RIO – Conhecido pela militância em favor do livro, da leitura, da literatura e das bibliotecas, a vida de Galeno Amorim não foi fácil enquanto presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), cargo que ocupou entre 2011 e 2013. Jornalista de formação, Amorim viu circular na internet um abaixo assinado no qual um grupo de pessoas envolvidas com a questão do livro fazia duras críticas à sua gestão.

Tampos depois, duas coordenadoras da FBN – Elisa Machado, coordenadora geral do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) e Cleide Soares, coordenadora geral de Leitura, uma unidade da Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) – pediram demissão (não atendida) fazendo críticas a sua gestão. Apesar dos percalços, Amorim avalia de forma positiva sua passagem pela FBN: “Na Biblioteca Nacional em si foram conquistas importantes”.

Estes problemas também parecem não ter frustrado seu ímpeto, pois atualmente está envolvido com uma série de projetos na área de leitura, seguimento que sempre lhe fascinou: “Nos últimos meses eu estou trabalhando intensamente com estudos que possam viabilizar e apoiar as políticas públicas e as bibliotecas para a chegada do empréstimo de e-books”.

Chico de Paula: Galeno, para o nosso leitor te conhecer melhor, você poderia falar um pouco da sua trajetória profissional e acadêmica?
Galeno Amorim: Eu fui professor de jornalismo na minha cidade que é Ribeirão Preto, [interior de] São Paulo. Trabalhei como jornalista desde os quatorze ou quinze anos de idade. Fiquei quase vinte anos no jornal Estado de São Paulo e tive algumas passagens pela televisão como a Rede Globo, Revista Final, Jornal da Tarde, que foi uma grande experiência do jornalismo brasileiro. Nos últimos vinte anos eu tenho me dedicado muito a questão do livro e da leitura. Já fui pequeno editor, um prêmio Jabuti de melhor livro de ficção do ano [com o livro À Sombra do Cipreste, publicado por sua antiga editora, Palavra Mágica]. Sou autor de livros e tenho dezessete livros publicados: infantis, de ensaios, alguns dos quais voltados para os temas das políticas públicas do livro e leitura. Como autor, realizo palestras para professores, alunos e leitores de várias idades. Sempre estive envolvido com projetos de fomento à leitura, criei várias instituições nessa área e tenho um histórico de atuação nas políticas públicas do livro e da leitura no Brasil e no exterior. Presidi alguns organismos internacionais como o Cerlalc [Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e Caribe], que é o único organismo na área do livro e da leitura ligado a UNESCO no mundo, com sede na Colômbia. Passei pelo Ministério da Cultura (MinC), criei o Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) com o MinC e o Ministério da Educação (MEC). Fui presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), mas, sobretudo sou um militante da causa do livro e da leitura.

C. P.: Você falou de sua relação profissional com o livro e a leitura. Qual é a sua relação pessoal com o livro e a leitura?
G. A.: Eu sou um leitor que tem necessidade de ler e em quem bate um desespero em determinados momento se não tem algo a mão para ler. Eu leio muito, mesmo nos momentos que estou em cargos públicos que demanda quatorze ou quinze horas de trabalho por dia; não tem sábados, domingos e feriados. Mesmo nesses momentos para eu manter o equilíbrio dependo de leitura, sou um viciado confesso. Eu gosto muito de ler biografias é meu gênero predileto, mas tenho vários tipos de leitura. Em determinados momentos tenho necessidade de ler romances históricos que gosto muito, em outros momentos de ler poemas, livros técnicos que utilizo muito profissionalmente; leio muito livro para crianças e jovens porque escrevo sobre isso. Enfim, faço um pot-pourri e tenho sempre três ou quatro livros na minha cabeceira conforme meu estado de espírito eu leio uma ou outra coisa.

