Desde que a esquadra de Pedro Alvares Cabral aportou em terras brasileiras nos idos de 1500, a fé cristã foi introduzida por aqui, dando até nome as terras recém descobertas. A terra inicialmente intitulada de Ilha de Vera Cruz ganhou contornos e costumes lusitanos, e não se pode falar em Portugal sem associar a Igreja Católica Romana a este país. Portugal foi (se ainda não o é) o país mais católico da Europa, mais ainda que a própria Itália; assim sendo, as colônia portuguesas deveriam ser igualmente católicas, coisa que o Brasil entendeu e abraçou solenemente.

A sociedade brasileira é deveras curiosa (para não dizer esquizofrênica e/ou contraditória); se percebe as contradições sociais sem muito esforço. Me atentarei em um fato que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro no último dia 31 de março e que teve (como não poderia deixar de ser) repercussão nacional. Me refiro ao confronto entre policiais e bandidos em Acari (Zona Norte da cidade) que resultou na morte, por dois policiais militares, da pequena Maria Eduarda e na execução de dois marginais que estavam deitados no chão.

Logo assim que o vídeo da execução dos marginais ganhou às redes sociais, uma “batalha campal” foi travada na internet entre os que apoiavam a atitude dos policias e os que condenavam a mesma. Eu pretendo com este texto suscitar o debate, mas acima de tudo a reflexão. Para mim, não há forma melhor de se chamar a atenção para um debate do que: ”provocando; jogando as coisas na cara; pisando no calo”. E é assim que pretendo construir este texto.

Ao tomar ciência dos fatos ocorridos em Acari, quis logo ver a reação das pessoas “na praça do povo”! É assim que uma professora que tive nas Ciências Sociais define as redes sociais. Não me assustei ao ver que, uma maioria esmagadora de internautas, aplaudiu a ação da polícia naquela comunidade, ficando em êxtase ao saber que os policias “passaram dois vermes no chão mesmo”. O ódio que pude perceber em alguns comentários me fez refletir sobre muitas coisas. O que deixo neste texto é apenas uma das muitas indagações que venho fazendo.

Depois que, meio que de olhada, fazer uma somatória de comentários favoráveis ao que se sucedeu, cheguei à conclusão de que no mínimo 85% dos comentários ratificavam que o ato dos policias foi nobre e digno de condecoração. Os que foram de encontro à execução dos dois meliantes, receberam uma enxurrada de comentários ofensivos e maldosos. Foi aí que entrei com uma dúvida que me corrói e não acredito que apenas eu tenha me atentado a este fato.

Segundo informações obtidas no site do IBGE, do senso ocorrido em 2010, 86,8% da população brasileira se declara cristã. Entre católicos e protestantes, a soma se divide respectivamente entre 64,6% e 22,2%. Em pessoas, o número de cristãos que se declaram como tal em 2010 chega aproximadamente a 166 milhões. Este mesmo senso nos mostrou que a população brasileira a época era formada por 190 milhões 732 mil e 694 pessoas. Sendo assim, uma maioria esmagadora se declarou cristã no Brasil.

Fiz questão de trazer estes números colhidos no site do IBGE sobre o último senso para mostrar que o Brasil, mesmo se passando quinhentos e dezessete anos depois do seu “descobrimento” continua um país cristão. E sendo um país cristão majoritariamente, como pode este povo que vai às igrejas aos domingos (preferencialmente) aplaudir uma execução a segue frio de duas pessoas?!

A lei mosaica (ou os dez mandamentos) determina o que pode e o que não pode ser feito pelo povo de Israel. Ora, os cristãos se assumem como herdeiros diretos das tradições e leis judaicas contidas no antigo testamento e é com base nas mesmas que muitos cristãos gostam de ditar regras para toda a sociedade (até mesmo para os não cristãos).

Jesus também morreu como um marginal

Foi este povo (sem medo de fazer juízo de valor aqui), que é cristão e vai à Igreja aos domingos, que gritou em alto e bom som que “bandido bom é bandido morto!” Sim, foi este povo! Se 86,8% da população é cristã, a maioria das pessoas que apoiou o ato dos PMs também é. Isso é um fato numérico! Aí vem a minha provocação com quem brada as coisas sem saber o que está dizendo e nem as suas consequências. Cristo Jesus, amado e adorado pelos seus seguidores (cristãos) foi preso, julgado e acusado de subversão e incitação do povo contra os doutores da Lei. Foi morto entre dois ladrões; no fundo ele morreu como um marginal… marginal!

No Brasil não há lei sumária, ou seja: é vedado aos agentes de segurança (publico ou privado) matar quem quer que seja, desde que não esteja em combate. O vídeo é muito contundente quando mostra que os marginais estavam deitados ao chão, e mesmo assim foram alvejados. Ninguém pode afirmar se eles estavam vivos ou não na hora dos disparos, mas isso não atenua em nada a ação criminosa dos policias.

Os agentes foram presos; abriu-se inquérito para apurar o caso… Porém, em Abril, o juiz Alexandre Abrahão, do 3º Tribunal do Júri do Rio, revogou a prisão dos policiais Fabio de Barros Dias e David Gomes Centeno e transformou o regime fechado, em que se encontravam,  em regime aberto. As sanções atribuídas a eles são: mudança de batalhão, não poderão participar de operações, não podem ter contato com parentes das vítimas, nem se aproximar do território do 41º Batalhão, além de cumprirem funções administrativas.

Eu não espero nada de marginais; nada mesmo! Mas espero sim da Polícia. A lei é única e não pode ser exercida como aprouver aos agentes que tem por obrigação fazer com que ela seja cumprida. Por achar que o marginal não vai se regenerar, pode-se sair por aí matando bandidos?

Antes de dar a sentença o juiz alegou que agiu “ouvindo as vozes das ruas”, e que um magistrado não pode mais agir como se a sociedade não estivesse em constantes mudanças. Até aí eu vou, seu juiz, mas e quando a sociedade diz que é uma imoralidade um magistrado que, sendo pego em delito, recebe como pena a aposentadoria compulsória, mantendo o salário que não é pouco?!

E a sociedade brasileira que adora bater no peito dizendo que é cristã, que adora ditar regras cristãs até para os ateus e adeptos de outras religiões que não são cristãs; que gostam de dizer que gays, lésbicas, transexuais… não podem ter o mesmo tratamento civil que os heterossexuais.

Essa sociedade hipócrita esquece que o maior mandamento de Cristo (que eles dizem seguir fielmente) é amar ao próximo como a si mesmo. Em que consiste este mandamento? Desejar para o próximo o que desejo para mim. É a morte que você, cristão brasileiro, deseja para você? Você ama decorar leis para falar mal de adeptos das religiões de matrizes africanas, LGBTTs, espíritas, hindus, agnósticos, ateus e tantos outros, mas esquecem das suas leis?! Essa sociedade que grita dizendo não a liberação da maconha, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, do aborto, diz sim para a execução de marginais?

O quinto mandamento da Lei Mosaica é NÃO MATARÁS! Quantas pessoas você desejou que morresse hoje, hein, cristão?!

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