Duas notícias movimentaram o mundo literário na última semana: a escolha do escritor francês, Patrick Modiano, para receber o prêmio Nobel de Literatura e a eleição do poeta Ferreira Gullar à Academia Brasileira de Letras (ABL). Mas se o Nobel para Modiano podia ser considerado como certo em virtude da longa tradição francesa no prêmio (ele é o 11º francês a ganhar), a ida de Gullar para a ABL poderia ser considerada como improvável, sobretudo em virtude de sua histórica aversão às academias. Perguntado pelo site UOL porque levou tanto tempo para se candidatar, Gullar disse que não é uma pessoa com cabeça institucional: “sempre crio confusão nas instituições das quais eu me aproximo”. Eleito por 36 votos a favor e um nulo para a Cadeira 37, ocupada anteriormente por Ivan Junqueira, que morreu no dia 3 de julho deste ano, o poeta maranhense é autor de vasta obra que vai além da poesia. Seu trabalho mais famoso é de longe o Poema Sujo escrito durante seu exílio na Argentina, em 1975. Tendo aderido à academia, a decisão de Gullar pode reforça um culto ao autor em detrimento da própria literatura, conforme análise do doutor em Literatura, professor adjunto da Universidade Federal do Ceará (UFC) e colunista da Revista Biblioo, Cláudio Rodrigues. Conterrâneo de Gullar, Rodrigues analisou em sua tese de doutorado o mito do touro dos Lençóis maranhenses numa obra do poeta da época do teatro opinião, do qual Gullar era um dos nomes mais proeminentes. As críticas do professor se estendem ao modelo institucional das academias de Letras: “A literatura e a língua são estudadas e analisadas pelas universidades, nos cursos de Letras, logo, as academias são apenas confrarias, lugares onde se toma chá e se postula os louros da fama”.

Cláudio, o poeta maranhense, Ferreira Gullar, foi eleito essa semana pra ABL. Qual sua impressão sobre este fato, sobretudo pelo fato dele sempre ter sido sempre avesso a academias?

Sou contra os louvores das academias e não entendo o porquê dessa candidatura do Gullar, sobretudo quando sabemos que ele sempre foi avesso às instituições. A academia não tem sentido hoje, como nunca teve sentido desde sua formação. Ela é obsoleta porque apenas mantém uma aura sobre o escritor, mais do que sobre a literatura. A literatura e a língua são estudadas e analisadas pelas universidades, nos cursos de Letras, logo, as academias são apenas confrarias, lugares onde se toma chá e se postula os louros da fama. Somente isso. Outro maranhense, o Graça Aranha, que contribuiu com os paulistas da Semana de 22, membro da Academia, numa conferencia realizada na ABL sobre o espírito moderno, em 1924, já dizia que a academia não tinha valor e abandonou a instituição. Logo, o Gullar não precisa dela pra ser reconhecido. É bobagem pensar que ela agrega valor a um poeta. Ele é o que é sem ela.

Mas independentemente das críticas que se possa fazer a ABL, a poesia do Gullar merece um reconhecimento como esse, certo?

Você deve estar querendo que eu endosse o valor dado ao Gullar com essa candidatura. Mas minha opinião é essa: a poesia não fede nem cheira na ABL. A poesia está cagando pra essas confrarias.

Na verdade não estou fazendo juízo de valor. Apenas tentando entender a partir da visão de alguém que tem mais gabarito do que eu sobre o tema: você.

Não tenho tanta visão. Apenas sei que a Academia é algo obsoleto há muito tempo. Agora, é óbvio que uma eleição dessa acaba jogando luz para o eleito. No entanto, há tanta gente ali que nem deveria ser acadêmico. É apenas uma confraria que faz da literatura uma política de comadres.

E em relação ao Nobel de Literatura, tua opinião é a mesma? O Gullar merecia um prêmio como esse pelo conjunto de sua obra?

Em relação ao Nobel é outra coisa. O Nobel tem outra função política que destaca verdadeiramente o escolhido pelo trabalho relevante que ele deu a uma área, nesse caso a poesia. A obra do Gullar vale como testemunho de um momento duro do Brasil, a circunstância com que, por exemplo, sua obra foi escrita durante o exílio, e difundida, mostra que a literatura não silencia diante do hediondo. Nesse sentido, um Nobel importa mais porque faz o autor conhecido mundialmente.

Você conhece a obra do Patrick Modiano, Nobel anunciado está semana? Se sim, o prêmio foi merecido, em sua opinião?

Não conheço, e certamente as editoras brasileiras já vão editá-lo por aqui, como aconteceu com a vencedora do ano passado, a canadense Alice Munro. O Nobel dá visibilidade global. É bem diferente dessas confrarias que costumamos chamar de academias, cheia de ególatras, apinhadas de escritores que até podem ser bons, mas que usam o prestígio de “acadêmicos” para cultuar a si mesmos e não à literatura. O Brasil está cheio dessas academias nas províncias.

Como no Maranhão, por exemplo.

Sim, como no Maranhão, no Ceará, na Bahia… Pelo que sei, há políticas internas de edição de obras, de fomento à cultura, que elas realizam. Mas, fora isso apenas mantém uma aura que de fato não justifica. Acho a palavra academia tão obsoleta, cheira ao século do Arcadismo. Naquele momento, apesar de funcionar como função encomiástica, tinha uma função de fomentar a cultura letrada. Hoje não vejo mais motivo para essa permanência. A função das academias se perde porque as Letras (os cursos das universidades) funcionam, ainda que precariamente, para o estudo da Literatura.

Sim, concordo plenamente com você.

De qualquer modo, voltando ao Gullar, ele já é bastante conhecido fora do país. Traduzido para vários idiomas. Estar na ABL é apenas mais uma vontade pessoal porque não acredito que isso acrescenta valor. Segundo o que li, me parece que ele mesmo foi induzido por colegas, sabendo desse lado antiacadêmico dele. Não é o Gullar que ganha sendo eleito imortal, mas a Academia.

 

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