RIO – O bibliotecário e mestrando em Ciência da Informação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Fabiano Caruso, fala com exclusividade a Revista Biblioo sobre questões que envolvem o seu interesse pela Biblioteconomia, sua formação e seu objeto de pesquisa, a Ciência Aberta, que está sendo desenvolvida nos estudos do mestrado.

Em um bate-papo bem descontraído, Caruso relembra experiências vividas nos encontros estudantis e comenta a respeito da criação do ExtraLibris e dos desafios da área de Biblioteconomia na atualidade.

Rodolfo Targino: Como você se interessou por Biblioteconomia? Suas expectativas a respeito da profissão mudaram durante da graduação?

Fabiano Caruso: O meu interesse pela biblioteconomia foi por um conjunto de fatores. Frequentei boas bibliotecas na infância e na adolescência bibliotecas públicas. Era daqueles adolescentes que ao invés de interagir na quadra de esportes nos intervalos, fugia para a biblioteca. Depois de um tempo que comecei a trabalhar, paguei pelo acesso à internet em casa. Mas, na época, não existiam plataformas de redes sociais fechadas como o facebook. A internet era dominada por portais de notícias e conteúdo. Foi quando descobri as listas de discussão – isso era em 1996 para se ter uma ideia. Ou seja, o uso da internet ainda era muito elitista, com muita gente que só tinha acesso do trabalho ou universidade. Então passei por esta fase de espectador com uma ideia romântica da academia, como um lugar que as pessoas usavam a internet para trocar ideias de alto nível. Só que com a minha formação e a necessidade de trabalhar, não dava para estudar para um concorrido curso em uma universidade pública. Acabei pagando uma faculdade particular de direito e, mais uma vez por falta de recursos, precisei trancar o curso. Então comecei a procurar algum curso em uma universidade que não fosse tão concorrido, e precisava ser a noite para que eu pudesse trabalhar durante o dia. Em paralelo a esta busca, já estava muito influenciado pela cultura digital, e acabei lendo artigos da área, depois que peguei o “as tecnologias da inteligência” do Pierre Levy na biblioteca da UFF para ler – com a matrícula de uma namorada que cursava pedagogia – pensei que era tudo o que queria fazer. Como tinha familiares morando em Florianópolis, avós, madrinha, e o curso de biblioteconomia era noturno, mudei-me para Florianópolis em 2001 na crença que passaria no vestibular e iniciaria as aulas em 2002 – curiosamente a minha colação de grau aconteceu no mesmo dia, 5 anos depois que cheguei em Florianópolis – 16 de Setembro de 2006.
Quando entrei para o curso, os primeiros semestres foram ótimos, as disciplinas eram sobre fundamentos, as possibilidades de atuação etc. Mas quando comecei as disciplinas mais técnicas, entrei em um conflito porque a minha visão era que a atuação poderia e deveria ser mais que isso. Então, a partir do meio do curso comecei a ler muitas coisas de outras áreas, artigos publicados em periódicos estrangeiros, e direcionei a minha formação para os problemas dos ambientes digitais, distanciando-me até do modelo de atuação em bibliotecas. Isso, claro, após ter aproveitado a graduação para experimentar um pouco de tudo na área, cheguei a trabalhar um ano em uma biblioteca escolar em uma comunidade carente, com programas de leitura para as crianças e até tentei criar oficinas de xadrez pela biblioteca (mas roubaram o tabuleiro). Mas pelos anos finais do curso a minha preocupação passou a ser: o que um bibliotecário poderia fazer fora de bibliotecas? O meu trabalho de conclusão de curso foi sobre esta tentativa, de posicionar o bibliotecário como uma espécie de consultor informacional. Mesmo que hoje em dia já não defenda tanto que a informação seja o foco. As bibliotecas para mim eram os lugares para potencializar o intelecto das pessoas e o bibliotecário atuando fora delas, deveria trabalhar com esta mesma problemática “liberal e humanista”.

Emilia Sandirnelli: Você está sempre envolvido em projetos como o Extra Libris, como surgem essas ideias? Em quais projetos você está envolvido atualmente?


