Por Mayara Mendes de O Globo

No alto da Gávea, a imensa área verde do Parque da Cidade impressiona pelas belezas naturais, como uma cachoeira que corre por entre as árvores. O cenário bucólico hoje está impregnado de um silêncio que é acentuado pela ausência dos frequentadores, que sumiram do lugar apesar de todo o espaço ser um reduto da história carioca. Quadro que deve mudar a partir do dia 16 deste mês, quando o Museu Histórico da Cidade, que fica dentro do parque, será em parte reaberto ao público — a inauguração chegou a ser anunciada para este sábado, mas foi adiada. O prédio anexo, com três andares, passará a receber exposições temporárias com algumas das 24 mil peças da sede da instituição. Esta, por sua vez, hoje está cercada de andaimes e tem previsão de reinauguração para dezembro deste ano. O conjunto arquitetônico, que conta ainda com a Capela de São João Batista, estava totalmente fechado para obras desde 2010. As más condições dos dois casarões, ambos do século XIX, já ameaçavam a reserva técnica, a parte do acervo não exposta ao público.

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Prédio anexo terá esposição temporárias; sede só fica pronta em dezembro – Guilherme Leporace

— A restauração foi dividida em etapas. Primeiro foi preciso intervir nesse prédio, que estava ameaçado de desabamento. A reforma possibilitou a colocação de rampas de acessibilidade e de um elevador — explica a gerente de museus da prefeitura, Heloisa Queiroz. — As exposições recebidas também poderão ter peças que não sejam do acervo. No fim do ano, quando a sede for entregue, será montada uma exposição de longa duração.

Uma das mostras temporárias é a de Oskar Metsavaht, dono da Osklen, sobre o Cristo Redentor, que inaugura o espaço e será aberta ao público no dia 17. Na exposição, o empresário imprime em fotos, pinturas e videoinstalações seu olhar sobre o monumento. A mostra também revela curiosidades, como o fato de a construção do Cristo ter sido um projeto precursor do financiamento coletivo. Em 1921, a Igreja convocou as mais variadas classes para fazerem doações e arrecadou a verba necessária para erguer o projeto.

— Tive total liberdade de criação para compor cada obra, o que me permitiu percorrer caminhos diversos, inspirado em sua arquitetura, sua pioneira construção e sua simbologia espiritual e religiosa — diz Metsavaht.

A Capela de São João Batista também será reaberta na semana que vem. O espaço, contruído no século XX, já foi alvo de uma polêmica quando recebeu desenhos do artista Carlos Bastos. Os painéis do pintor retratavam em cenas bíblicas os rostos de personalidades nas paredes. Entre elas, Médici e Pelé. O embate com religiosos foi inevitável. Heloísa esclarece que a arte foi mantida, mas terá uma cobertura por enquanto.

— As pinturas receberam uma tela de proteção porque precisam de um processo de restauração que será feito na terceira etapa das obras. Essa foi uma orientação do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural — afirma.

Heloisa ressalta que o processo de obras tem razões de ser longo e complexo:

— Os problemas na estrutura mostravam que não valia a pena uma paliativo, mas sim uma restauração completa. Fazer restauro em um prédio tombado é delicado. É preciso cuidado na restauração de cada peça do conjunto, além do manejo cuidadoso do acervo.

O museu abriga diversas preciosidades, conferidas e conservadas enquanto a casa estava de portas fechadas para o público. São categorias que vão de estandartes do século XIX a objetos confeccionados para o aniversário de 450 anos da cidade. Outras peças que mostram a diversidade dos itens são a armadura da expedição de Estácio de Sá, canhões dos séculos XVI e XVIII, além de raridades como uma carta de alforria. O acervo conta também com obras iconográficas de Antônio Parreiras, Debret aquarelas de Thomas Ender e fotografias feitas por Augusto Malta quando ele era o fotógrafo oficial da prefeitura.

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Capela de São joão. O espaço construído no início do século XX também será reaberto – Guilherme Leporace

OBRAS ACESSÍVEIS PELA INTERNET

A coleção de porcelanas do empresário Guilherme Guinle, o último dono do local que hoje abriga o parque e o conjunto histórico, também está no acervo do Museu da Cidade. Mas não são apenas esses os itens do acervo que pertenceram ao ex-proprietário da área. Guinle era um grande colecionador de artes e suas peças, assim como tudo o que havia na propriedade, foram vendidas para a prefeitura na década de 1930. Heloisa Queiroz explica ainda que desde o final do século XIX o poder público tentava colecionar obras e artefatos que contassem a História do Rio.

— Naquela época, já existia o objetivo de recolher peças relevantes. No século XX, começou a acontecer um resgate desse material em várias instituições públicas da cidade. Por isso, temos objetos que cobrem um período que vai da Colônia à República. Além disso, foram agregadas doações e aquisições da prefeitura — detalha.

Enquanto o prédio principal do museu não fica pronto, os interessados em História poderão acessar uma seleção de objetos que será lançada em uma plataforma virtual, que também será aberta à visitação no dia 16. Lá, parte do acervo estará organizada de forma que possa ilustrar a passagem do tempo e o desenvolvimento urbano e cultural da cidade. Entre os menus de navegação estarão o “História do Rio”, com uma breve história da cidade e do Brasil, e “Bastidores”, onde será possível conhecer o trabalho de pesquisa, restauração e outras atividades que ocorrem no dia a dia da casa. A diretora do Museu Histórico da Cidade, Luciana Mota, conta que essa é um forma de seguir a tendência dos museus atuais, que estão utilizando a internet como ferramenta de aproximação:

— Apesar de a sede do museu ainda não estar aberta para visitação, há um trabalho interno intenso com o acervo. Então vimos que uma forma de aproximarmos essas obras da sociedade seria por meio dessa exposição. É algo extremamente atual, já que, cada vez mais, os museus têm suas páginas on-line — avalia.

Luciana afirma que, dentro das categorias de peças, foi feito um criterioso trabalho de seleção dos itens mais significativos, que serão acompanhados de textos explicativos.

Também será possível encontrar depoimentos de antigos moradores, frequentadores e funcionários da instituição. Outra parte do site terá artigos de especialistas, como Cristina Lodi, arquiteta, mestre em Preservação e Conservação Histórica; e Maria Pace Chiavari, membro do do Conselho Internacional de Museus (Icom).

O Parque da Cidade fica na Estrada Santa Marinha, sem número. A reabertura, no dia 16, é exclusiva para convidados. O público poderá visitar o espaço a partir do dia 17, das 10h às 17h, de terça-feira a domingo, incluindo feriados.

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