Por Mariana Filgueiras de O Globo

A poucos passos do Centro Histórico de Paraty, onde acontece a partir de hoje o principal evento cultural do país, o Colégio Estadual Engenheiro Moura Brasil do Amaral, conhecido como “Cembra”, está ocupado por estudantes há quase dois meses. Pouca gente nota, porque a grande faixa roxa onde se lia #OcupaCembra, na entrada, foi retirada há poucos dias por pessoas contrárias à estratégia usada por alunos para reivindicar melhorias nas unidades.

Mas eles estão lá. São cerca de 50 alunos da turma de Formação de Professores que dormem, cozinham, limpam e fazem atividades no auditório da instituição. Insatisfeitos com as condições precárias da unidade, eles se inspiraram no movimento de ocupação de escolas que teve início em São Paulo no final do ano passado e se alastrou por outros estados brasileiros, como Rio, Ceará e Rio Grande do Sul.

— A gente decidiu começar depois que a gente viu o filme “Acabou a paz” (sobre o movimento de ocupações em São Paulo) ­­­— diz a aluna Sarah Magalhães, de 17 anos. ­­­— Tivemos muito apoio da comunidade local. Os quilombos, as comunidades ribeirinhas, a aldeia indígena, todos nos apoiaram. Mas infelizmente nem todos os professores e pais entenderam.

Na ocupação, eles acharam um laboratório de química fechado, todo equipado, e pilhas de livros inutilizados. Todas as denúncias foram levadas pelos estudantes à Secretaria Estadual de Educação, e fotos postadas na página da ocupação, na internet.

— Os livros novinhos estavam todos roídos por traças, um pecado ­­­— reclamou o aluno Thomas Amias, de 18 anos. ­­­— Nesses quase dois meses, acho que a gente percebeu que pode, sim, ter uma nova escola.

Agora, com a Flip, cerca de 30 deles estão se dividindo numa rotina curiosa: metade do dia cuidam da escola, na outra metade, trabalham como voluntários do evento, atividade para a qual já tinham se inscrito antes da ocupação.

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Livro roído por traças no Cembra – Reprodução/Facebook do Ocupa Cembra

— Eu moro em Perequê, em Angra, a quase uma hora daqui da escola, só tenho voltado para casa para dormir, porque minha mãe não me deixa dormir na ocupação. Tem sido cansativo, mas vale a pena. Hoje aproveitei que o movimento da Flip está mais tranquilo e dei duas escapadas aqui para ver se estava tudo bem na ocupação ­­­— conta Taynara Borges, 17 anos, com a camiseta e crachá da Flip, onde também vai integrar uma mesa de debates na programação paralela do Canal Futura na Casa da Música de Paraty.

Entre as atividades, os alunos fizeram oficinas de comida vegana, grafite (o artista de rua Mathias Picón deixou na escola uma arte de coruja em estêncil depois de ensinar a técnica aos alunos), música, participaram de rodas de conversa e se aproximaram das outras escolas ocupadas do estado.

Até agora, já conseguiram que algumas das reivindicações fossem atendidas: a criação do grêmio estudantil autônomo foi autorizada, com a liberação de uma sala inutilizada para a sede; a mudança da hora do almoço, que antes era servido às 10h20, e agora passa a ser servido ao meio­ dia; a eleição direta para diretor da unidade e gestão participativa; e R$ 15 mil para reformas estruturais.

— Nessas semanas, provamos a escola perfeita. Descobrimos alunos que eram filhos de chef de cozinha, fizemos amigos novos, aprendemos política e tomamos mais consciência da vida dos funcionários da escola ­­­— acrescentou a aluna Leticia Ellen Soares, de 15 anos.

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