F. C.: Estas perguntas de surgimento de ideias são bem difíceis responder, porque as ideias surgem quando você tem um problema que tenta resolver e começa a experimentar sem medo de errar. Então, especificamente da ExtraLibris, o problema era que estava assistindo outras pessoas usando a internet para fazer coisas interessantes e sentia a necessidade de criar algo para que outros estudantes como eu, pudessem publicar na internet. Ela começou a tomar forma depois da minha ida ao Encontro Nacional dos Estudantes de Biblioteconomia, Documentação, Gestão e Ciência da Informação (ENEBD) de Curitiba em 2003, quando uma ministrante de oficina não apareceu e me ofereci para dar a oficina dela de “clipping”. Só que ao invés de focar o clipping no meio tradicional, apresentei às pessoas algumas ferramentas digitais para a organização e gerenciamento de informações pessoais. O Moreno Barros estava nesta oficina, não interagimos no evento depois dela, só por email e durante anos. Também conheci o Alex Lennine, Gustavo Henn e Rodrigo Galvão. Quando retornei do evento tive uma ideia de criar algum blog na internet voltado para estes estudantes, que estavam espalhados pelo Brasil para estimular a produção na área. Então, enviei um email para algumas pessoas que havia conhecido no ENEBD e, na época existia este blog, o Bibliotecários sem Fronteiras (BSF), e enviei um email para eles também. Algumas pessoas responderam que queriam participar. Então houve reuniões com algumas pessoas, mas ativamente quem participou além de mim foi o, Alex Lennine, Gustavo Henn, Moreno Barros e Rodrigo Galvão. Começamos uma lista de discussão para organizar tudo no final de 2004 e colocarmos no ar a primeira versão da ExtraLibris no começo de 2005. A primeira versão era uma revista temática, depois surgiram os blogs associados. Tentamos agregar outras pessoas. A Isadora Garrido – que nem cursava Biblioteconomia, a encontrei no orkut na comunidade de Biblioteconomia – foi uma delas que ajudou muito com as traduções de artigos. Depois fomos nos formando, precisando buscar formas mais concretas para se sustentar. Mas o que acabou dando mais certo da ExtraLibris foi a proposta do Gustavo Henn para concursos. Ou seja, queríamos inicialmente formar uma comunidade para agregar estudantes para pensar o futuro da atuação, mas o que mais atraiu foi a questão dos concursos públicos. No ano passado resolvi retornar com a ExtraLibris orientada para capacitação à distância – agora com o Cauê Araújo. A ExtraLibris sempre funcionou como uma incubadora para várias ideias. A minha atuação sempre foi tentar apoiar as pessoas a usar a web para executá-las.
Durante os últimos anos, afastei-me um pouco da Biblioteconomia e atuei com formação de comunidades digitais, gestão do conhecimento e aprendizagem organizacional para algumas grandes empresas e instituições públicas. Desde o ano passado comecei a delinear a minha volta para a área com um projeto para o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), como responsável pelo desenvolvimento de uma nova proposta para o cadastro nacional de bibliotecas e programado para este ano um projeto de mobilização social utilizando a web para apoio a implementação e modernização das bibliotecas públicas. Também existe um projeto relacionado a Ciência Aberta patrocinado pela coordenação de pós-graduação da Unicamp com a criação de portfólios digitais para doutores vinculados a um departamento. E outro associado diretamente a minha pesquisa de mestrado e ao programa de pós-graduação da UFF com a implementação de uma plataforma na web para a formação de uma rede colaborativa para estudantes e pesquisadores. Ou seja, o meu papel tem sido buscar projetos relacionados ao que chamo de inteligência colaborativa e serviços de informação com uso de plataformas da web aberta. Com temáticas como Ciência Aberta e Biblioteca Aberta.

E.S.: Você também iniciou recentemente o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense. Qual é seu objeto de pesquisa? O que o levou a escolher esse tema?

F. C.: O meu objeto de pesquisa é a Ciência Aberta. Este tema é um conceito guarda-chuva, que agrupa tendências relacionadas a comunicação e colaboração na web aberta orientada para a formação acadêmica e científica. Desde a graduação havia pesquisando e experimentando soluções neste sentido, criado algumas oficinas sobre o tema em eventos da área, e depois passei a atuar profissionalmente dentro de organizações. A minha escolha de me envolver com este tema academicamente, é que por um lado senti que voltar a academia seria um motivo para me disciplinar a voltar a escrever e, por outro lado, a necessidade de trazer esta temática – pelo menos com a orientação que tenho defendido – para que os estudantes possam ter materiais publicados e entender melhor algo que na informalidade defendia, mas sempre que conversava com muitos estudantes e profissionais parecia estar falando grego. Existe uma grande oportunidade de atuação profissional desperdiçada, mas só com um blog, sem artigos escritos, esta oportunidade não seria explorada em sala de aula nas universidades.

R. T.: Com o advento das novas tecnologias da informação, qual a sua opinião sobre o rumo das bibliotecas e dos hábitos de leitura?

