RIO – De um tema quase esquecido, a informação e a documentação jurídica vêm ganhando forma, nesse ano de 2012, com a série de eventos que vêm resgatar a temática. Dentre estes eventos, destaca-se o 5º Seminário de Informação e Documentação Jurídica, não só pelo fato da biblioo estar diretamente envolvida na organização, mas porque o estado do Rio tem abrigado instituições especialmente comprometidas com a questão, como são os casos do Grupo de Informação e Documentação Jurídica do Rio de Janeiro (GIDJ/RJ) e a Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro (PGE/RJ). Nestes Diálogos, os representantes das duas instituições, Célia Escobar, diretora de normas e legislação do GIDJ e Dr. Leonardo Mattieto, procurador chefe do Centro de Estudos Jurídicos (CEJUR) da PGE/RJ, falam sobre suas preocupações, entre outras coisas, em relação à democratização da informação e sobre os esforços de suas instituições para que isso seja possível.

Chico de Paula Existe hoje uma preocupação do poder público em relação à informação jurídica, ou isso ainda deixa muito a desejar?

Leonardo Mattietto: Eu não entendi muito bem o alcance da pergunta…

C. P.: Vocês entendem que existe uma preocupação do poder público, de um modo geral, em relação à questão da informação jurídica; de disponibilizar a informação para a população de um modo geral, e um exemplo que eu poderia dar são os diários oficiais?

Célia Escobar: A informação jurídica hoje, além de uma necessidade do cidadão, é um direito constitucional. A nossa Constituição prevê um acesso muito mais amplo a essa informação. Não só a informação jurídica, mas a informação de uma maneira geral.

L. M.: Sim, sem dúvida. A informação jurídica esta à pauta, hoje, do poder público, das ações do poder público. O acesso à informação, eu vejo como uma política pública consolidada. Não por acaso, no final de 2011, surgiu uma nova lei (Lei nº 12.527, de novembro de 2011, Lei de acesso à informação), que entrará em vigor em maio de 2012, daqui a pouco, sobre o acesso a informação pública. Não é de hoje que as instituições jurídicas, pelo menos aqui no estado do Rio de Janeiro eu vejo isso muito claramente, as instituições e as carreiras aqui são bem estruturadas, as instituições são sólidas, e eu me refiro tanto ao TJ [Tribunal de Justiça], PGE [Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro], a PGM [Procuradoria Geral do Município do Rio], ao Ministério Público, e sem dúvida, à Defensoria [Pública]. Todas estas instituições tratam, me parece, de maneira bastante adequada, as suas informações. E todas, não por acaso, tem boas bibliotecas. As melhores bibliotecas jurídicas do Rio de Janeiro não estão, como alguém poderia achar, nas faculdades. As nossas grandes bibliotecas jurídicas estão nas instituições que têm a missão constitucional. Tanto o tribunal, quanto as funções essenciais à justiça.

C. P.: Essa função essencial que o senhor se refere, seria o princípio da publicidade?

L. M.: Não, me refiro às atribuições desempenhadas. Às atividades fins dessas instituições que eu mencionei. Mas que o principio da publicidade permeia essa atuação eu também não tenho nenhuma dúvida.

C. P.: Em relação aos profissionais, tanto da área jurídica quanto aos bibliotecários, essas pessoas estão atentas para esta questão, para a importância da disponibilização, do gerenciamento da informação de um modo em geral?

C. E.: Há uma preocupação muito grande destes profissionais em se capacitarem cada vez mais, em trocar experiências para evitar duplicidade de trabalho e até para acelerar, porque a gama de informações é enorme, é imensa; há cada dia novas leis; a cada dia é maior o número de doutrinas. Então, os profissionais estão atentos sim, estão se capacitando, estão trocando experiências. Essa é uma das missões do Grupo Jurídico [Grupo de Informação e Documentação Jurídica do Rio de Janeiro], o de promover este relacionamento entre os profissionais, ministrar cursos. Estão atentos sim, usando diferentes ferramentas; estes precisam estar em contato com outros profissionais. É uma coisa muito dinâmica.