C. P.: Você foi presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) de 2011 a 2013. Como você avalia sua passagem pela FBN?
G. A.: Do ponto de vista pessoal foi uma experiência riquíssima, do ponto de vista da ação pública foram desafios importantes, alguns vencidos, outros não.  Por exemplo, com relação à Biblioteca Nacional propriamente dita, nós conseguimos durante esse período aumentar de uma maneira importante o número de visitantes. Consegui algo que levou duzentos anos para acontecer: abrir a biblioteca aos sábados, domingos e feriados. Abrir para pesquisa em horários que não eram usuais, horários mais curtos. São formas de ampliar a presença e colocar a possibilidade de se apropriar, no bom sentido, do acervo aos pesquisadores, mais também ao cidadão comum. Tanto aquele que reside no Rio de Janeiro e não consegue visitar a biblioteca nos finais de semana e feriados que era o momento que tinha uma folga, como também os turistas do Brasil e do mundo todo que gostariam de conhecer a nossa biblioteca que é uma das oito mais importantes do mundo. Tem documentos, obras, um acervo importantíssimo. Outra coisa importante nesse período na biblioteca foi conseguir desenvolver parcerias, estudos, pesquisas a fim de criar uma possibilidade de colocar a biblioteca nacional com o pé no novo milênio, no futuro. Nesse sentido consegui viabilizar uma doação importante do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção de um segundo prédio para a biblioteca nacional numa área já existente no Porto Maravilha. Fizemos uma parceria muito grande com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) que dispôs uma equipe grande de técnicos para ouvir à casa e pessoas de fora, estudar aquilo que se faz no mundo todo. Na Biblioteca Nacional em si foram conquistas importantes e ela ganhou uma visibilidade positiva muito grande, embora seus problemas crônicos e históricos levaram pelo menos uns vinte ou trinta anos para serem enfrentados; também acaba colocando ela permanentemente em uma pauta um pouco mais difícil. Os problemas crônicos, como a necessidade de uma nova maneira de refrigerar o prédio em si para os funcionários, mas também para os acervos; de combater problemas como segurança, possibilidade de incêndios e até de inundação como acabou ocorrendo. É uma casa antiga. Cada vez que você mexe em alguma coisa surge algo novo. Tem que requerer uma intervenção mais drástica do Estado. Acredito que foram momentos importantes à medida que essas questões toda vêm à tona isso provoca um apoio maior por parte da sociedade, sensibiliza mais os governantes, o parlamento e os meios de comunicação. Penso que foi um período importante. Da mesma maneira a Biblioteca se abriu um pouco mais, participando de alguns tipos de eventos que acabou por apoiar em outros lugares do país. Ela se nacionalizou um pouco mais, embora seja algo extremamente importante para o estado do Rio de Janeiro, mas é, sobretudo, uma Biblioteca Nacional do Brasil. Então era importante que ela pudesse ir a outros lugares do Brasil, a outras capitais, a outros estados para divulgar, mostrar e dizer aos brasileiros a sua importância. As pessoas ainda conhecem muito pouco, mesmo no Rio de Janeiro onde ela é um cartão postal importantíssimo e que muitos turistas visitam, o tesouro que existe lá dentro é muito pouco apropriado pelas pessoas. Então foi feito um trabalho intenso de divulgação e ela ampliou muito a presença. Com relação à Fundação em si houve algo que era muito demandado pelos setores da sociedade brasileira, que era em um determinado momento trazer as políticas públicas, fazer uma reorganização estatutária para contribuir na criação de uma instituição específica para essa gestão. Eu cheguei até o final do mandato e isso não foi possível porque demora muito no nosso país para criar novas instituições, mas as condições foram criadas eu deixei isso tudo preparado para que em algum momento isso ocorra. Eu imagino que não deva demorar muito para acontecer isso não.

