidades que trabalham com a comunidade LGBT+ no Paraná, podemos visualizar as diferentes frentes e ações que estes importantes coletivos realizam e que, através de um trabalho de proximidade, poderiam ser levadas ao espaço da biblioteca, como: campanhas de luta contra a AIDS e apoio a comunidade HIV/AIDS, apoio jurídico para casos de homofobia, atendimento psicológico e serviço social para a população LGBT+ e grupos de apoio para adultos e jovens LGBT+.

Por meio de uma parceria e diálogo, a biblioteca poderia acolher estas ações cedendo seu espaço físico e trabalhando por meio de agendamento de ações para grupos como escolas, instituições sociais e público frequentador do espaço, podendo ainda ter uma agenda fixa para abarcar estes eventos que seja de conhecimento da comunidade, uma vez que acreditamos que ações continuadas tendem a surtir mais efeito e atrair maior público.

Atualmente poucos destes serviços direcionados para a comunidade LGBT+ são oferecidos dentro do espaço das bibliotecas, bem como são poucos os livros das autoras citadas que estão presentes nos acervos. Também é visível o desconhecimento dos profissionais que realizam o serviço de referência no que se refere a algumas questões como o uso do nome social pela comunidade transgênera: muitos ainda não sabem o que é nome social e por consequência como realizar, por exemplo, o cadastramento de uma pessoa transexual que faça uso do nome social no sistema da biblioteca.

Através dos trabalhos em parceria e de um novo entendimento a respeito do papel do bibliotecário por parte das instituições, da comunidade e da classe bibliotecária, é que se pode começar a pensar em um trabalho mais engajado socialmente com as pautas LGBT+.

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