L. M.: A quantidade de informações no meio jurídico é crescente. É impressionante, a cada ano que passa, a quantidade de informações cresce de uma maneira que já ninguém é capaz de acompanhar. Se não houver uma gestão inteligente, profissional, ciente, dessa informação, não só ninguém encontra mais nada, e quem precisa se encontrar, se perde, e o serviço, não só o que envolve a informação em si, mas a própria atividade fim das instituições da área jurídica, essa atividade fim não será adequadamente desempenhada. Eu vejo aqui a Biblioteca [da PGE/RJ]; nós temos a nossa biblioteca pela qual nós temos muito carinho. É como que o coração dessa casa. É uma biblioteca riquíssima, que tem uma quantidade de livros admirável, mas se não houver gestão, e gestão profissional, nós não vamos ter o proveito, nós não vamos conseguir utilizar aquilo que está a nossa disposição. Eu vejo que nos últimos dois, três anos, nós realizamos um concurso para o cargo de bibliotecário. Nós recebemos quatro novos profissionais, bibliotecários, jovens, cheios de disposição, que fizeram, uma diferença incrível. Não só as relíquias, mas também as raridades foram separadas e tratadas adequadamente, assim como o impulso e o avanço para a informatização do catálogo, o tratamento das obras de referência, das obras raras, dos periódicos. O avanço aqui foi incrível, contando com profissionais, devidamente formados, dispostos, com conhecimento técnico para realizar esta tarefa.

C. P.: Já que o senhor está falando de biblioteca, em relação à biblioteca Otavio Tarquínio de Sousa e Lúcia Miguel Pereira, parece ser a menina dos olhos da instituição.

L. M.: A Biblioteca Otavio Tarquínio de Souza e Lúcia Miguel Pereira representou um ganho enorme, não só para a Procuradoria, mas para o estado do Rio de Janeiro e também para a sociedade Brasileira. Era uma biblioteca particular; os donos faleceram em 1959 em um desastre aéreo. O neto desse casal, o senhor Antônio Gabriel de Paula Fonseca, durante todos esses anos teve o cuidado de preservar, de promover a higienização, de manter o acervo íntegro, de resistir às pressões, às propostas de compra, às propostas de universidades estrangeiras; esse acervo então iria sair do Brasil, caso ele sucumbisse às propostas dos sebos que queriam retalhar, vender o que tinha mais valor, vender por unidade. No ano de 2010, ele generosamente doou essa biblioteca à PGE/RJ. No ano passado, em dezembro de 2011, ela foi inaugurada, procurando reproduzir, na medida do possível, as instalações originais, as instalações do apartamento do casalem Laranjeiras. Eu não diria que é a menina dos olhos, eu diria que ela vem somar a nossa biblioteca que é tão querida pelos procuradores, tão usada, e que já podia ser considerada, antes disso, muito rica; a nossa biblioteca leva o nome de um procurador ilustre, Marcos Juruena Villela Souto. A biblioteca Otavio Tarquínio é especializada em História, Letras e Literatura. Não tratam das áreas que são os objetivos maiores da instituição. Aqui a procuradoria, evidente, que é uma instituição que presta um serviço jurídico. Mas sem dúvida que a Biblioteca Otavio Tarquínio, para nós, significa um orgulho, algo que não só nos dá muito prazer, como também nos honra, porque nós temos essa biblioteca à disposição do público, onde qualquer cidadão que queira, pode vir aqui. A biblioteca que antes era fechada, disponível apenas para seus donos, hoje é uma biblioteca pública, e o gesto do doador, claro, deve ser enaltecido. Isso é raro.

C. P.: E embora esse acervo não seja um acervo especifico da área jurídica, demonstra uma sensibilidade por parte da PGE/RJ em relação à questão da informação de um modo em geral.

C. E.: Contribui bastante com o crescimento intelectual, principalmente dos acadêmicos, que com certeza passarão por aqui. E realmente é todo o cunho intelectual, que um jurista precisa para sua formação, e também a questão do profissional que vai ter aqui uma oportunidade única, de crescer sempre mais. Os profissionais que por aqui passarem – da biblioteconomia, da área de informação –, também vão tirar grande proveito desse acervo, não só para sua formação, mas tecnicamente também, tratar de um acervo com tantas raridades, com tantas preciosidades, com tantas características, não só de conteúdo, mas de encadernação, higienização. Tudo isso contribui para o profissional ficar motivado com esse trabalho. O ambiente, tudo isso é muito importante enquanto profissionais da documentação, da informação. Uma questão muito importante para nós enquanto profissionais, é a divulgação desse trabalho da PGE/RJ, da abertura desta instituição para os profissionais da área jurídica, porque até um tempo atrás, todos os profissionais trabalhavam como formiguinhas, faziam seu trabalho, cuidavam da sua informação, procuravam atender, cumprir sua missão dentro da instituição, e raramente se abriam para outras instituições. E de um tempo para cá a necessidade mostrou que a troca de experiências, o próprio relacionamento, chegou um ponto que quem está fazendo o que? Era humanamente impossível, devido a esse grande crescimento da informação, tratar tudo. Então, nós procuramos nos reunir, e dizer: “bom se a sua missão é o estadual, então nós confiamos nesse profissional que está tratando do estadual, se a minha missão enquanto PGM era tratar bem o municipal, então eu vou tratar bem o municipal, porque alguém já está tratando bem o estadual”. E assim nós fomos crescendo, fomos trocando informações. E a vinda da PGE/RJ para integrar esse grupo jurídico, foi uma riqueza imensa para nós, porque nós sabíamos da importância desse trabalho, que está sendo feito aqui, tratando da informação e da documentação estadual de uma maneira mais ampla, e muitas vezes, a comunidade jurídica não tinha muito acesso. E agora a gente vê uma abertura muito maior nesse sentido, da divulgação, e dessa inter-relação.