C. P.: Essa expressão “problemas crônicos” você já tinha utilizado em outra entrevista para o jornal O Globo no ano passado. Os problemas crônicos também são de ordem política além dos problemas técnicos?
G. A.: Não são exatamente de ordem política. Na verdade as instituições de cultura no nosso país no imaginário popular e no imaginário das autoridades orçamentárias, administrativas eu dizia e muito mais do que política, elas ainda não tem o peso e a percepção que deveriam ter e isso claro que dificulta. À medida que a sociedade reage, esperneia, denuncia e mostra problemas começa a ver uma percepção um pouco mais adequada para que problemas sejam enfrentados. Por exemplo: no caso específico de um equipamento cultural como o da Biblioteca Nacional, há de se ter orçamentos mais importantes, há de se modernizar, de se investir em pessoal; as pessoas estão envelhecendo naturalmente, estão se aposentando e não é feito um trabalho de substituição. Não porque os dirigentes não queiram, porque existe toda uma dificuldade nas áreas que autorizam isso. É algo que nosso caso na esfera federal, mas os equipamentos de cultura de uma maneira geral fazem com que isso aconteça na instância municipal e regional. Há de se perceber toda importância que um equipamento como esse tem, para permitir que coisas que não são meramente financeiras e orçamentárias possam ocorrer. Eu colocava para as ministras com quem trabalhei uma coisa: às vezes em uma instituição como essa, pior que não ter dinheiro é ter dinheiro e não conseguir utilizá-lo. Que não tem gente, pessoal insuficiente que carece de informação. Embora a Biblioteca Nacional tenha na sua área propriamente dita finalística pessoas da mais alta qualidade e com conhecimento sobre os processos da área, mas ainda carece de mais gente especializada.

C. P: No ano passado circulou na Internet um abaixo-assinado de um grupo de intelectuais ligado a área de leitura fazendo duras críticas a sua gestão. Como você encarou na época essas críticas feitas por esse grupo?
G. A.: Tinha um grupo, mas não necessariamente intelectuais, mas pessoas que atuam nessa área e tiveram manifestações de várias pessoas que atuam nessa área: autores, bibliotecários, pesquisadores, especialistas em leitura, editores, livreiros, essa gente toda que constitui o chamado povo do livro e da leitura defendendo de maneira muito forte as políticas que vinham sendo traçadas. Na verdade algumas pessoas tinham uma preocupação, que também é minha, de estar junto de uma mesma instituição, a Biblioteca Nacional propriamente dita, e a política do livro e da leitura. Na verdade era uma estratégia para que em um momento seguinte fossem criadas as condições de nós termos uma instituição pela qual eu luto e brigo nos últimos vinte anos. Sem dúvida nenhuma eu sou uma das pessoas que mais venho trabalhando e debatendo nessa direção. Então era algo muito pontual no sentido dessa separação com a qual eu concordo plenamente e sou defensor.

C. P.: Antes da sua saída teve um episódio envolvendo pedido de demissão de duas coordenadoras. Esse episódio contribuiu de alguma forma para sua saída da Fundação Biblioteca Nacional?
G. A.: Não. A minha saída da Biblioteca Nacional já estava acertada com a ministra [ da Cultura, Marta Suplicy] dois meses antes. Então eu aguardei enquanto ela buscava alguém para me substituir e foi nesse período que ocorreu uma ou outra manifestação. Na verdade em nenhum dos dois casos… Era uma pessoa que já estava de saída há algum tempo, eu protelei a saída dela para que pudesse buscar alguma colocação e foi isso.

