Escrevemos este texto com as mãos suadas e fortes de mulheres e homens que lutam pela Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias. Agradecemos a oportunidade e a confiança que este coletivo depositou em nós para descrever como foi nosso ano e, especialmente, com respeito às questões relativas às políticas públicas.

Não se esquecerá 2018. Assim como 1964, ano que iniciou a ditadura militar no Brasil, deixou marcas, 2016  segue batendo em nossa porta, e o ano que passou ficará gravado na memória de brasileiras e brasileiros. Ano de calçar sapatos e percorrer caminhos que antes não imaginávamos percorrer, mas também de conquistas para a garantia do direito ao livro e à leitura. Ano de olhar no olho dos leitores e leitoras das bibliotecas comunitárias e encontrar esperança.

Se sonhamos com um mundo mais justo, ele passa pela legitimação dos direitos básicos em políticas públicas de Estado. As políticas do livro e leitura são importantes por garantirem o direito humano à literatura, a partir do estabelecimento de leis que incluam o investimento técnico e financeiro para a continuidade de programas, projetos e ações de políticas governamentais.

A atuação das mulhres à frente das bibliotecas comunitárias foi um dos destaques do Seminário. Foto: Sheila Signário

Além disso, é fundamental, seguindo os preceitos constitucionais, que se reconheça a importância do apoio e da articulação das políticas governamentais com as iniciativas da sociedade civil. As bibliotecas comunitárias são um exemplo dessas iniciativas e, segundo a recente pesquisa “Bibliotecas Comunitárias do Brasil: impactos na formação de leitores”, 87% das bibliotecas pesquisadas encontram-se localizadas nas zonas mais pobres e periféricas das cidades.

Apesar das dificuldades no cenário nacional, tivemos vitórias no ano de 2018. Com muita satisfação, participamos ativamente do Fórum Social Mundial: “Resistir é criar, resistir é transformar” em Salvador. Desde a marcha de abertura à realização de oficinas e atos públicos, a literatura como direito humano, as bibliotecas comunitárias ampliaram sua voz.

Em meio a tanta alegria, nos deparamos com a triste notícia do assassinato de Marielle Franco. O Fórum tomou um sentido maior ainda de resistência, de sobrevivência. De luto e luta! Todas e todos que estiveram no Fórum Mundial com certeza levaram para suas bases (redes locais) uma mensagem de resistência e força dos diversos setores e culturas, unidos em defesa dos direitos humanos.

Membros da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias no Largo do Campo Grande, Salvador (BA), durante a Marcha de abertura do FSM 2018. Foto: divulgação

Depois de 12 anos de luta do movimento social, em 12 de julho de 2018 foi sancionada e publicada a Lei 13.696, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita como uma política de Estado que reconhece a leitura e a escrita como direitos fundamentais.

A Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias militou em diversas frentes pela aprovação desta lei, seja com mobilização digital de carta de apoio para a aprovação ou em visitas ao Congresso Nacional para acompanhamento das votações e diálogo com parlamentares. Nossas ações e resultados positivos confirmam a importância da sociedade civil organizada na incidência política e no controle social.

Em agosto foi realizado o “XII Seminário Prazer em Ler: Bibliotecas Comunitárias na Promoção do Direito Humano à Leitura” com a participação de escritores como Silvio de Almeida, Marcelino Freire, Jenyffer Nascimento e Sara Bertrand. Contou também com a participação de representantes de bibliotecas populares e comunitárias de Medellin, Colômbia e da Argentina.

Integrantes da RNBC comemoram, juntamente com prlamentares, a aprovação do PNLE pelo Congresso Nacional. Foto: divulgação

Esse evento aberto à sociedade e com a participação de parceiros importantes como o Instituto C&A, Fundação Itaú Social, Sesc, entre outros, repercutiu positivamente, tanto no reconhecimento e visibilidade da RNBC, quanto no fortalecimento de seus integrantes.

Em novembro de 2018, três bibliotecas integrantes da rede foram finalistas da 3ª edição do Prêmio IPL – Retratos da Leitura, do Instituto Pró- Livro, sendo duas vencedoras na categoria biblioteca: Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura de São Paulo e da Rede LiteraSampa e a Rede Baixada Literária, de Nova Iguaçu, da Baixada Fluminense.

Também em novembro, ocorreu o I Encontro de Bibliotecárixs da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias, que reuniu nove profissionais na cidade de Porto Alegre, para compartilhar saberes e desafios. Nessa oportunidade, as bibliotecárias também se reuniram com a deputada federal eleita pelo Rio Grande do Sul, Fernanda Melchionna, parlamentar e bibliotecária.

Ana Paula Carneiro, da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias, realiza contação de história para crianças. Foto: divulgação

O bate papo teve o intuito de iniciar uma articulação para fortalecer as ações  de incidência para os passos seguintes da regulamentação, implementação e controle social das políticas públicas, que terão continuidade em 2019 com a elaboração  do Plano Nacional de Livro, Leitura e Escrita, que terá a vigência de 10 anos e que é o instrumento que viabilizará na prática o que foi aprovado em lei.

A RNBC existe porque há bibliotecas comunitárias que trabalham pela democratização do acesso ao livro, leitura e literatura nas comunidades. As lutas das 10 redes locais da RNBC, localizadas nas regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste do país, são para aprovação, implementação e efetivação dos planos municipais e estaduais do livro, leitura, literatura e bibliotecas.

Nos últimos anos, além da política nacional, foram aprovadas com a participação das bibliotecas comunitárias da RNBC três leis municipais do livro: Caruaru, Olinda e Recife, em Pernambuco; quatro planos municipais do livro: São Paulo, Porto Alegre, Salvador e Nova Iguaçu; e um  plano estadual do livro, em Pernambuco.

O mediador de leitura é quem faz a ponte entre livros e leitores, que encanta e promove o prazer pela leitura literária. Rede Sou de Minas Uai, da RNBC. Foto: Dany Praça

Além disso, outras sete cidades já desencadearam o processo de elaboração dos seus planos. No entanto, a maioria das leis e planos aprovados ainda seguem sem efetivar a destinação orçamentária necessária à sua implementação, como é o caso do Rio de Janeiro, o que implica que o esforço da sociedade civil no controle social deve ser continuado e fortalecido.

Em 2018, a RNBC saiu fortalecida em sua luta. Nesse momento vemos que não somos poucos e não estamos sozinhos nem sozinhas. Temos clareza de que é proibido proibir, especialmente proibir o povo de ter acesso ao que é seu de direito, por isso e apesar de tudo, seguiremos juntos!

A defesa pelo direito humano à literatura é a defesa pela equidade social, pela garantia de condições iguais de desenvolvimento humano e social para todas e todos, em todos os recantos do país, por isso seguimos lutando.

Que venham mais representantes e parceiros para ocupar os espaços que são nossos por direito. Que cada ato de rebeldia seja uma lembrança das nossas potências diárias, seguiremos caminhando contra o vento, pois a luta continua!

*Este artigo contou com a colaboração de Cida Fernandez, bibliotecária, assessora da RNBC e responsável pelo Programa Direito à Leitura do Centro de Cultura Luiz Freire de Pernambuco e Viviane Peixoto, mediadora de leitura ,fundadora e coordenadora da Biblioteca Comunitária do Arvoredo, de Porto Alegre e integrante da RNBC.

Comentários

Comentários