C. P.: Talvez uma sugestão em relação à tese, do próprio acervo aqui, seria a questão dos editais. Abrir editais para que pesquisadores pudessem pesquisar nesse acervo e a partir desse acervo produzir novas publicações. O que o senhor acha em relação a isso?

L. M.: Ajudem-nos. Eu acho uma boa ideia sim. A biblioteca, eu costumo dizer, esta bela biblioteca aqui não é um museu. Ela não existe para que as pessoas venham aqui ver o carpete vermelho, as fotos. Os livros têm que ser usados, têm que ser lidos. É para isso que a biblioteca serve. Ela tem, sem dúvida, uma missão de preservação do conhecimento. Mas o conhecimento tem que ser difundido, reproduzido, divulgado, e o acesso é muito importante.

 

C. P.: E em relação às novas tecnologias. Qual a função das novas tecnologias na questão da informação e documentação jurídica?

C. E.: Bem, novas tecnologias vieram revolucionar, não só a documentação jurídica, mas a biblioteconomia, e a documentação de um modo geral. Nós tínhamos um trabalho feito na PGM, que era o acompanhamento legislativo e o controle das representações de inconstitucionalidades. Este trabalho era feito em kits que levavam de três a quatro meses para serem fechados, porque concluídos era impossível, pois a cada dia um processo tinha uma novidade. No final dos três meses, o procurador que recebia o kit com essas informações sobre as leis que foram objeto de representação, já estava desatualizado. Então, com a informática, nós conseguimos passar todo aquele trabalho que era feito no kit para uma base de dados, e hoje qualquer cidadão que procurar uma determinada lei, vai ter além do histórico, além do acompanhamento da lei, dizendo se houve revogação, se ela está em vigor, se teve retificações, vai dizer ali o artigo tal foi objeto de representação, foi julgado, ou não. Se eu tenho uma dúvida com relação ao processo, que vai direto para o tribunal de justiça, isso é algo formidável; liberou o profissional para outros trabalhos; facilitou o trabalho do usuário da informação, pois não precisa acessar o kit, o livro, o Diário Oficial. Ali já está a data do D.O., tudo, como um resumo. Facilitou demais. Não necessita buscar em vários instrumentos. Você tem uma ferramenta que leva a diferentes links. Uma revolução!

L. M.: O profissional do Direito ainda é muito desconfiado com a tecnologia. Nos primeiros anos quando estes primeiros instrumentos da TI vieram para nossa área, era muito fácil. Possível notar com facilidade que o conteúdo não era de boa qualidade. E essa imagem ficou e dura, em parte, até hoje. Então o profissional do Direito costuma desconfiar daquilo que não está no papel. Considerando que nos primeiros anos do avanço da Tecnologia da Informação para o Direito, a qualidade era sofrível. Hoje nós temos de grandes periódicos, nós temos alguns livros. O avanço ainda é pequeno, mas nós já temos hoje informação de qualidade no meio eletrônico. Em alguns setores, o avanço é significativo. A Célia deve se lembrar. Lá do município, com certeza, nós tínhamos coleções enormes de jurisprudência. Ocupavam muitas estantes. Eu lembro quando era estagiário de Direito, uma de minhas funções era receber fascículos que chegavam pelos correios, e colocarem pastas. A busca pela atualização era um drama. Isso tudo acabou. Ninguém guarda coleções enormes de jurisprudências. Nós ainda temos algumas, pois fazem parte da nossa memória, mas ninguém usa mais. E eram coleções imensas. A Revista Trimestral de Jurisprudência, publicação clássica, editada pelo STF [Supremo Tribunal Federal] era enorme, pois a única forma de conhecer os julgados era lendo essa revista. Hoje tudo está na internet. A revista ainda é editada, mas o interesse por esse perfil de publicação praticamente desapareceu. Então pouco a pouco a TI foi ganhando espaço no mercado jurídico, abrangendo atividades jurídicas. Mas ainda existe um clima de desconfiança. Ainda é muito difícil encontrar um bom livro de direito em meio eletrônico. Os periódicos praticamente todos foram transpostos. Ainda existe o papel e existe o meio eletrônico, mas para os livros ainda há uma resistência muito grande.

