Por Lucas Krempel de A Tribuna

A extinção do Ministério da Cultura, anunciada na última semana pelo presidente interino da República, Michel Temer, caiu como uma bomba no meio artístico. Músicos, cineastas, atores, jornalistas, escritores e dançarinos criticaram tal medida. O último ministro da Cultura, o baiano Juca Ferreira, conversou com exclusividade com A Tribuna sobre a mudança na estruturação do ministério, que agora passa a integrar a pasta de Educação. Para Ferreira, o movimento feito pelo governo interino é um erro, um retrocesso. Antes do Governo Sarney (1985-1990), Cultura também integrou o Ministério da Educação. Crítico da atual Lei Rouanet, Ferreira, que foi ministro da Cultura nos Governos Lula (2008-2010) e Dilma (2015-2016), comentou pontos importantes conquistados em sua gestão e o que espera para os próximos meses. Ele ainda não sabe o que fará da carreira, mas estuda com carinho a possibilidade de se candidatar a prefeito em Salvador, sua terra natal.

Como avalia a mudança de rumo da Cultura dentro do Governo Federal?

É um erro monstruoso, um retrocesso. O ministério foi um dos primeiros atos da redemocratização, quando o então presidente Sarney criou o ministério por perceber a necessidade de estruturar um setor que desse conta da importância e complexidade da cultura. A saída do ministério da estrutura da Educação representou um avanço enorme. Primeiro, porque ganhando status de ministro, passa a ter mais importância dentro do governo e as políticas culturais passam a ter mais oportunidades de implementação. O Ministério da Educação já é muito amplo, tem uma responsabilidade enorme, está fazendo um esforço grande para disponibilizar a educação para todos. Agora, com o retrocesso, as políticas culturais ficam submetidas a uma outra dinâmica igualmente importante e não conseguem se desenvolver.

Qual efeito poderá ter na força política da pasta?

Hoje, nós participamos da agenda social, a cultura tem interface com o desenvolvimento agrário, o combate à violência, no combate à intolerância e a construção de uma sociedade na qual o respeito mútuo seja predominante. Temos interfaces na saúde, na comunicação. Então, o status de ministério permite que o Ministério da Cultura cumpra o seu papel de aprofundar as políticas públicas dos últimos anos. Perderemos isso. É um ministério que tem uma responsabilidade imensa e vem desenvolvendo expertises, tecnologias. O audiovisual já rende muito mais que é investido pelo governo. Isso demonstra que políticas culturais bem-sucedidas não é gasto, é investimento. Essa mudança só se explica porque o neoliberalismo permite a redução a uma questão econômica.

Qual é o atual orçamento anual do ministério? Acredita que a queda será muito grande com a perda do status de ministério?

Olha, a essa altura não sei dizer. Nós herdamos dos tucanos, do Governo FHC, um orçamento de R$ 287 milhões. Mais de 70% eram para despesas fixas, luz, água, telefone. Era um ministério acanhado, sem projetos, sem investimentos. No Governo Lula, nós chegamos a ter R$ 1,3 bilhão em recursos. Houve uma perda nos últimos cinco anos e meio, mas mesmo assim é maior que a soma anterior. Mas é insuficiente. Houve muito corte e não sei dizer de cabeça. O ministério está com dificuldades financeiras para manter os projetos. É evidente que teremos perdas. O próprio ministro da Educação, em solenidade, disse que é um equívoco porque o Ministério da Educação já tem uma complexidade imensa para resolver e a presença da cultura é um problema para os dois ministérios. Tem um pouco de vingança contra a classe cultural que se manifestou contrária ao golpe. Além disso, tem uma visão estreita e burra.

Nos últimos dias observamos uma série de críticas ao Ministério da Cultura. Em uma delas, o deputado federal Stepan Nercessian (PPS-RJ) chegou a dizer que os Pontos de Cultura foram imobilizados pelo Governo Dilma. Houve algum erro de estratégia?

É uma afirmação maliciosa e mentirosa. Hoje no Brasil se inventa, mente e calunia com muita facilidade. Não há partidarização nenhuma dos pontos. Nós temos um universo muito grande de pontos de cultura, frutos de editais, com comissões de especialistas que fazem a seleção. Infelizmente não temos como dar conta de todos os projetos, atendemos cerca de 10% deles no Brasil. Essa escolha passa pela repercussão e importância. Não tem o que dizer. São pessoas que virão para a área cultural fazer o serviço sujo.

Serviço sujo?

