Na edição de agosto de 2016, escrevi texto intitulado “Nova terminologia: biblioteca pública ou popular?”. O artigo estabelece perspectivas para a pressuposição de uma terminologia alternativa para a biblioteca pública intitulada de “biblioteca popular”, visto que abrange de maneira mais ampla e concreta o desiderato daquela biblioteca que atende (ou deve atender) os mais variados públicos.

No texto supramencionado, entendo a biblioteca popular como aquela que contempla qualquer tipo de público humano, sendo este não apenas usuário da biblioteca popular, mas participante construtor das atividades da biblioteca. Em outras palavras, a biblioteca popular é um ambiente que atua com a gerência, processos, fluxos e tecnologias de informação com/para sujeitos (autores, mediadores e usuários), visando à satisfação de desejos, demandas e necessidades.

Este texto intitulado “biblioteca popular: um ambiente de informação do/para/com a sociedade” possui uma tripla intercorrência. A primeira é reconhecer a biblioteca como um ambiente de informação, isto é, um espaço físico-virtual multitemporal que atua na gerência, processos, fluxos e tecnologias de informação. A segunda é que a biblioteca popular não é um ambiente do bibliotecário, do governo ou de uma organização, mas um ambiente de informação da sociedade e de todos os públicos gerais e específicos que a compõem. A terceira é de que a biblioteca popular é a única que tem a capacidade de servir a todo e qualquer tipo de sujeito, sendo um ambiente de informação de múltipla atuação humanístico-informacional.

A biblioteca popular é a pretensa constituição de um ambiente público de informação capaz de articular múltiplos serviços/produtos para/com múltiplos tipos de sujeitos. Evidentemente que a ideia não é menosprezar o uso do termo biblioteca pública, pois não apenas em caráter terminológico, mas também em caráter político, técnico, pedagógico e pragmático é um ambiente calcado na ideologia do Estado em detrimento do pensamento social que respeita às diferenças e a pluralidade do acesso à informação. Precisamos de uma biblioteca do povo e não uma biblioteca do Estado (esta última determina de maneira arbitrária e antidialógica os rumos da produção da informação e do conhecimento).

Assim, a biblioteca popular é um ambiente capaz de formar e auxiliar informacionalmente sujeitos independentemente de crença, escolaridade, temporalidade/idade, raça, perfil sócio-econômico e cultural, entre outros quesitos.

Para a constituição de uma biblioteca popular é pertinente concretizar, a saber:

  1. A elaboração de um plano de cultura, educação, informação e biblioteca em nível estadual e municipal, visando à constituição de um locus político-institucional que estabeleça as diretrizes para o desenvolvimento de práticas da biblioteca;
  2. A fixação de um orçamento/investimento continuado para a biblioteca popular para investimento em recursos humanos, infra-estrutura e aplicação de políticas/ações públicas;
  3. Embora a biblioteca popular esteja normalmente vinculada à cultura, deve dialogar, em caráter formal, com a educação, desenvolvimento social, meio ambiente etc., para o desenvolvimento de suas atividades institucionais, em especial, na composição de serviços/produtos de informação;
  4. Valorização de bibliotecários especialistas em setores como organização, gerência, tecnologias, recursos/serviços e mediadores de informação dinamizando a multiplicidade de práticas da biblioteca escolar;
  5. Reconhecimento de outros profissionais de nível médio (auxiliares e técnicos em biblioteca) e superior (jornalistas, psicólogos, antropólogos, pedagogos/letras, entre outros para auxiliar nas dinâmicas culturais-educacionais-informacionais da biblioteca popular). Jornalistas no sentido de promover o caráter comunicacional de massa da biblioteca popular; psicólogos no sentido de auxiliar os estudos dos sujeitos informacionais (autores, mediadores e principalmente usuários) que participam do desenvolvimento da biblioteca; antropólogos para estabelecer parcerias com a aplicação de estudos, serviços, produtos e práticas para conhecimento mais amplo da comunidade e articulação de meios de como satisfazê-la; pedagogos/letras no sentido de fomentar práticas de mediação da leitura para diferentes sujeitos da informação;
  6. A biblioteca popular, compreendida como um ambiente de informação, envolve um conjunto de construção/aplicação das políticas públicas, transversalidade de profissionais, tendo como protagonista o bibliotecário na execução das atividades e pluralidade de sujeitos que acessam a biblioteca;