 

C. P.: Os senhores não contemplaram, na fala de vocês, a questão que talvez esteja embutida, a questão das redes sociais, que tem um apelo muito grande entre os jovens. Talvez este seja um canal para alcançar não só a visão do jovem em relação à questão profissional, mas em relação ao conhecimento dos seus próprios direitos enquanto cidadãos. O que vocês acham disso?

L. M.: Eu não tenho nenhuma experiência dessa área. Eu acredito que nós não estejamos ainda usando esse tipo de ferramenta. O direito é muito formal, se organiza de uma forma, talvez lamentável, mas de uma forma menos acessível aos jovens. Então eu não vejo a informação jurídica nas redes sociais. Não conheço experiências práticas nessa área.

C. E.: Eu também desconheço, não tenho nenhuma experiência nessa área. E como o Doutor Mattietto falou, é cultura, de ainda no papel, de onde está escrito. O jurista precisa ter isso; uma questão de onde está escrito; tem que estar formalizado para ter sua legitimidade. E é gostoso, pra gente ainda, a questão do prazer de ler. Acho que uma das áreas humanas que a gente precisa ter o papel, como o seu direito, que ninguém vai interromper.

L. M.: Eu desconfio que o papel ainda vai durar muito tempo. Porque os profissionais formados, as últimas gerações que hoje estão trabalhando, têm um apreço pelo papel. Este está arraigado na nossa prática profissional, e a resistência ao eletrônico é muito grande. O processo eletrônico nos últimos anos avançou, mas ainda está longe de dominar a atividade jurisdicional.

 

C. P.: Este aspecto mais conservador, não precisa ser superado?

L. M.: Acho que o papel deve conviver com o meio eletrônico. Não acho que um deva excluir o outro.

 

C. P.: Agora, na reta final do nosso bate papo. Em relação ao 5º Seminário de Informação e Documentação Jurídica. Este é um espaço de retomada da discussão deste tema?

C. E.: Eu vejo isso como um espaço maravilhoso, de retomarmos, de verificar, como anda a informação e documentação jurídica no nosso estado. Vem suprir uma necessidade grande da comunidade jurídica, pois o 4º Seminário foi em 2007, antes proposto para ser bienal, e que levou tanto tempo para acontecer. Vejo uma grande oportunidade de tratarmos novos rumos, a partir desse panorama, que o Seminário quer mostrar em termos de documentação jurídica no estado.  Tratar novos panoramas, novos projetos.

L. M.: Eu aplaudo a iniciativa. Acho que é de um mérito indiscutível, tanto para comunidade jurídica, quanto para a comunidade dos bibliotecários. Eu não hesitei na primeira oportunidade, quando me foi solicitado. Cedi o auditório, as instalações da PGE/RJ para hospedar o Seminário. Creio que para nós o ganho vai ser significativo, e creio que para os participantes é uma oportunidade também de atualização e estabelecer o círculo de convivência com os profissionais da área.

 

C. P.: Eu gostaria de agradecer grandemente a participação de vocês. Foi realmente prazerosa nossa conversa. E se vocês quiserem, tem um espaço para declarações e observações finais.

C. E.: Gostaria de agradecer ao doutor Mattietto  por essa oportunidade, e oportunidades que têm aberto para o Grupo Jurídico. Desde a nossa primeira fala informal via e-mail, quando o Grupo Jurídico convidou a biblioteca da PGE/RJ a participar da quarta edição do guia de bibliotecas jurídicas, ele prontamente solicitou que a Jaqueline [bibliotecária da instituição] entrasse em contato com o grupo, demonstrando toda atenção e apoio, e o seu entusiasmo com essa área é o que é importante para nós enquanto profissionais. E agradecer por essa abertura, convivência tão prazerosa, para realizar esse 5º Seminário, que certamente será muito rico para todos nós.

L. M.: Eu agradeço a iniciativa do GIDJ, cumprimento a revista biblioo pela disposição e interesse pela informação jurídica, que talvez não seja um sucesso de público – outras informações devem atrair muito mais –, mas o nicho jurídico tem sua importância. Eu creio que nós devolvemos, de certo modo, para sociedade; nós temos essa preocupação. A Procuradoria se engaja nisso como serviço público e como deve ser, de boa qualidade, no qual é indispensável valorizar os profissionais bibliotecários, os profissionais da informação da documentação jurídica.

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