RIO – O historiador José Murilo de Carvalho, em seu livro Cidadania no Brasil: o longo caminho, demonstra o difícil entendimento do conceito de cidadania, muitas vezes deturpado e repleto de contradições. Vivemos em um país em que a cidadania ainda é negada aos menos abastados e os problemas enfrentados na garantia dos direitos básicos do cidadão, como: saúde, educação e moradia, ainda estão longe de serem sanados.

Tendo isso em vista, o poder judiciário do Rio de Janeiro desenvolve, há alguns anos, uma iniciativa que pode contribuir em seu objetivo de garantir o acesso à justiça a todo cidadão, independentemente da cor, classe social, gênero, entre outros. A resolução Estadual, nº 10/2004 de 24 de junho de 2004, consagra, no Estado do Rio de Janeiro, o Programa Justiça Itinerante, que tem como um dos seus objetivos, levar o poder judiciário até o cidadão, e vem contribuindo para agilizar e aproximar a justiça ao cidadão brasileiro, levando o poder judiciário àqueles locais onde normalmente as pessoas não tem acesso a justiça e estabelecer o poder judiciário onde não existe ainda o fórum. De acordo com José Manuel de Souza e Silva, Chefe de Serviço de Justiça Móvel, esse serviço é imprescindível, “o Justiça Itinerante está fazendo a questão do registro, temos encontrado gerações sem certidão de nascimento, isso é a total falta de cidadania”, destaca.

O Justiça Itinerante é um serviço do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, coordenado pela Desembargadora Cristina Tereza Gaulia que oferece atendimento jurídico (Cível, Família, Criminal, Infância e Juventude) em um ônibus totalmente adaptado e equipado, que funciona como um juízo volante. Em todos os ônibus são realizados audiências. Possuem uma equipe formada por um Juiz de Direito, um promotor de Justiça, um Defensor Público, Funcionários da Justiça, Motorista, Segurança e Técnico de Informática.

Atualmente são dezesseis locais de atendimento que o Justiça Itinerante atende em municípios e bairros do Rio de Janeiro, são eles: Areal, Batan, Campos dos Goytacazes (Distrito de Tocos e Santo Eduardo), Carapebus, Cidade de Deus, Comendador Levy Gasparian, Complexo do Alemão, Duque de Caxias, Itaboraí (Manilha), Macuco, Mesquita, São Gonçalo (Jardim Catarina), Rocinha, Tanguá e Vila Cruzeiro.

A seção Atitude, da Revista Biblioo, esteve no pólo mais recente, inaugurado no dia 06 de março deste ano: o pólo da Rocinha, que faz parte de uma extensão do projeto, o Justiça Itinerante – UPP iniciado após as ações de pacificação de diversas comunidades. A unidade da Rocinha está localizada no estacionamento do Centro de Cidadania Rinaldo De Lamare, próximo ao Largo da Macumba, com atendimento sendo realizado toda terça-feira, com o horário de funcionamento padrão do projeto: de 09:00 às 15:00 horas.

Localizada entre os bairros Gávea e São Conrado, que são predominantemente de classe A e B, a Rocinha é a marca do profundo contraste social, e considerada uma das maiores comunidades da América Latina. Favelas do Rio de Janeiro, como é o caso da Rocinha, foram durante muitos anos, consideradas territórios de exceção, o que levou à ausência do poder público nas diferentes necessidades da população.  Essa situação facilitou que esses locais, por muitas vezes, fossem cenários de domínio do tráfico de drogas e de disputas entre facções criminosas, subjulgando a população a leis próprias e a inúmeras situações de violência. Recentemente, na Rocinha, foi instalada a vigésima Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), o que permitiu a entrada de diversos projetos e ações como o justiça Itinerante.

A nossa equipe acompanhou o atendimento realizado pelo projeto no dia 03 de abril. Ao chegarmos no Largo da Macumba, a presença de policiais e de blindados da tropa de choque, sinalizavam o clima da região. De cima da passarela avistamos o veículo do Justiça Itinerante estacionado no Centro de Cidadania Rinaldo De Lamare. Em baixo de um toldo azul, na lateral do ônibus, é feito o atendimento inicial, realizado em mesas e cadeiras brancas, organizado com a ajuda de fitas de isolamento do Tribunal de Justiça. A todo o momento chegam pessoas procurando informações a respeito do programa e das condições necessárias para utilizar seus serviços.

A recreadora Jussara Souza, moradora da Rocinha, que neste dia estava no pólo para marcar a data do seu casamento, ressalta a importância deste serviço para os moradores, “esse ponto de atendimento está sendo muito útil, os moradores precisavam de algo assim”, destaca.

Além de aproximar a Justiça ao cidadão, o Programa Justiça Itinerante também contribui para diminuir a morosidade do atendimento Jurídico, visto que as demandas recebidas são resolvidas de forma rápida e eficaz.

O auxiliar administrativo Flávio Giannini, morador da Rocinha, que foi até ao pólo para dar entrada ao processo de divórcio, ressalta a eficácia do atendimento, “antes era mais demorado, tinha que esperar de dois a três meses, e o local de atendimento mais perto era no Leblon, agora tem uma facilidade porque resolve na hora”, afirma Flávio.

Desde a Emenda Constitucional nº 45/2004, outros Estados brasileiros já aderiram ao Programa Justiça Itinerante, de acordo com as suas respectivas realidades. Iniciativas como essa devem ser expandidas para outras regiões com objetivo de ampliar o acesso a Justiça e fomentar a cidadania. Assim, estaremos um passo mais perto de desenvolver o conceito de cidadania plena, defendido pelo professor José Murilo de Carvalho, que abrange os direitos civis, políticos e sociais.

Clique aqui para ler integralmente a entrevista de José Manuel que compôs essa reportagem.

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