No último domingo (21), o caderno Boa Chance do jornal O Globo apresentou matéria de uma página intitulada, “Bibliotecário: profissional procurado com lupa”, sobre a profissão de bibliotecário e a lei 12.244/2010 (Lei da Biblioteca Escolar). Ao ler o conteúdo divulgado na reportagem, me deparei com alguns funcionamentos discursivos que relatei em minha pesquisa de mestrado, intitulada “Do pó do livro aos bytes da informação: o discurso circulante nos canais informais profissionais na Internet”.

Os funcionamentos discursivos apontados em minha dissertação aparecem naturalizados nos discursos dos bibliotecários ao depositarem invariavelmente o “avanço das tecnologias” como fator decisivo e responsável por impulsionar, movimentar e mudar as funções profissionais.  Na matéria do Globo essa naturalização fica caracterizada em alguns trechos dos discursos dos bibliotecários:

  • A tecnologia abriu um leque de oportunidades”;
  • “Tudo o que aprendemos na universidade podemos adaptar às novas tendências do mercado”;
  • Procurei diferentes oportunidades de trabalho além das tradicionais bibliotecas”.

A mercantilização das atividades profissionais e o discurso tecnológico-informacional são colocados como a tendência a ser aceita e seguida pela área de Biblioteconomia, deixando de lado temas como bibliotecas, acervo, livros, memória, cidadania e o caráter cultural da área. Essa identificação com o discurso evolucionista acaba desembocando em um assujeitamento tecnológico.

As recentes mutações tecnológicas não podem ser consideradas como a panaceia que vai resolver o déficit educacional, de leitura, de acesso à informação, de acesso à Internet, de imagem social profissional e de reconhecimento profissional pela sociedade.

Outro ponto que tem chamado minha atenção é que, na maioria das vezes em que vemos reportagens em jornais, televisão e revistas voltadas para retratar a área de Biblioteconomia, são levantadas questões promissoras que sempre apontam para um vasto campo de atuação profissional, mas na prática, sabemos que a realidade profissional não é bem essa que é anunciada. O leque de atuação para os bibliotecários não é tão vasto assim: ou se configura no âmbito do concurso público ou então na iniciativa privada (que nem sempre respeita o piso salarial e, como diz o dito popular: “suga o sangue dos bibliotecários”).

Não podemos esquecer que a Biblioteconomia, no Brasil, iniciou suas atividades nos porões da Fundação Biblioteca Nacional há cem anos. Mesmo completando o centenário, a Biblioteconomia ainda continua desconhecida por grande parte da população brasileira. Essa realidade demonstra o quanto é necessário resgatar o cunho cultural da área e a necessidade eminente de que as bibliotecas públicas e escolares sejam espalhadas pelas cidades brasileiras e que venham, de fato, a exercer uma função pública, educacional e crítica para que as bibliotecas e os bibliotecários aprendam a ler o mundo e compreendam suas funções perante a sociedade.

Talvez esteja faltando uma lente de aumento para os bibliotecários enxergarem a realidade na qual vivem e atuam profissionalmente.

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