Diante dos aspectos indicados, a biblioteca popular depende, sobretudo, de uma política continuada de ações que parte desde o viés político-institucional, passando pela regulação orçamentária, seguindo pelo multifuncional (cultural, educacional, informacional, ambiental etc.), conduzindo pelo prospecto da atuação profissional de bibliotecários e profissionais que auxiliam/fortalecem a equipe, realizando atividades informacionais alusivas à organização, gerência, mediação, uso de tecnologias fomentado à qualificação aplicativa de serviços/produtos de informação e preconizando todos os processos anteriores na constituição de uma ativa e mobilizada comunidade de usuários da informação.

Considerando a necessidade de um olhar mais cauto sobre a construção da biblioteca popular, o quadro abaixo, de cunho mais geral, indica possíveis políticas e ações da biblioteca popular:

 

Quadro 1 – Políticas de atuação da biblioteca popular

POLÍTICAS AÇÕES
 

 

 

Políticas culturais

  • Ação cultural;
  • Estímulo à preservação da memória;
  • Estímulo à preservação do patrimônio material e imaterial;
  • Serviços e produtos sobre cultura do cotidiano local, regional, nacional e global;
  • Implementação de planos/programas/projetos da cultura.
 

 

 

Políticas educacionais

  • Mediação da leitura;
  • Letramento;
  • Tecnologias aplicadas à educação;
  • Incentivo à pesquisa escolar;
  • Implementação de planos/programas/projetos de livro, leitura, literatura e bibliotecas.
 

 

 

 

 

Políticas de informação

  • Incentivo ao acesso livre à informação;
  • Inclusão digital;
  • Políticas de organização e representação da informação;
  • Aplicação de metodologias para desenvolvimento do acervo e estudo de usuários;
  • Educação de usuários da informação;
  • Letramento informacional;
  • Proposição dos serviços de informação (relacionados à cultura, educação, meio ambiente e práticas do cotidiano social);
  • Produtos de informação (relacionados à cultura, educação, meio ambiente e práticas do cotidiano social);
  • Implementação de políticas de informação científica e tecnológica;
  • Dinamização do acervo;
  • Valorização das seções regionais para valorização local da realidade local como setor de jornais, literatura local etc.

Fonte: elaborado pelo autor

A biblioteca popular possui uma intensa diretriz de atuação pautada nos meandros das políticas/ações culturais, educacionais e informacionais. No entanto, essas ações não são isoladas. Todas as políticas têm um fundamento em comum: práticas para satisfação de desejos, demandas e necessidades de informação para produção de conhecimento, geração de novos processos comunicacionais e auxílio nas tomadas de decisão dos sujeitos. Quando se fala em cultura e educação a perspectiva é compreender como essas práticas se desenvolvem no contexto da produção de informação e conhecimento.

Vale salientar que, embora seja estabelecida a divisão em políticas culturais, educacionais e de informação, há um diálogo entre si, visto que as políticas culturais possuem um viés informacional, as políticas de educação também possuem um viés informacional e as políticas de informação necessitam das condições culturais e educacionais para se consolidarem.

A biblioteca popular deve se estabelecer como um ambiente de tradição cultural-educacional-informacional de maneira articulada e integrada, aproximando e satisfazendo sujeitos usuários com diversos perfis e padrões de solicitação.

