Por Flávia Denise, do Blog Pomo Granada

É sempre bonito ver uma comunidade unida. Debate e troca de opiniões é importantíssimo em qualquer grupo que se considera pensante, mas também é legal ver as pessoas descobrirem que, apesar das diferenças, concordam em algum ponto. Na última semana, por exemplo, eu vi gente de todas as religiões e opiniões políticas se unirem pela primeira vez desde as eleições, o que foi bem legal. O problema é que, normalmente, a união é para criticar o outro. No caso, a merenda da filha da Bela Gil.

No meio literário, a última semana também foi agitada. O site de notícias do mercado editorial Publish News mostrou que os livros de colorir ocuparam cinco colocações entre os dez livros mais vendidos no país em maio. Na categoria Não Ficção, esse número pulou para oito. (Curiosamente, é o livro da Bela Gil, o “Bela Cozinha”, que ocupa o nono lugar da lista). As reações não foram graciosas.

Além das críticas habituais a adultos praticarem o ato de colorir (até a conjugação do verbo já foi tema de debates), grandes nomes do mercado editorial se pronunciaram contra o fenômeno que vem enchendo o bolso de editoras e livrarias.

Quem tem bradado com mais força contra os livros de colorir é o editor de Não Ficção e literatura brasileira da editora Record, Carlos Andreazza, que lançou, neste mês, o que ele chama de “campanha pela maioridade intelectual”. Para ele, o país vive o “triunfo da não leitura”. “(A presença dos livros de colorir na lista de mais vendidos) cria um cenário artificial, como se o mercado tivesse exuberante, imune à crise, o que é falso. Quando a moda passar, o tombo virá. A leitura sumiu das paradas e nos vemos obrigados a falar redundâncias bárbaras como ‘livro para ler’. É uma piada. Livro pressupõe leitura”, bradou à coluna Gente Boa, do jornal “O Globo”.

Apesar do bordão convincente, Andreazza está errado. Ler pressupõe leitura. Livro pressupõe um aglomerado de informações. É importante fazer a distinção. Seguindo o raciocínio de Andreazza, o livro de colorir não é lido, logo não é livro. Se não é livro, deve ser um brinquedo. Editoras não fazem brinquedos, e não deveriam publicar livros de colorir. Com três frases, acabei de privar a editora Sextante, responsável pelos títulos “Jardim Secreto” e “Floresta Encantada”, de Johanna Basford, de um crescimento de 130% nas vendas de maio. Até onde eu sei, é esse crescimento que está equilibrando as contas dessa editora – e outras que investiram no fenômeno – em um ano de crise econômica.

Se, por outro lado, livro for considerado um aglomerado de informações, as editoras ficam livres para encontrar oportunidades de venda onde elas estiverem. Afinal de contas, vender livros, por mais romântico que pareça, é um negócio. E toda empresa pode e deve buscar, incessantemente, novos mercados.

Estou destrinchando aqui a fala de um editor, que obviamente tem sentimentos fortes em relação ao tema, mas é fato que grande parte dos profissionais que decidem que será publicado pensam da mesma forma. A repórter Anna Virginia Balloussier, da “Folha de S.Paulo” explica que “na lista de mais vendidos que publica aos sábados, a ‘Folha’ excluiu os livros de colorir, assim como já fizera com os de autoajuda. Outros rankings tradicionais, como o da revista ‘Veja’, tampouco consideram os títulos de colorir”.

Assim, entendemos um pouco melhor porque se vende tão pouco livro no Brasil. Temos um mercado editorial que chora a falta de leitores e clama pela “maioridade intelectual”, mas desconsidera o interesse do leitor.

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