C. P.: Você poderia falar agora a sobre os novos projetos que está se dedicando na área do livro e da leitura?
G. A.: Claro! Eu sou, sobretudo, um militante dessa causa do livro, leitura, literatura e das bibliotecas. Independente do lado do balcão que eu esteja em determinado momento, eu tenho um compromisso comigo mesmo e com várias pessoas, instituições, gente que atua voluntariamente na área, gente que também é militante de trabalhar por isso. Então em um determinado momento eu sou autor, às vezes fui editor, gestor, consultor, saí por aí fazendo estudos e pesquisas, projetos e estudos de fomentos à leitura na ponta. Percebo em dado momento que tenha mais necessidade de algum tipo de atuação. Agora, por exemplo, nos últimos meses eu estou trabalhando intensamente com estudos que possam viabilizar e apoiar as políticas públicas e as bibliotecas para a chegada do empréstimo de e-books. Como se sabe, no Brasil até hoje não tem um modelo de negócios que permita os livros recentes, lançamentos e best-seller, aqueles livros que interessam às pessoas, sejam emprestados nas bibliotecas. Estou trabalhando nesse sentido. Chegamos a uma proposta de modelo que tem interessado as partes, todo mundo tem aprovado muito porque foi pactuado a partir de consultas dos vários atores sociais envolvidos nesse tema. Tenho feito pesquisas sobre a situação das bibliotecas e sempre com intuito de contribuir, de cooperar para o desenvolvimento de novas políticas onde esse novo dado e conhecimento possa ter um sentido útil. Agora, por exemplo, tenho apoiado muito os trabalhos da Fundação Palavra Mágica que eu criei vinte anos atrás em doações pessoais, recursos e na época doei tudo para essa Fundação e sempre ajudo com trabalho voluntário. Estou ajudando eles a se instalarem no Rio de Janeiro agora no primeiro escritório fora de São Paulo, onde é a sede, para desenvolver projetos de leituras em diversas áreas aqui no Rio de Janeiro. Um deles começa daqui algumas semanas na Rocinha para desenvolver a leitura e fomentar o acesso. Devo participar a partir do mês de março de uma grande biblioteca de empréstimo de e-book, uma árvore de livros que é uma S.A., uma companhia com atuação nacional. Deve ter ao longo do ano 160 mil usuários. Este ano compro 20 mil e-books. Vai formar um acervo básico inicial de 20 milhões de cópias para essa atuação nacional. Sempre estou envolvido e metido nessas grandes aventuras que acabam trazendo resultados muito concretos. É importante sempre estar renovando nossos sonhos e nossas crenças, sempre que possível dar concretude a isso. Ao longo da vida esses projetos que eu participei, foi isso que aconteceu. Agora eu estou mobilizando alguns parceiros, alguns recursos para fazer com que o digital e o empréstimo de e-books cheguem a todas as bibliotecas do país.

C. P.: Você falou dos e-books, dos livros digitais. Você acredita que tanto do ponto de vista cultural como do mercadológico, o e-book chegou para ficar no Brasil ou ainda vai encontrar muitas dificuldades?
G. A.: O Brasil resistiu enquanto pode a entrada dos e-books, até por conta daquilo que aconteceu em outros setores como a música. Houve certa resistência por parte do mercado editorial; de certa forma isso ainda existe. No entanto, no ano de 2013 ocorreu algo que eu até utilizei para dar nome em um projeto que conduzia nessa área, que foi o chamado ano zero do livro digital no Brasil e por algumas razões mais editoras passaram a publicar: a chegada dos grandes players internacionais que vieram para o Brasil como a Amazon, Apple… A adesão de empresas nacionais importantes, a Livraria Cultura, a Saraiva e outras. Entre os estrangeiros o Google também é um elemento importante nisso. Uma finalização forte por parte do Governo Federal aonde o Ministério da Educação (MEC) chegou e falou: “olha, queremos os digitais nas compras públicas”. Então criou um cronograma que adotou desde 2013 crescendo em 2015, 2018 e 2021. Pode ser que chegue a 2021 o MEC dizendo o seguinte: “agora só vamos comprar e-book didático para atender as escolas”. E com isso o mercado ficou mais atento e se abriu mais para a chegada do digital no setor do livro no Brasil. Agora algo que ajudou muito nessas três pilastras que sustentam a chegada do e-book foi o fato de o número de dispositivos de leitura, os tablets, os smartphones e os e-readers passaram a ter uma presença muito forte no Brasil. Houve um grande número de implemento de conexões com banda larga no país. A presença de uma grande quantidade de aparelhos no último Natal, por exemplo, de smartphones e tablets foram os grandes sonhos de consumo da classe C e D. Uma maior conexão com a internet e a maior presença desses dispositivos ajudou a fazer com que a base de leitores seja muito grande. Temos hoje cerca de 40 milhões desses aparelhos no Brasil, fora a leitura no computador, no notebook, no netbook e em outras possibilidades. Então as condições estão criadas. Eu diria que esse é o ano do livro digital no Brasil, até aqui 3% do mercado. Com os empréstimos que é algo que está vindo para ficar e ganha um espaço maior, eu tenho uma convicção muito grande que está em curso: o início de uma grande revolução na leitura com a ajuda do digital. Claro que convivendo harmoniosamente nos diversos suportes: o papel com o digital, o áudio-book com o braile, com os diferentes suportes existentes. Até que porque não é o mais importante, e nem o conteúdo. O mais importante de tudo isso é a própria ação do conteúdo e a transformação que pode se dar em cada indivíduo leitor a partir desse processo.