Desmontar o ministério, retroceder nas políticas culturais, apoiar a direita no sentido de substituir conquistas. É isso que eles vão fazer. O governo ilegítimo que está se instalando quer pessoas próximas das áreas culturais para que façam esseservicinho para eles.

O que esperar do futuro dos Pontos de Cultura com as modificações?

Governo que está chegando tem tido uma postura de falta de respeito absurda ao que foi construído. Eles falam muita bobagem e não sabem o que está acontecendo. Está tudo ameaçado. Tudo que houve de fortalecimento está sob risco. É um governo que responde muito mais pelos anseios do capital do que aos anseios da população brasileira.

A Lei Rouanet vem sofrendo muitas críticas por conta do seu formato…

Eu sou o maior crítico dela. É uma lei ruim. É uma lei que pega dinheiro público e dá para o Departamento de Marketing de uma empresa determinar onde se deve usar. A gestão que é feita é isenta, respeita as condições legais. O defeito está no corpo da lei, o conteúdo dela.

O que pode ser feito para mudá-la?

Já está tramitando no Congresso a proposta. Na Câmara, fizeram algumas modificações ruins, mas parece que o projeto do Senado vai corrigir. Mas nesse momento político, prefiro aguardar para emitir uma opinião.

O senhor acredita ainda ser possível o retorno da presidente Dilma?

Não sei como vai evoluir o Congresso. Como eles vão reagir às medidas desses que estão se instalando no Governo.

Você chegou a conversar com a presidente na semana do afastamento?

Conversei antes. Ela está bem. É uma pessoa forte, compreende politicamente o que está acontecendo, sabe da ilegitimidade do processo, sabe que não cometeu nenhum crime de responsabilidade. Está bem dentro do possível.

Acredita que ela foi escolhida para pagar um erro cometido em todos os governos anteriores?

O PSDB desistiu da democracia. Logo depois da eleição o partido começou uma política de cerco e aniquilamento do governo. E quer criminalizar a presidente. Os integrantes conseguiram isso com a cumplicidade de boa parte da grande mídia, e parte do Judiciário, quando criaram a impressão que a corrupção é coisa do PT. Mas na verdade é algo geral, do sistema político. Todos dependem dos recursos dos empresários.

O atual formato de eleição precisa ser revisto? As alianças políticas devem acabar?

É preciso haver um balanço. É algo muito sintomático. Pessoas que eram ministros nos governos Lula e Dilma, dois dias depois estavam apoiando o golpe, votando a favor do impeachment. Isso é vergonhoso. Sou a favor das políticas de aliança. Esse modelo de governabilidade é muito ruim. E o mesmo modelo está sendo usado por essa turma que está chegando. Precisamos amadurecer muito e proteger nossa democracia. Os lordes tomaram conta da nossa representação.

Muito se fala sobre as semelhanças entre o atual momento político com a série norte-americana House of Cards. O senhor concorda com isso ou acredita que estamos mais para Game of Thrones?

Ainda não assisti Game of Thrones. Mas tem semelhanças e diferenças com oHouse of Cards. A série reflete certas dificuldades da democracia americana, que são diferentes da nossa. A submissão do sistema político americano ao empresariado não é tão diretamente compra e venda. É mais complexo. Oslobbys operam dentro do Congresso. Especialistas afirmam que nada passa lá sem um lobby poderoso ou a anuência. O sistema deles é um pouco diferente. Não tem cenas de compra e venda de parlamentares.

Tem algum filme, livro ou música que reflete bem o momento para a cultura?

Tem um título de filme: Exterminador do Futuro. A história é diferente, mas o título é bem apropriado.

Opinião dos Santistas

“Não é a melhor iniciativa o fim do Ministério da Cultura, para superar as dificuldades financeiras do governo. No entanto, a secretaria nacional de Cultura, autônoma, no guarda-chuva do Ministério da Educação, pode ser um sinal de que esse governo não desqualificou o setor. Como cidadão, poeta, escritor e gestor de um programa estadual de Cultura, creio que ainda é cedo para tomar um lado nessa história, porque desconhecemos quem será o secretário e qual o seu plano, principalmente as linhas que nortearão a sua gestão em meio a tantas dificuldades conhecidas de todos nós.”, Raul Christiano, jornalista e ex-secretário de Cultura de Santos.

“A produção cultural segue com ou sem ministério. Importante é produzir, respirar e viver a vida. Mas com um Ministério é melhor.” José Luiz Tahan, idealizador da Tarrafa Literária.

“O Minc é menos dispendioso que qualquer verba parlamentar. Cultura não pode ser acessório de Educação. Convergentes sim”. Flávio Viegas Amoreira, poeta.

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