Quando soam os clarins de Momo, as fantasias se multiplicam pelas ladeiras de Olinda e as cores dominam as ruas do Recife. A tradição do carnaval de rua é a essência da festa das duas cidades. Os dias de folia são marcados por uma diversidade de sons, como frevo, seja ele de bloco ou de rua, os tambores do maracatu e também baterias de escola de samba.

Essa diversidade cultural é uma das coisas que mais encantam aqueles que chegam a Pernambuco. E também confunde, tanto, que a Casa do Carnaval do Recife montou um guia das agremiações da cidade. “O carnaval é uma festa lúdica e rica. Você tem o maracatu de baque virado com seus tambores e origens africanas. O de baque solto, também conhecido como maracatu rural, tem instrumentos de sopro e presença de personagens que também são encontrados no ciclo natalino”, explica Paulinho Mafre, pesquisador da Casa do Carnaval.

Para quem quer ver os maracatus de baque solto, todos os anos acontece no bairro de Cidade Tabajara, em Olinda, na segunda-feira de carnaval, o Encontro de Maracatus Rurais. Mais de 50 grupos, tanto de Recife e Olinda quanto do interior do estado, participam da festa, criada pelo falecido Mestre Salustiano, um dos maiores defensores e ícones da cultura pernambucana. É um bom lugar para apreciar os caboclos de lança, figuras típicas do maracatu rural, que encantam pelo colorido das golas e cabeleiras.

A oportunidade para ver os maracatus nação e conhecer mais das tradições africanas é a Noite dos Tambores Silenciosos, que acontece no Pátio do Terço, no Recife, na segunda-feira à noite. Os maracatus nação, também conhecidos como baque-virado, se apresentam e, à meia-noite em ponto, acontece uma cerimônia religiosa, onde são reverenciados os antigos ancestrais africanos, que sofreram durante a escravidão no Brasil Colônia.

No ritmo dos tambores

Além dos maracatus ligados às religiões africanas, há grupos que gostam do ritmo imposto pelos tambores e circulam pelas ruas do Recife Antigo tocando e pondo todos para dançar, sem ligação como candomblé ou outra religião de origem africana. “É difícil ficar parado quando um maracatu passa. É uma energia, uma vibração muito boa”, defende a vendedora Julieta Mesquita. Grupos itinerantes também passam pelas ladeiras de Olinda, arrastando centenas de pessoas.

Falar na folia em Olinda é falar também da tradição dos bonecos gigantes. Esses ilustres foliões saem durante os quatro dias de festa, mas há momentos que são mais marcantes, como a saída do Homem da Meia-noite. O calunga, que completa 80 anos em 2012, sai sempre de sábado para domingo, à meia-noite, arrastando milhares de pessoa pela madrugada. Vizinha do gigante desde 1974, quando se mudou do Piauí para Olinda, Maria Expedita a companha a saída da agremiação todos os anos. “Ele sempre me cumprimenta quando sai”, conta orgulhosa.

No Recife, um grupo diferente de bonecos gigantes desfila no sábado à noite. Criação da equipe da Embaixada do Boneco, um grupo de figuras gigantes inspiradas nos clássicos de filme de terror ganham as ruas do Recife Antigo. “Queremos fazer também a família Adams, já temos o Chucky, Frankstein”, enumera Leandro Costa, um dos responsáveis pela criação dos bonecos na Embaixada.

Os “gigantes” saem às ruas

Na terça feira, é dia do encontro. Mais de cem bonecos saem do Largo de Guadalupe, seguindo pelas ladeiras do Sítio Histórico. “São quinze diretores para deixar tudo em ordem, é um dia de muito trabalho, mas também muito gratificante”, afirma o artista Silvio Botelho, criador de mais de 900 bonecos gigantes e responsável por, hoje, esses gigantes serem mais leves. “Eles eram feitos de papel machê, muito pesados. Agora, com fibra de vidro, além de mais leves são mais duráveis”, diz.

A busca pelo aperfeiçoamento dos bonecos é um dos pontos em comum entre os diversos artistas que trabalham com essa arte. As mãos, tradicionalmente feitas de papel machê, enfrentam problemas quando chovem. “No ano passado, fizemos um evento e, por causa da chuva, perdemos trinta pares de mão”, lembra Leandro, uma solução parece enfim terá parecido. “Fizemos uma forma e conseguimos mãos de poliuretano, aquele material do macarrão que as pessoas usam na piscina”, conta animado.

Outra marca da folia olindense são os blocos, clubes de frevo e troças, que tomam conta das ladeiras. Um dos mais antigos, o Vassourinhas, cujo hino é tocado por todas as bandas de frevo, completa 100 anos agora em 2012. O Elefante de Olinda, a Pitombeira dos Quatro Cantos e o Cariri estão também entre aqueles que fazem parte da tradição das ladeiras da cidade e todos conhecem, nem que seja de nome.

Os nomes das troças e blocos por vezes são um tanto quanto inusitados, surgindo de brincadeiras entre amigos. Um deles, o A Corda, nada mais é que um grupo de amigos que passam acordando aqueles que dormem na cidade, segurando uma corda. Se você vir uma porta sendo carregada pelas ruas de linda, não se assuste, é apenas um bloco chamado A Porta.

Para os que adoram fantasias, são fãs de super heróis ou querem apenas se divertir vendo a criatividade das pessoas, o Enquanto Isso na Sala de Justiça é uma boa pedida. O traje essencial é uma roupa de super herói, seja ele conhecido ou inventado, o que importa é estar fantasiado. Todos os anos, pessoas de todas as idades encarnam figuras como Batman, Super Homem ou seres inventados, como os Super Apagados – fantasia que nada mais é que uma roupa preta com borrachas coladas nela. Criatividade e diversão é o que não falta.

Para quem quer apenas sentar e ver o carnaval passar, ouvindo os Blocos Líricos, grupos de maracatus e orquestras itinerantes de frevo, o fim de tarde e noite no Recife Antigo, nas proximidades da Praça do Arsenal da Marinha, é um bom lugar. Os bares e as mesas nas calçadas se multiplicam. Famílias se reúnem para aproveitar, levantando-se a cada grupo que passa. “Eu vou todos os anos, fico ali na Rua do Bom Jesus. Gosto mesmo são dos blocos de pau e corda [blocos líricos], como o das Flores, Batutas de São José”, lembra a enfermeira aposentada, Josinei de Barbosa.

E essa variedade cultural que marca o carnaval das duas cidades, tão próximas que quase se confundem. Recife e Olinda são de uma efervescência única: não existe apenas um ritmo ou tradição. Essa mistura é o que faz desse um carnaval diferente, um carnaval de rua feito pelo povo e para o povo, por mais que tenham ajuda de uma ou outra prefeitura. Um carnaval que se renova a cada ano, com crianças, jovens, adultos e também idosos brincando na rua, lembrando saudosos os antigos carnavais, sem deixar de aproveitar os atuais.

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