Já o quadro que segue, de cunho mais específico, revela os sujeitos e ações que a compõem a biblioteca popular:

Quadro 2 – Sujeitos e ações da biblioteca popular

SUJEITOS TIPOS DE SUJEITOS AÇÕES DA/NA BIBLIOTECA
Estudantes Sujeito usuário Uso do acervo e das tecnologias digitais para acesso à informação, estímulo à pesquisa, práticas de mediação da informação, mediação cultural, mediação da leitura, serviços de informação (referência, informação utilitária, disseminação seletiva da informação, alerta etc.), educação/treinamento, práticas de letramento informacional.
Sujeito mediador Interação com outros estudantes divulgando os serviços, produtos, acervos e práticas da biblioteca.
Sujeito autor Produção de materiais que possam compor a biblioteca a partir de oficinas/cursos como guias, cartilhas etc.
Professores Sujeitos usuário Uso do acervo, uso das tecnologias digitais para acesso à informação, estímulo à pesquisa, práticas de mediação da informação, mediação cultural, mediação da leitura, serviços de informação (referência, informação utilitária, disseminação seletiva da informação, alerta etc.), educação/treinamento, práticas de letramento informacional.
Sujeito mediador Mediação da leitura, mediação cultural, incentivo à pesquisa, tecnologias aplicadas à aprendizagem, dinamização do acervo.
Sujeito autor Elaboração de projetos, eventos, cursos, palestras, produtor de textos e práticas para compor o acervo, serviços e produtos da biblioteca.
Pesquisadores Sujeito usuário Uso de acervo especializado como obras raras, jornais etc., uso das tecnologias digitais para acesso à informação, serviços de informação (referência, informação utilitária, disseminação seletiva da informação, alerta etc.), educação/treinamento, práticas de letramento informacional.
Sujeito mediador Ministrador de palestras/cursos/oficinas para os sujeitos usuários.
Sujeito autor Produtor de textos e atividades para compor o acervo, serviços e produtos da biblioteca.
Profissionais diversos (técnicos, nível superior, liberais etc.) Sujeito usuário Uso do acervo, serviços de informação (referência, informação utilitária, disseminação seletiva da informação, alerta etc.), educação/treinamento, práticas de letramento informacional. Informações cotidianas sobre a atividade profissional.
Sujeito mediador Ministrador de palestras/cursos/oficinas para os sujeitos usuários.
Sujeito autor Produtor de atividades para o desenvolvimento informacional referente à prática profissional
Órgãos de classe (sindicatos, associações, conselhos, cooperativas etc.) Sujeito usuário Uso do acervo, participação em eventos diversos, serviços e produtos de informação variados.
Sujeito mediador Prática de atividades (serviços e produtos) sobre as carreiras e atividades profissionais
Sujeito autor Propositor de atividades político-institucionais e profissionais para o desenvolvimento informacional da biblioteca, visando à satisfação de sujeitos usuários.
Movimentos sociais (gênero, raça, religioso, político, educação, cultura etc.) Sujeito usuário Uso do acervo, participação em eventos diversos, serviços e produtos de informação variados.
Sujeito mediador Prática de atividades (serviços e produtos) sobre os movimentos sociais.
Sujeito autor Propositor de atividades intelectuais e políticas para o desenvolvimento informacional da biblioteca, visando à satisfação de sujeitos usuários.
Empresários/