C. P.: Você mencionou as políticas públicas, sobretudo a do Governo Federal para as bibliotecas públicas. Em 2009 o então presidente Luís Inácio Lula da Silva esteve no Rio de Janeiro e disse que o Governo Federal estava prestes a zerar o número de municípios sem bibliotecas públicas, só que em 2014 isso ainda não aconteceu. Na sua avaliação, o que está faltando para que essa meta seja alcançada?
G. A.: Falta um grande movimento nacional em favor das bibliotecas públicas. Em 2003 eu conduzi um levantamento com apoio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostrou na época que havia mil e trezentas cidades no Brasil sem uma biblioteca. Desde então criei um programa inicialmente chamava Fome de Livros; depois entrou para as políticas públicas, o que é muito positivo. Nesse período instalou mil e setecentas bibliotecas, aliás, quatrocentas a mais do que o IBGE constatou que não tinha e ainda insuficiente. Nos meus últimos meses na Biblioteca Nacional faltavam entregar umas trinta ou quarenta bibliotecas para as cidades que ainda não tinham a sua. Outras que haviam recebido, no entanto, algo como trezentos ou quatrocentos já tinha recebido e ainda faltava instalar e inaugurar a biblioteca. Se não há um grande movimento da sociedade para mostrar, exibir, cobrar, apoiar e ajudar, isso se transforma em algo que não acaba ocorrendo. O que acontece comumente é que muitos lugares em que tem uma biblioteca e você volta daqui há um ano ou quando muda uma gestão municipal essa biblioteca deixou de existir. De repente as pessoas têm um entendimento equivocado de que aquela biblioteca não tem leitores. Diariamente eu converso e recebo e-mails ou me procuram cinco a seis bibliotecas e bibliotecários; agora de manhã eu estava lendo o depoimento de uma pessoa que me mandou dizendo o seguinte: “olha, eu tinha uma biblioteca que atendia duzentos leitores e ai chegou o prefeito, achou que aquilo não era importante e fechou”. Você vai naquela cidade que estava zerado esse déficit e passou a não ter uma biblioteca e isso acontece o tempo inteiro. Ainda não é um valor para a sociedade. Escola já é um valor para a sociedade; as autoridades vão construir um conjunto habitacional hoje e necessariamente tem uma escola lá dentro, dependendo do tamanho. Porque é um valor e a sociedade vai cobrar duramente, talvez tenha um posto de saúde se não dentro, mas próximo porque é um valor. A biblioteca ainda não tem essa percepção por parte da sociedade. Algumas autoridades tem essa percepção e acabam ajudando a instalar essas bibliotecas, outras não. Para muitos prefeitos do Brasil biblioteca é um grande problema porque na visão deles nada é positivo, dá trabalho, dá traças porque os livros vão ficar parados, tem que colocar gente para limpar, para abrir, pagar energia elétrica para funcionar, enviar um profissional para esse local para uma atividade. Para quem tem esse tipo de visão, não acrescenta nada para as pessoas. Claro que eles estão redondamente enganados e nem suspeitam o quanto aquilo poderia ser útil para o seu próprio projeto de governo naquele lugar, mas a verdade é que isso ocorre. Além de reunir recursos orçamentários, vontade política de fazer as coisas, na verdade é importante que os vários setores da sociedade percebam que é chegado o momento de fazer um grande movimento social, onde a imprensa cobre no dia-a-dia quem não tem biblioteca, onde pode fechar uma biblioteca. Por exemplo, a sociedade hoje tem uma percepção maior e melhor do papel dos livros; hoje quando alguém encontra livros que alguma prefeitura tenha descartado no lixo vira um escândalo, ainda que sejam livros velhos e que não sirva para muita coisa. O fato de ser descartado assusta e incomoda as pessoas; o fato de ver uma biblioteca fechar ou dar lugar a um depósito de alimento, a uma escola, uma classe ou acomodar algum tipo de coisa ainda não incomoda as pessoas. Então vai conseguir zerar nesse momento, se não você vai estar sempre instalando. Há mais de dez anos atrás eu não atuava no ministério, mas cheguei a ver algumas pessoas dizerem que quando o governo mandava livros para determinadas cidades e o prefeito gostava, ele levava para a casa dele e para a biblioteca pessoal. Não posso provar, mas eram boatos fortemente que corriam por toda parte; isso não acontece mais porque já há outra percepção. No entanto, você guardar livros em algum determinado lugar ainda é algo normal que não desperta a ira, a revolta, ninguém sai à rua para fazer manifestação contra esse tipo de coisa, deveria.

