Acompanhado dos olhares atentos e assustados de três moças, um jovem salta pela janela de Faculdade de Medicina da Universidade da Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) enquanto o prédio é cercado e depredado por militares durante a ditadura civil-militar brasileira num episódio que ficou conhecido como “Massacre na Praia Vermelha” (em referência à localização do prédio). O ano era 1966 e a imagem ficaria eternizada pelas lentes de uma máquina fotográfica.

Quase 50 depois, a UFRJ se propõe a rememorar estes fatos através de uma bela exposição onde esta e outras imagens estão à disposição do público. Realizada pelo Sistema de Informação e Bibliotecas (SiBI) e com curadoria de sua Divisão da Memória Institucional, a mostra tem por objetivo apresentar um panorama da vida universitária no momento do golpe de 1964 se estendendo até 1985, período que compreende os anos de chumbo no Brasil.

"Pobre também estuda, abaixo universidade", pixada no asfalto. Foto: Altair Barros/Arquivo Nacional

“Pobre também estuda, abaixo universidade”, pixada no asfalto. Foto: Altair Barros/Arquivo Nacional

Louvável a iniciativa ter partido do Sistema de Bibliotecas da instituição, demonstrando que não se trata de um instrumento meramente técnico, mas que garante e contribui para que a sociedade faça uma reflexão sobre si mesma. Sobretudo neste ano de 2014 em que se relembra os 50 anos de um golpe que deixaria marcas profundas na sociedade brasileira, muitas das quais ainda por serem superadas.

Flávio Martins, diretor da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, ressalta a importância da exposição que nos faz refletir sobre um período obscuro de nossa história, do qual não podemos nos esquecer. Segundo ele, embora a época de cerceamento de liberdades esteja em tese superada, o cidadão deve estar atento. Ele cita como exemplo as manifestações ocorridas no Brasil desde junho do ano passado em que por vezes foram reprimidas de forma violenta pelo Estado. “É sobre estas questões que temos de ficar atentos”, ressalta.

“Por mais que alguém cometa os piores crimes do mundo, ele tem direito legal, justo e de ampla defesa para que o Estado não se coloque também como algoz”, defende o docente.

Para a historiadora Andréa Queiroz, diretora da Divisão de Memória Institucional (SiBI/UFRJ), “refletir sobre esse período significa analisar os sujeitos envolvidos nesse processo, e o quanto a tentativa de esvaziamento da Universidade promovida pelos diferentes expurgos de professores, servidores e alunos demonstrou o quanto pode ser prejudicial para o crescimento da própria instituição”. Abaixo a integra de sua entrevista.

O SiBI/UFRJ, com a curadoria é da Divisão da Memória Institucional, está realizando a exposição “1964-1985 – UFRJ – Imagens, falas e informações”. Quais as motivações para fazer uma exposição como essa?

Como diretora da Divisão de Memória Institucional/SIBI e historiadora da UFRJ, desenvolvo ao lado de minha equipe um planejamento anual referente às pesquisas que realizamos na nossa divisão que conta com o apoio da Universidade com a disponibilização de bolsas de Iniciação Científica. Com isso a Exposição de 2014 foi pensada e planejada no ano anterior, e como em 2014 rememoramos os 50 anos de um período da história do Brasil marcado pela censura, pelo esvaziamento dos espaços públicos de debate e diálogo e também pelo expurgo de professores, discentes e servidores de diversas Universidades, decidimos refletir como esse momento afetou a nossa instituição em diversos sentidos.

Quem são as pessoas e instituições envolvidas no trabalho?

Estudantes observam aluno pulando da janela da biblioteca da Faculdade Nacional de Medicina (FNM) na Praia Vermelha. Acervo: Arquivo Nacional

Estudantes observam aluno pulando da janela da biblioteca da Faculdade Nacional de Medicina (FNM) na Praia Vermelha. Acervo: Arquivo Nacional

Para a organização da exposição contamos com as bibliotecárias da equipe do SIBI, em especial a Divisão de Memória, que possui em seu quadro de servidores: uma historiadora (Diretora da Divisão – Andréa Queiroz); uma bibliotecária, Maria Angélica Varella, e três bolsistas de Iniciação Científica (dois estudantes de História, Fernando e Nathália e um estudante de Biblioteconomia, Oscar); além de colaboradores eventuais.

É importante destacar que outras Unidades da UFRJ também apoiaram a organização da Exposição, como o Fórum de Ciência e Cultura, a Coordcom, a PR-5 e outras instituições como o Arquivo Nacional que disponibilizou as fotos de seu acervo iconográfico referente ao período de 1964-1985 que tem como assunto a UFRJ.

E por fim, os depoimentos dos ex-reitores da UFRJ, acervo que pertence à Coleção Memória UFRJ da Divisão de Memória.

Como foi o trabalho de pesquisa? Que recursos foram utilizados e como foi feito o resgate dos arquivos?

Como falei anteriormente existe um projeto de pesquisa que coordeno e em que possuímos o apoio da UFRJ com bolsas de IC e a contribuição dos estudantes de graduação da UFRJ. Dessa forma, sempre que se inicia um novo ano temos um planejamento do que será desenvolvido por nossa equipe. Portanto, utilizamos como base a pesquisa que já realizávamos no projeto e com o apoio de acervos externos à UFRJ, como o mencionado acima.

Estudantes realizam passeata no Centro do Rio. Foto: F. Milton/Arquivo Nacional

Estudantes realizam passeata no Centro do Rio. Foto: F. Milton/Arquivo Nacional

1964: Tempos Autoritários: UFRJ” é um pequeno documentário que faz parte da exposição. Você poderia falar um pouco dessa produção?

Esse vídeo foi feito por Carlos Moreira, que também trabalha no SiBI, com base no material da Coleção Memória da UFRJ, da Divisão de Memória. Ele utilizou o acervo sobre de História Oral que contém entrevistas com ex-reitores, e editou essas declarações, ele também agrupou algumas imagens que selecionamos para exposição no vídeo. Além disso, em nossa pesquisa utilizamos uma produção de 2006 pensada para refletir sobre a invasão da Faculdade de Medicina em 1966 pelas forças militares, e foi realizada pela Coordenadoria de Comunicação Social da UFRJ (Coordcom). Essas datas redondas, 2006 assim como em 2014, servem para rememorarmos o passado com os olhos do presente refletindo o quanto de presença desse passado ainda persiste ou não em nosso presente.

Que impactos vocês buscam causar na comunidade acadêmica e na sociedade em geral ao tratar do tema da ditadura militar brasileira no contexto da universidade?

Como mencionei acima, refletir sobre esse período significa analisar os sujeitos envolvidos nesse processo, e o quanto a tentativa de esvaziamento da Universidade promovida pelos diferentes expurgos de professores, servidores e alunos demonstrou o quanto pode ser prejudicial para o crescimento da própria instituição. Além disso, estamos dialogando com o debate que ocorre no país hoje e nos ajuda a refletir sobre esse processo, com as “Comissões de Verdade”; e a UFRJ também criou a sua Comissão da Memória e Verdade no ano passado, e que está contribuindo para fazer o levantamento desses expurgos e perseguições, além de compreender a vida universitária nesse período. E o SIBI tem apoiado essa iniciativa da UFRJ com a organização dessa Comissão.Enfim, acreditamos que a Divisão de Memória/SIBI tem como uma de suas funções refletir sobre a nossa instituição por meio da disseminação de seu acervo e de suas pesquisas.Agradeço imensamente o apoio e a divulgação de nossa Exposição.

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