Daniela Spudeit

Oportunizar a aprendizagem, o compartilhamento e a troca de experiências com profissionais e estudantes que valorizam o empreendedorismo e a inovação nas práticas da Biblioteconomia. Esse é o objetivo do I Fórum de Inovação e Empreendedorismo na Biblioteconomia (FIEB), a ser realizado dia 27 de agosto no Auditório da Biblioteca de São Paulo. Para saber um pouco mais sobre o evento e o tema, a Revista Biblioo entrevistou a professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Daniela Spudeit, que juntamente com outros profissionais tem se empenhado em discutir e a pesquisar sobre o assunto. Segundo ela, a ideia é que o FIEB seja realizado todos os anos em uma capital diferente para disseminar as boas práticas e conhecer as experiências daqueles que estão empreendendo na área. Ela fala, ainda, sobre bibliotecas escolares e avalia o atual cenário político e econômico para as universidades públicas. “Precisamos muito aprofundar essa discussão e debate dentro das universidades e é algo que tenho discutido muito com os alunos da Biblioteconomia, nossa formação política, nossa representatividade enquanto bibliotecários”, defende.

Como surgiu a ideia de realizar o Fórum de Inovação e Empreendedorismo na Biblioteconomia (FIEB)?

Eu tive a oportunidade de ministrar uma disciplina quando ainda estava na UDESC e foi onde comecei a pesquisar e me apropriar mais dos conceitos, das iniciativas que existiam e comecei a conhecer algumas empresas criadas por bibliotecários. Em outubro de 2013, quando fui para Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), a primeira coisa que fiz foi criar um projeto de extensão voltado para esse assunto. Comecei a me aprofundar em relação ao empreendedorismo na Biblioteconomia juntamente com o grupo de alunos da licenciatura da UNIRIO. Em 2014 fizemos um amplo levantamento bibliográfico sobre iniciativas, cases, relatos de experiências e publicações sobre o tema. Montamos um curso voltado para capacitar bibliotecários, estudantes e quem quisesse empreender na área, criamos o portal Empreende Biblio e demos início a produção de um livro que resultou da apostila organizada para o curso. Em 2015 aperfeiçoamos o projeto e foi feito uma nova edição com outros integrantes e em setembro surgiu a ideia de organizar um evento com esse objetivo e lancei a ideia no Facebook para quem quisesse participar. Diante disso surgiram vários bibliotecários de diversas regiões do Brasil interessados no assunto, até porque é um tema relativamente recente e não tem pesquisas aprofundadas na área, não tem muitas publicações e o que tem ainda é muito teórico. Buscamos organizar o evento e formamos um grupo de dezesseis pessoas com integrantes das regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste justamente para discutir questões relacionadas ao empreendedorismo na profissão. Foi assim que surgiu a ideia, através de um trabalho coletivo e dessa forma estamos organizando o evento que vai ser realizado no dia 27 de agosto. A ideia é que seja realizado todo ano em uma capital diferente justamente para disseminar as boas práticas e conhecer as experiências de quem está empreendendo na área, amadurecer as ideias sobre esse assunto até mesmo para incentivar e mostrar para os bibliotecários novos caminhos, novas oportunidades, nichos de atuação e que é possível sim quem tem o perfil ou não está satisfeito com o que vem fazendo. Também demanda alguns fatores em relação ao perfil de gostar, de correr riscos, ser criativo, de buscar inovações mesmo, de estar sempre antenado com o que está acontecendo, de ter aquele espírito inquieto, de querer realmente fazer alguma coisa para melhorar o lugar onde habita, como também a comunidade na qual está inserido. Vislumbrar oportunidades e demandas que existem no mercado e na área de informação, ter um perfil que é importante que o bibliotecário tenha ou desenvolva as competências relacionadas a isso para poder empreender e conseguir então modelar um negócio que atenda a uma demanda social ou empresarial.

Como você avalia as atitudes empreendedoras da nossa área e de que maneira elas estão contribuindo com a Biblioteconomia?

