Participei durante a programação paralela da Flip – Festa Literária de Paraty mediando a mesa “Vozes que não se podem calar: Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus e Marielle Franco” na Casa Libre & Nuvem de livros.  Na ocasião, pude ouvir da escritora Conceição Evaristo, respondendo à minha pergunta sobre a literatura como um direito: “A escrita e a leitura são bens culturais e devem ser da pertença de todos. Ano passado, o que marcou a Flip foi justamente isso e vou ser irônica. Descobriram que preto lê, que preto escreve, que preto compra livros, que preto edita, que preto pesquisa.”

Na Flip de 2017, apelidada pelo jornalismo cultural como a Flip da diversidade, a livraria oficial do evento teve um aumento de vendas, totalizando R$ 1,07 milhões em vendas ante R$ 823 mil em 2016. O livro Na minha pele (Objetiva), de Lázaro Ramos, foi mais vendido da história da Flip, com 1.200 exemplares comercializados durante a festa literária. Entre os dez livros mais vendidos, oito eram de autores e autoras negros e um era a biografia do autor homenageado da festa, o negro Lima Barreto.

Em 2018, três títulos da lista dos mais vendidos são da autora homenageada, Hilda Hilst, a filósofa Djamila Ribeiro aparece com dois títulos, um deles publicado pela pequena e recente editora Letramento; o escritor Geovani Martins (revelado pela Festa Literária das Periferias) e o escritor congolês, Alain Mabanckou, da minha “petit courageux”, Malê, também aparecem na lista.  Dos dez livros, a ótima notícia é que sete são de autoria de escritoras.

Conceição Evaristo na Casa Libre & Nuvem de Livros. Mesa: Vozes que não se podem calar. Foto: divulgação

Durante muito tempo, foram pouco abrangentes e efetivas as ações voltadas a democratizar o acesso ao livro de autoria negra, assim como foram frágeis as ações voltadas a promover a diversidade literária, estimulando a criação e a circulação da produção literária de escritores negros e escritoras negras.  Na última década, o edital de apoio à coedição de livros de autores negros (2012 – FBN e SEPPIR-PR) é uma rara exceção.  Ainda resistem, no meio literário e fora dele, ideias como as apontadas pela escritora Conceição Evaristo “de que preto não lê, que preto não escreve…”.  Ideias que servem apenas à manutenção de um mercado excludente.

A lista dos mais vendidos da Flip, nestes dois últimos anos, vem sinalizando que a bibliodiversidade depende de ações mediadoras inclusivas, que garantam também aos escritores tradicionalmente marginalizados os espaços mais privilegiados de divulgação literária.  A primeira é a publicação destes autores; em seguida, a distribuição abrangente e a divulgação, que considere uma mediação inclusiva.  Feito isso, os leitores comparecerão, e em nada o mercado perderá; pelo contrário, o fato de se buscar, contemplar e formar novos interesses nos consumidores de livros, envolvendo-se mais e mais pessoas na vida literária, pode vir a ser uma estratégia de renovação no segmento do mercado categorizado como obras gerais.

Segundo pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), referente ao período de 2006-2017, títulos de literatura adulta e infanto-juvenil e biografias — chamados de “obras gerais” — foram os que mais perderam interesse do público, com queda de 42%. O mercado editorial brasileiro vem sendo abatido por diversos problemas.  Nos últimos anos, a crise econômica e política é seu pior algoz.  No entanto, romper com a mesmice e a homogeneidade em suas apostas, se pensarmos nas mudanças positivas ocorridas nos últimos dois anos na programação da Flip, pode ser uma das estratégias para a sua renovação.

Os mais vendidos na Flip 2018

  1. Júbilo, memória e noviciado da paixão, de Hilda Hilst (Companhia das Letras)
  2. O que é lugar de fala? de Djamila Ribeiro (Letramento)
  3. O sol na cabeça, de Geovani Martins (Companhia das Letras)
  4. Canção de ninar, de Leila Slimani (Tusquets/Planeta)
  5. Quem tem medo do feminismo negro?, de Djamila Ribeiro (Companhia das Letras)
  6. De amor tenho vivido – 50 Poemas, de Hilda Hilst (Companhia das Letras)
  7. Poesia que transforma, de Bráulio Bessa (Sextante)
  8. Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha, de Liudmila Petruchévskaia (Companhia das Letras)
  9. Memórias de Porco-espinho, de Alain Mabanckou (Malê)
  10. Caderno de memórias coloniais, de Isabela Figueiredo (Todavia)

Os mais vendidos na Flip 2017

  1. Na minha pele, de Lázaro Ramos (Objetiva)
  2. A mulher dos pés descalços, de Scholastique Mukasonga (Nós)
  3. Com o mar por meio, de José Saramago e Jorge Amado, (Companhia das Letras)
  4. Lima Barreto: Triste visionário, de Lilia Schwarcz (Companhia das Letras)
  5. Nossa Senhora do Nilo, de Scholastique Mukasonga (Nós)
  6. Diário do hospício e o cemitério dos vivos, de Lima Barreto (Companhia das Letras)
  7. Esse cabelo, de Djaimilia Pereira de Almeida ( LeYa)
  8. Insubmissas lágrimas de mulheres, de Conceição Evaristo (Malê)
  9. Para educar crianças feministas ̶ um manifesto, de Chimamanda Ngozi Adichie (Companhia das Letras)
  10. O vendido, de Paul Beatty (Todavida)

Os mais vendidos na Flip 2016

  1. A guerra não tem rosto de mulher, de Svetlana Aleksiévitch (Companhia das Letras)
  2. A teus pés, de Ana Cristina César (Companhia das Letras)
  3. Vozes de Tchernóbil, de Svetlana Aleksiévitch (Companhia das Letras)
  4. Autoimperialismo, de Benjamin Moser (Planeta)
  5. Todos os contos, de Clarice Lispector (Rocco)
  6. A morte do pai, de Karl Ove Knausgard (Companhia das Letras)
  7. Descobri que estava morto, de João Paulo Cuenca (Tusquets, Planeta)
  8. Depois a louca sou eu, de Tati Bernardi (Companhia das Letras)
  9. A história dos meus dentes, de Valeria Luiselli (Coquetel)
  10. O homem com asas, de Arthur Japin (Planeta)

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