Por Paula Lacerda de O Globo

A cópia de uma fotografia amarelada estampando o educador Paulo Freire, pai da Pedagogia da Libertação, de mãos dadas com o dramaturgo e diretor de teatro Augusto Boal, o criador do Teatro do Oprimido (TO), sintetiza o tom de um diálogo surgido em uma época em que repressão era a palavra de ordem no país: a crença dos dois no fato de que a educação e a arte poderiam ser democratizadas e transformadas em atos políticos. Exposta desde ontem na sede do Centro de Teatro do Oprimido, na Lapa, a tal imagem é parte de uma série de documentos, entre textos, fotos, vídeos, que deixam as gavetas e os armários das casas dos “curingas” do TO (como são chamados os especialistas e pesquisadores divulgadores do método e técnicas teatrais criados por Boal) para ganhar o público em uma exposição permanente.

— A ideia é que este nosso espaço na Lapa, um casarão de três andares do início do século onde já fazíamos uma série de eventos, mas não regulares, ganhe o status de um CTO Cultural, com esta mostra fixa e uma programação de apresentações, seminários, debates mensais (o CTO Reflete, toda primeira quarta-feira do mês) e outras atividades que levem ao público nossos 30 anos de história — diz Geo Britto, curinga desde 1991 e atual coordenador do centro.

Dois anos de ação na Maré

De acordo com Geo, estão também nos planos do centro a criação de uma escola de teatro popular, com o nome inicial de Espaços de Poéticas Políticas, baseado no primeiro livro de Boal, “Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas”.

— Esta escola será um espaço de aprendizagem sobre o Teatro do Oprimido e também de outras formas de Teatro Popular e Teatro Político. Um espaço para debater desafios antigos e novas formas de opressão e exploração do capital e para aprender a arte teatral de forma não segmentada, integrando a produção de cenário e figurino, interpretação, dramaturgia, história das artes, política e sociologia — explica Geo.

Ontem, em uma noite de celebrações — dia 16 de março, além do aniversário de Augusto Boal (que faria 85 anos, se vivo) e do CTO no Rio de Janeiro (30 anos), é também o Dia Mundial do Teatro do Oprimido —, o primeiro passo deste novo momento do centro, todo pintado e reformado, foi dado. Na ocasião, além da abertura da mostra e de performances artísticas, houve a exibição de dois documentários sobre a história do TO e dos dois anos de projeto no Complexo da Maré, onde três grupos de teatro com jovens locais foram criados: o Maré 12 (com mulheres que debatem o machismo), o Maremoto (com uma reflexão sobre preconceito) e o Marear (sobre o direito à cidade). Na mesma ocasião, a curinga Bárbara Santos, que já formou multiplicadores do método de Boal em mais de 40 países, lançou o livro “Raízes & asas” (editora Ibis Libris), um apanhado de conceitos de Teatro do Oprimido organizados de forma didática e com exemplos de aplicação prática do método, que já percorreu escolas, presídios, sanatórios e até o universo das empregadas domésticas (a menina dos olhos de Boal era o projeto “Marias do Brasil”, formado em 1998 por dez trabalhadoras domésticas e ainda em atividade).

— Respeitando as diferenças e especificidades locais, seja na África, na Palestina ou no Rio de Janeiro, vamos encontrar áreas de conflito e possibilidades de aplicação do método. Propomos um diálogo entre a necessária flexibilidade para se adequar a condições sociais e políticas e a identidade do método, que tem na arte um canal de transformação social, intervenção e expressão de ideias — conclui a autora.

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