C. P.: Voltando rapidamente a questão da Fundação Biblioteca Nacional. Uma das coisas que percebemos e que os bibliotecários muitas das vezes se ressentem de o cargo de presidente da Biblioteca Nacional não ter sido ocupado pelo menos uma vez por um bibliotecário. Você acredita que existem bibliotecários com condições de assumir esse cargo?
G. A.: Certamente! Existe bibliotecários que podem ser governadores de estados, presidente da República, mas essa questão ela é outra. Antes da criação da FBN, bibliotecários sempre estiveram a frente da Biblioteca Nacional, dirigentes e bibliotecários importantes que fizeram história no comando da Biblioteca Nacional. Depois de um determinado momento foram presidentes de instituições, ai o presidente de instituição tem que ser um bom gestor, não precisa ser necessariamente escritor, bibliotecário ou especialista em literatura, tem que ser gestor. E o gestor só se encontra em quais profissões? Nas diferentes profissões e inclusive na Biblioteconomia, mas não é nesse caso uma condição. Quando você vai cuidar de uma instituição que tem setecentas pessoas que trabalham, você tem que ser um bom gestor e tem que colocar profissionais que entendam muito, que seja bibliotecário para comandar todo o processo ligado a Biblioteconomia dentro do equipamento, no caso a Biblioteca Nacional. Eu veria com muita alegria porque tem grandes gestores que tem essa formação em Biblioteconomia. Eu pessoalmente adoraria – faço uma confissão aqui – de ter feito Biblioteconomia. Acho que é uma das coisas que vou passar por essa vida, olhar para trás e dizer: o que você deixou de fazer? Talvez essa seja uma das coisas.

C. P.: Mas você é um bibliotecário de espírito.
G. A.: Sem dúvida que sou.

C. P.: Para encerrar nossa entrevista, como você vê esse momento político pelo qual o Brasil está passando? Por conta das manifestações e desse pretenso acordar do povo brasileiro.
G. A.: Em vários momentos da história recente do país isso esteve presente. Por exemplo, nós saímos às ruas para exigir eleições diretas, para exigir o impeachment do Collor; saímos às ruas para exigir anistia, para exigir abertura democrática, como as pessoas no país inteiro saíram às ruas em 2013 para pedir outros avanços. Cada vez que as pessoas saíram às ruas, os avanços de alguma maneira aconteceram e é importante que os avanços continuem ocorrendo. As pessoas têm várias questões pontuais para pedir que incomodam, mas as pessoas também têm um descontentamento coletivo e isso é o que une a todos nós. Queremos ver o país reduzindo cada vez mais a corrupção, que foi elevadíssima vinte anos atrás, cinquenta anos atrás e cada vez é menor porque há transparência, há divulgação, estamos fora da censura, fora de um período autoritário e ditatorial. Temos, por exemplo, um desejo comum enquanto sociedade de ver a melhoria nos serviços públicos, de obter avanços nas aplicações dos recursos, maior eficiência e eficácia. Enfim, têm várias questões que nós queremos ver melhoradas: queremos menos violência, queremos poder sonhar mais e diversas questões. Houve nos últimos anos muito avanço no campo social e no combate a desigualdade, na melhora da economia brasileira e em diversos setores. Gostamos disso e agora queremos mais.

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