F. C.: A minha opinião sempre foi um pouco controversa neste sentido. Nunca acreditei que o papel das bibliotecas e dos profissionais fosse estimular o hábito da leitura como se tem muito propagado. As bibliotecas, seriam os lugares para as pessoas letradas e funcionalmente alfabetizadas, pudessem ir e encontrar o que gostariam de ler de forma independente. Sem a necessidade de mediadores – dos currículos escolares, por exemplo – falando para elas o que deveriam ler e porque ler. Porque esta foi a minha experiência na adolescência. Sair das aulas chatas preparatórias para o vestibular, ou para ser um profissional obediente. As bibliotecas eram os únicos lugares para se esconder da boçalidade coletiva de que é importante ler para conseguir uma boa profissão, ser uma pessoa produtiva na sociedade. O profissional “liberal e humanista” sempre foi para mim – mais uma vez o romântico – a formação humana em primeiro lugar. Conseguir algum tipo de sucesso na vida não é o objetivo dos livros, mas uma consequência indireta deles. E os livros são tecnologias né? Nada mais que isso. As novas tecnologias da informação são apenas repetidoras de sinal e intensificadoras das formadoras de conexões. Então o rumo das bibliotecas tão relacionado apenas com o impacto destas novas tecnologias, mas com enviar o sinal certo para a sociedade, como permitir a formação destas conexões sem fronteiras e as limitações socioeconômicas de acesso às boas bibliotecas por exemplo. A mudança maior não é em relação às ferramentas, mas a percepção de que as bibliotecas foram sempre serviços para apoiar a formação de comunidades. O uso das novas tecnologias pela área deveria ser para potencializar também esta formação destas comunidades – orientadas para o desenvolvimento intelectual. E não apenas para a migração da representação técnica da área.

R. T.: O funcionalismo público constitui atualmente uma fatia muito visada do mercado de trabalho na área de Biblioteconomia. Você acha que a formação do bibliotecário pode estar sendo muito voltada para isso hoje em dia? De que forma esse comportamento afeta a classe como um todo?

F. C.: O setor público acaba sendo a opção mais segura e viável para se atuar profissionalmente. De um lado existe uma falsa criação de expectativas sobre as oportunidades de atuação profissional no futuro (escolhi biblioteconomia por causa delas), mas do outro lado a formação continua orientada para a atuação institucional. O profissional vai ocupar um tipo de espaço e ser responsável por ele. Tentaram até mudar o nome deste espaço de biblioteca para unidades de informação, acreditando que esta mudança representaria a ampliação destes espaços. Mas o problema é que continua sendo uma mentalidade territorial. Do profissional atuando como uma espécie de mediador e gestor destes espaços. E é o setor público que acaba consolidando melhor esta questão do território e dos espaços de atuação para a área. O que a meu ver é o grande desafio para a classe. Porque mesmo no setor público, os recursos estão mais concentrados em certos tipos de bibliotecas.

E. S.: O termo “Nova Biblioteconomia” vem sendo construído e desconstruído ao longo dos números da Revista Biblioo. Para você o que é ou o que precisa ser a “Nova Biblioteconomia”?

F. C.: Não sei se existe na verdade esta “nova biblioteconomia”. Existem novas pessoas, com novas ideias, tentando fazer a diferença. O que eu sinto falta e justamente um modelo para a área baseado no reconhecimento de quem está tentando fazer da Biblioteconomia uma prática, um instrumento de transformação da vida das pessoas. E não um modelo, de meta-biblioteconomia. Do acadêmico que escreve sobre o futuro potencial da área, mas que não lidera e não mostra como fez na prática. De que adianta a cultura acadêmica de ler grandes autores, se na prática não existe a materialização destas ideias. Quando ia para os eventos na área sentia falta desta materialização. Existem muitos profissionais heroicos, operando milagres em bibliotecas em pequenas comunidades que não estão sendo vistos. Procurando periódicos relacionados a biblioteconomia lá fora, existem de tudo, para várias questões pontuais. Apenas uma sobre serviço de referência, outra sobre desenvolvimento de coleções etc. Os profissionais tem uma visão mais clara sobre o seu papel: sou bibliotecário, atuo dentro de bibliotecas, como cumprir melhor o meu papel dentro delas neste cenário? Então escrevo sobre minhas práticas e troco com outros profissionais. Por aqui temos muito esta crise de identidade graças à confusão entre biblioteconomia (transformação da realidade) e ciência da informação (compreensão da realidade). O que acaba gerando uma meta-biblioteconomia. Muita gente escrevendo sobre os bibliotecários, sobre livros, sobre bibliotecas, ao invés de olhar para as pessoas, pensar o que elas realmente querem, precisam, e o que podemos fazer por elas.

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