Existem muitas iniciativas até porque quando se fala em empreendedorismo não necessariamente estão voltadas para ações empreendedoras somente o fato de abrir empresas. Você pode ter um perfil empreendedor e ser atuante na própria unidade de informação e ter esse diferencial enquanto profissional. Até porque é uma demanda das empresas ter pessoas com esse perfil, com essa inquietação e que busque trazer um diferencial competitivo para onde está atuando e colaborando com a instituição. Temos muitas atitudes e iniciativas que estão acontecendo fora das bibliotecas e são bibliotecários que estão abrindo empresas, mas até então pouco se conhecia sobre esse assunto e através do portal Empreende Biblio começamos a mapear e colocar os depoimentos desses bibliotecários que estão abrindo empresas ou estão empreendendo de maneira informal, porque existem pessoas que prestam consultorias, mas ainda não tem uma empresa formalizada. É esse mapeamento que estamos fazendo e colocando no portal para as pessoas conhecerem como foi a ideia de abrir uma empresa, as dificuldades que existem, o desafio, como foi a formação dessas pessoas. Sabemos que a graduação não dá conta dessas demandas e a pessoa precisa buscar e se aprofundar nessa área. Por meio do portal que estamos conseguindo fazer esse mapeamento e identificar quem são esses profissionais para verificar os perfis e ações que estão acontecendo e identificar o modo de como isso pode contribuir para o fortalecimento da área e a visibilidade do bibliotecário, abrindo espaços para bibliotecários que estão pensando hoje em algo que eles poderiam se aprofundar ou investir e que seja uma oportunidade para eles em aprender um pouco mais sobre esse assunto com quem está alguns anos na estrada. Sabemos que existem pessoas com dez ou vinte anos de profissão que possuem empresas e têm experiências para relatar. É isso que vamos ver no FIEB 2016.

Durante o FIEB e a Bienal do Livro de São Paulo teremos o lançamento do livro, “Empreendedorismo na Biblioteconomia”, no qual você é a organizadora da obra e a Agência Biblioo a publicadora. Como surgiu a ideia de organizar e lançar essa publicação?

Durante o FIEB e a Bienal do Livro de São Paulo teremos o lançamento do livro, Empreendedorismo na Biblioteconomia, um assunto inédito na nossa área. A ideia surgiu justamente para poder fortalecer ainda mais, uma vez que se trata de um assunto que precisa ser fundamentado, os profissionais da nossa área desconhecem as iniciativas, do como fazer, as ferramentas que são necessárias conhecerem, do perfil, de como abrir uma empresa, das etapas do planejamento de um negócio, entre outros. Tem uma gama de assuntos que não fazem parte e não estão contemplados em disciplinas da graduação. O bibliotecário que quer empreender ou que realmente tem uma ideia ou um perfil para atuar abrindo uma empresa, empreendendo mesmo na sua área usando esse conhecimento da graduação e da formação em Biblioteconomia para abrir uma empresa voltada para serviços de informação, precisa conhecer e se apropriar dos conceitos relacionados à administração, à contabilidade e outros que são necessários para quem deseja investir nessa área. Por meio do livro tentamos focar essa questão desde o conceito de empreendedorismo, do perfil, das competências, do interempreendedorismo dentro de unidades de informação, da formação do empreendedor, do planejamento do negócio, de oportunidade de negócios na área de informação. Um livro bem completo que trata desde a teoria até a prática, porque ele apresenta alguns modelos de negócios voltados para área de informação. A primeira parte do livro, que tem um pouco mais de teoria, foi feito durante o projeto de extensão que foi desenvolvido na UNIRIO pelos alunos da Licenciatura em Biblioteconomia. A segunda parte, que tem os modelos de negócios, foi elaborada durante a disciplina Gerenciamento de Projetos em Empreendedorismo, ministrada no mestrado profissional de Gestão de Unidades de Informação, e vinculado ao Programa de Pós Graduação em Gestão da Informação da UDESC. Por meio dessas duas ações de ensino e extensão é que alinhamos a pesquisa para escrever os capítulos e organizar o livro a ser publicado.

Tanto em Santa Catarina como no Rio de Janeiro você vem trabalhando em projetos e comissões em prol das bibliotecas escolares. Que iniciativas são essas e como você avalia os seis anos de criação da Lei 12.244/2010?