industriais/

banqueiros

Sujeito usuário Uso do acervo, participação em eventos diversos, serviços e produtos de informação variados.
Sujeito mediador Prática de atividades (serviços e produtos) sobre questões empresariais/industriais/bancárias. Estímulo ao empreendedorismo e empregabilidade.
Sujeito autor Propositor de atividades intelectuais, serviços e produtos para o desenvolvimento informacional da biblioteca, visando à satisfação de sujeitos usuários.
Imprensa Sujeito usuário Uso do acervo, acesso a serviços e produtos que facilitem à produção de atividades jornalísticas, publicitárias, marketing, relações públicas etc.
Sujeito mediador Parceria na divulgação geral das atividades da biblioteca nos meios tradicionais e virtuais/digitais da imprensa.
Sujeito autor Propositor de atividades comunicacionais-informacionais-intelectuais-cotidianas sobre assuntos diversos pertinentes aos sujeitos usuários e a sociedade em geral.
Terceiro setor Sujeito usuário Uso do acervo, acesso a serviços e produtos que facilitem à produção de atividades para o desenvolvimento do terceiro setor.
Sujeito mediador Prática de atividades (serviços e produtos) sobre o modus operandi do terceiro setor.
Sujeito autor Propositor de atividades intelectuais e políticas para o desenvolvimento informacional da biblioteca, visando à satisfação de sujeitos usuários.
Família Sujeito usuário Uso do acervo e das tecnologias digitais para acesso à informação, estímulo à pesquisa, práticas de mediação da informação, mediação cultural, mediação da leitura, serviços de informação (referência, informação utilitária, disseminação seletiva da informação, alerta etc.), educação/treinamento, práticas de letramento informacional.
Sujeito mediador Interação com outras famílias divulgando os serviços, produtos, acervos e práticas da biblioteca.
Sujeito autor Produtor de atividades diversas sobre os valores da família abrindo espaços para compreensão dos conflitos entre família tradicional e família moderna.
Comunidades carentes Sujeito autor Uso do acervo e das tecnologias digitais para acesso à informação, estímulo à pesquisa, práticas de mediação da informação, mediação cultural, mediação da leitura, serviços de informação (referência, informação utilitária, disseminação seletiva da informação, alerta etc.), educação/treinamento, práticas de letramento informacional. Informações elementares sobre trabalho, alimentação, acesso à saúde, utilidade pública etc.
Sujeito mediador Sugestões de atividades para o desenvolvimento da biblioteca. Partilha com outros membros da comunidade sobre práticas da biblioteca.
Sujeito usuário Desenvolvimento de parcerias dos líderes das comunidades (associações de moradores, centrais de favelas) com a biblioteca sobre questões diversas do cotidiano, bem como sobre como a biblioteca pode satisfazer necessidades cotidianas dos sujeitos usuários.
Comunidades institucionais (educação, cultura, meio ambiente, segurança, agrária/rural, religiosa, científica etc.) Sujeito usuário Uso do acervo, participação em eventos diversos, serviços e produtos de informação variados.
Sujeito mediador Prática de atividades (serviços e produtos) sobre assuntos alusivos a cada tipo de comunidade.
Sujeito autor Propositor de atividades variadas de cunho intelectual, político, científico, profissional para o desenvolvimento informacional da biblioteca, visando à satisfação de sujeitos usuários.

Fonte: elaborado pelo autor

Conforme o quadro estruturado, a definição de sujeitos usuários, mediadores e autores significa uma forma dinâmica para o desenvolvimento da atividade da biblioteca tornando os sujeitos elementos ativos e plurais na atividade da biblioteca. Evidentemente que em todos os casos a prioridade é o olhar para o sujeito usuário, mas é possível pensar na articulação político-pragmática desses sujeitos na condição de mediadores e autores através de parcerias e da construção interacional entre a biblioteca popular e os sujeitos indicados no quadro.

Outra questão é a diversidade dos sujeitos usuários/mediadores/autores da biblioteca popular que não é contemplada em nenhum outro tipo de biblioteca. Por isso, a biblioteca popular deve ser considerada como a biblioteca do povo, pois serve uma  a multiplicidade de sujeitos.

Portanto, a biblioteca popular é um ambiente com múltiplas atuações no contexto das políticas/ações culturais, educacionais, informacionais para múltiplos sujeitos da informação que podem ocupar funções variadas na atividade da biblioteca, embora a função primária e prioritária seja de sujeito usuário. Ademais, a biblioteca popular deve ser o ambiente da democratização, inclusão e protagonismo dos sujeitos que a utilizam. Logo, a biblioteca popular é o ambiente interacionista/participativo/integrador do/para/com a sociedade.

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