A comunicação científica ocorre de diferentes maneiras sendo geralmente dividida em comunicação formal – que engloba materiais de fácil acesso, coleta e armazenamento, como os livros – e a comunicação informal – que envolve materiais restritos e com acesso limitado, como os preprints. Apesar de ainda muito usada, essa divisão é alvo de críticas que apontam para o fato de que o aumento no uso das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (NTIC) tornou mais difícil distinguir com clareza essa divisão.

Essa transformação no cenário da comunicação científica, dentre outras coisas, causou mudanças significativas na literatura cinzenta. Esse tipo de literatura exerce inestimável papel na transmissão do conhecimento, pois acessá-la contribue para circulação mais rápida de ideias. Entretanto essa relevância não é acompanhada de produções dedicadas ao tema. No Brasil destacam-se os trabalhos de Dinah Aguiar Población e o de Maria do Rosário Guimarães Almeida publicados, respectivamente, em 1992 e 2000.

Contextualizando a literatura cinzenta

A literatura cinzenta é, normalmente, definida com base nos setores que a produzem. Exemplo disso é o conceito elaborado pela 4ª Conferência Internacional sobre Literatura Cinzenta que a define como sendo “o que é produzido em todos os níveis do governo, institutos, academias, empresas e indústria, em formato impresso e eletrônico, mas que não é controlado por editores científicos ou comerciais.”

No livro Literatura cinzenta: teoria e prática, Maria do Rosário Guimarães Almeida preferiu focar numa gama maior de características e definiu esse tipo de literatura como “documento não convencional, semi-publicado, documento escuro, invisível, informal, fugitivo, efêmero, subterrâneo – caracteriza-se por ter circulação restrita, assim como o acesso e disponibilidade limitados. O referido material não está submetido a um processo de sistematização; apresenta dificuldade de controle bibliográfico e localização razões pelas quais encontra-se penalizada, economicamente, sua aquisição.”

Por não ser produzida de maneira padronizada, em menor escala e por circular por canais alternativos e restritos a literatura cinzenta apresenta, originalmente, uma série de dificuldades extras no que se refere ao seu manuseio. Essas dificuldades vão desde saber da existência de determinado material, até sua obtenção, preservação e disponibilização.

Com o objetivo de fomentar o diálogo e nortear as ações dos profissionais que trabalham com literatura cinzenta foi fundada em 1992, na Holanda, a Grey Literature Network Service (GreyNet). Essa importante instituição procura identificar e distribuir informações sobre literatura cinzenta. Suas principais atividades incluem as Conferências Internacionais sobre Literatura Cinzenta, a criação e manutenção de recursos baseados na web e o desenvolvimento curricular sobre o tema.

Foi no âmbito das Conferências Internacionais sobre Literatura Cinzenta que as discussões relativas a esse tipo de material começaram a ganhar força e um pouco de coesão. A primeira dessas conferências foi realizada entre 13 e 15 de dezembro de 1993, na cidade de Amsterdã, Holanda. Essa conferência teve como foco a literatura cinzenta no formato impresso, porém na conferência seguinte, realizada de 2 a 3 de novembro de 1995 em Washington, EUA, as discussões já incorporaram os materiais em formato eletrônico.

Com o tema “Leveraging Diversity in Grey Literature”, algo como “Alavancando a diversidade na literatura cinzenta”, a décima oitava edição do evento acontecerá em novembro de 2016 e tudo indica que haverá continuidade, pois a chamada para sediar a  edição de 2017 já está aberta.

Nos Estados Unidos destaca-se o National Technical Information Service (NTIS) que ao longo de seus mais de sessenta anos já viabilizou o acesso a cerca de três milhões de publicações de 350 áreas diferentes do conhecimento.

O  System for Information on Grey Literature in Europe (OpenGrey), cuja sigla anterior era SIGLE, é uma referência em relação ao acesso a literatura cinzenta no continente europeu. A base se mantem funcionando – mesmo após a extinção da European Association for Grey Literature Exploitation (EAGLE) – graças aos esforços do Centre National de la Recherche Scientifique, da França, e do Leibniz Institute for Information Infrastructure, da Alemanha. Atualmente o OpenGrey disponibiliza online e em acesso aberto, aproximadamente, 700.000 referências bibliográficas de documentos cinzentos produzidos na Europa.

No Brasil a literatura cinzenta ainda carece de maiores estudos e sistematização. Entretanto há exemplos de boas práticas como é o caso da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), coordenada pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict). Sua permanência como uma base de acesso aberto de qualidade desde sua criação em 2002 ilustra a força do projeto e a importância da divulgação desse tipo de material.

Mudanças no cenário da  literatura cinzenta

O cenário proporcionado pelo desenvolvimento da internet e a ampliação do uso de ferramentas, principalmente mídias sociais, para divulgação dos mais diferentes tipos e formatos de documentos têm alterado significativamente o fluxo dos documentos cinzentos.

A interligação proporcionada pelas NTIC permitiu que as redes sociais existentes no mundo analógico passassem a existir no ambiente virtual contribuindo para que uma série de relações e interações entre os sujeitos fossem alteradas e ou (re)inventadas. Acerca disso Fritjof Capra (O tempo das redes) diz que redes sociais “[…] são autogenerativas, mas o que geram é imaterial. Cada comunicação cria pensamentos e significados, os quais dão origem a outras comunicações, e assim toda a rede se regenera.”

Maria do Rosário Guimarães Almeida (Literatura cinzenta: teoria e prática) estimava que na década de 1990 a produção de literatura cinzenta já era 3 ou 4 vezes maior que a da literatura branca. Com o aumento do alcance das NTIC nas primeiras décadas do século XXI, incluindo o maior acesso a ferramentas (editores de texto, ferramentas para criação de apresentações e etc.) que viabilizam a produção de conteúdo e o surgimento de espaços voltados para o compartilhamento de documentos, materiais cinzentos passaram a ter maiores possibilidades de divulgação e alcance.

As ferramentas de interatividade disponibilizadas por plataformas como Academia.edu, DocPlayer, LinkedIn, SlideShare e etc. acabam por viabilizar que pessoas utilizem a web de maneira sinérgica para, dentre outros objetivos, disseminar conteúdos informacionais novos e/ou pouco divulgados permitindo que uma série de materiais com circulação reduzida seja disponibilizada para um maior público.

Por dispensarem intermediários e permitirem o compartilhamento de documentos independente da existência de uma relação próxima do interessado com o produtor/disponibilizador do conteúdo, plataformas como as citadas acabam por constituir-se em agregadores de literatura cinzenta.

É significativa a contribuição dessas plataformas no sentido de permitir que documentos cinzentos que circulavam de modo pífio tenham a possibilidade de atingir maior público. Exemplos desses materiais são as notas de aula, o conteúdo proferido em palestras e mesas redondas e os trabalhos apresentados em eventos que nem sempre são publicados e que, mesmo quando o são, por vezes são disponibilizados em suportes que viabilizam muito mais o registro do conteúdo do que a circulação do mesmo como é o caso do formato impresso e de mídias digitais como o CD e o DVD.

Todo esse contexto impacta na produção, no uso e nos conceitos em torno da literatura cinzenta. Se por um lado, boa parte do material assim classificado ainda mantem características como a ausência de sistematização e padronização, por outro, com o surgimento de espaços que incentivam sua divulgação, características como acesso e disponibilidade restritas começam a ser superadas.

Obviamente que nem toda literatura cinzenta produzida atualmente está disponível na web, mas o impacto causado por esse espaço na divulgação desse tipo de material é inegável e só tende a crescer alterando ainda mais o cenário da comunicação científica.

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