Em relação às bibliotecas escolares é um assunto que sempre me interessou, desde a época de graduação atuava e fazia estágios nesses ambientes. Cursei Pedagogia com o intuito de melhorar minha atuação como bibliotecária para dialogar e conhecer mais como os pedagogos e educadores trabalham o processo de ensino e aprendizagem. Como bibliotecária acabei voltando minha prática muita para isso, fiz uma pós-graduação de gestão de unidades de informação onde conheci um pouco mais sobre o contexto das bibliotecas escolares e atuei na tutoria de uma pós-graduação em biblioteca escolar. Quando fui para o Rio de Janeiro, me envolvi na comissão de bibliotecas escolares do Conselho Regional de Biblioteconomia da 7ª Região (CRB-7), ajudando nas iniciativas e discussões. Também tive a oportunidade de coordenar o curso de Licenciatura em Biblioteconomia da UNIRIO que tem vários projetos, ações e focos voltados para o contexto das bibliotecas escolares. Desenvolvemos um projeto de extensão de competência em informação também direcionado para biblioteca escolar e sempre procurei voltar a minha prática como professora para essa área, além de ter atuado como bibliotecária nesse contexto e ter cursado pós-graduação. Em 2015, quando retornei para Florianópolis, voltei a participar da Associação Catarinense de Bibliotecários (ACB) e resolvemos reativar o grupo de bibliotecários da área escolar de Santa Catarina vinculado a ACB que estava desativado há uns três anos e hoje estou coordenando o grupo. Hoje nós temos um grupo gestor com cinco bibliotecários, sendo que desses cinco, quatro estão atuando no ambiente escolar e temos realizado várias ações em conjunto com os CRBs e com as universidades de Santa Catarina em prol das bibliotecas escolares. Estamos agora com uma ação em relação à criação do cargo com um projeto que é antigo, com mais de vinte anos de tramitação e começamos agora a pegar junto por conta da Lei 12.244/2010 para poder abrir o cargo que não existe no estado de Santa Catarina. Também têm outras iniciativas voltadas para os municípios com os candidatos para prefeitura com a efetivação da lei, já que o prazo se encerra em 2020. São várias iniciativas que participei e tenho percebido não somente no Rio de Janeiro, como em Santa Catarina, e vejo cada vez mais pessoas interessadas nessa área em outros estados. Estou acompanhando de perto o trabalho feito em Minas Gerais, que inclusive vai ser realizado um evento em setembro para discutir isso. Em São Paulo o pessoal está se mobilizando também. No Rio Grande do Sul eles já têm um fórum de bibliotecas escolares e públicas há muitos anos, esse é o caminho. Existem várias iniciativas e avalio como positivos esses seis anos de criação da lei, embora as coisas pudessem ser mais rápidas se tivesse mais vontade política. Sabemos que no Brasil infelizmente nossos governantes não se preocupam com educação e quiçá com as bibliotecas. É um trabalho de formiguinha, mas quando estudo e pesquiso o que eram as bibliotecas até o século passado e todas as mudanças que ocorreram até o início desse ano, vejo que estamos mudando e as perspectivas são positivas. Temos que valorizar as boas práticas que estão sendo divulgadas e o movimento ainda é muito tímido em relação a isso. Aqui mesmo em Santa Catarina ficamos sabendo de ações que são realizadas, mas não são divulgadas e por meio do Grupo de Bibliotecários da Área Escolar de Santa Catarina (GBAE/SC, que temos incentivado essas boas práticas e procurando contribuir com a divulgação. O caminho é fortalecer o trabalho junto das iniciativas, das associações, dos sindicatos, dos conselhos e universidades para poder fortalecer e dar visibilidade para os trabalhos que estão sendo realizados nas bibliotecas escolares, sempre valorizando as atividades dos bibliotecários que estão à frente desses espaços, as redes de bibliotecas escolares por meio de sistemas municipais e estaduais. O caminho é fortalecer isso para poder ampliar e crescer cada vez mais. É uma questão cultural; é algo que vai ainda demorar a chegar no que realmente queremos que seja, mas precisa ser feito. E se cada um fizer a sua parte com certeza vamos chegar no patamar desejado. Não é algo que talvez vamos perceber em nossa geração, mas creio que com certeza meus netos terão a possibilidade de estudar em escolas públicas com qualidade, com bibliotecas, bibliotecários e pessoas qualificadas.

Como professora e pesquisadora de universidade pública, qual o cenário que você vislumbra para as universidades públicas com os recentes cortes no orçamento anunciado pelo governo interino?

Em relação ao governo interino, estamos passando por uma fase muito difícil por conta de toda essa instabilidade política que existe. Costumo dizer que não estamos vivenciando uma crise financeira, mas sim uma crise política em nosso país em efeito cascata que não é algo que começou hoje. Precisamos muito aprofundar essa discussão e debate dentro das universidades e é algo que tenho discutido muito com os alunos da Biblioteconomia, nossa formação política, nossa representatividade enquanto bibliotecários. Hoje infelizmente as escolas, universidades, cultura e educação não são prioridades no governo interino. Creio que como as coisas estão atualmente, o cenário não é nada positivo e precisamos fortalecer as pessoas que estão hoje nos representando, seja em coletivos, movimentos sociais, nas entidades de classe, entre outros, para poder buscar um diálogo seja por meio das universidades, das escolas, das instituições vinculadas a cultura para buscar recursos e melhorar esse quadro. Precisamos estabelecer um diálogo ou uma parceria para poder reverter isso, pois infelizmente as notícias são cada vez piores com cortes de todos os lados e isso é muito negativo para algo que já estava sendo construído de forma consolidada pelo governo anterior.

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